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    Desenho de orixás: MPSP pede bodycam de PMs que entraram em escola

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    O Ministério Público de São Paulo (MPSP) solicitou que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) envie cópias das gravações das câmeras corporais dos agentes que entraram armados em uma escola após atividade sobre orixás. Conforme revelado pelo Metrópoles, os agentes foram acionados pelo pai de uma aluna de 4 anos após ele se incomodar com um desenho da orixá Iansã feito pela filha.

    6 imagensDesenho da orixá Iansã que motivou pai de aluna de escola infantil de São Paulo a chamar a políciaDesenhos de alunos do EMEI Antônio Bento, em São Paulo, em atividade intitulada "Ciranda de Aruanda"Capa do livro "Ciranda em Aruanda", de Liu Olivina, publicado pela Editora Quatro CantosNo livro, a autora traz desenhos e informações sobre dez orixásLiu Olivina, autora de livro que inspirou atividade denunciada à PMFechar modal.1 de 6

    Desenhos que alunos do EMEI Antônio Bento, em São Paulo, fizeram em atividade sobre religiões de matriz africana

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    Desenho da orixá Iansã que motivou pai de aluna de escola infantil de São Paulo a chamar a polícia

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    Desenhos de alunos do EMEI Antônio Bento, em São Paulo, em atividade intitulada “Ciranda de Aruanda”

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    Capa do livro “Ciranda em Aruanda”, de Liu Olivina, publicado pela Editora Quatro Cantos

    Reprodução/Liu Olivina/Editora Quatro Cantos5 de 6

    No livro, a autora traz desenhos e informações sobre dez orixás

    Reprodução/Liu Olivina/Editora Quatro Cantos6 de 6

    Liu Olivina, autora de livro que inspirou atividade denunciada à PM

    Acervo Pessoal

    A solicitação do MPSP acontece em resposta a um pedido da deputada federal Luciene Cavalcante, do deputado estadual Carlos Giannazi e do
    vereador Celso Giannazi, ambos do PSol. Os parlamentares citaram a matéria do Metrópoles no documento.

    O MPSP ainda solicitou que a SSP identifique os policiais envolvidos, disponibilize o acionamento que resultou na ação dos PMs e forneça informações sobre um eventual inquérito.

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    Já para a Secretaria Municipal de Educação (Seduc), o MPSP pediu informações sobre o suporte oferecido aos profissionais da Escola Municipal de Ensino Infantil (Emei) Antônio Bento, na zona oeste de São Paulo, a identificação do pai que acionou a polícia e as gravações das câmeras de segurança do local.

    Pai acionou a PM após filha de 4 anos desenhar orixá

    Quatro policiais militares armados entraram na escola após o pai de uma aluna de 4 anos se incomodar com o conteúdo de uma atividade sobre orixás. Um dos agentes portava uma metralhadora.

    Repórter que revelou o caso dá mais detalhes sobre o ocorrido. Veja:

    O homem acionou a PM depois de descobrir que a filha fez um desenho da orixá Iansã. No dia anterior ao ocorrido, ele já havia demonstrado insatisfação com o conteúdo escolar, baseado no currículo antirracista da rede municipal de ensino, e chegou a rasgar um mural com desenhos das crianças que estava exposto na escola, segundo a mãe de um estudante.

    Depois do episódio, a direção do colégio indicou que o homem participasse, na quarta-feira, da reunião do Conselho da Escola, prevista para acontecer às 15h. Ele não compareceu ao encontro, mas chamou a PM.

    Atividade sobre Orixás

    • O desenho fazia parte de uma atividade com o livro infantil Ciranda Em Aruanda, da autora Liu Olivina, que está no acervo oficial da rede municipal de São Paulo.
    • A obra, publicada pela Editora Quatro Cantos, traz ilustrações de 10 orixás e apresenta, em textos curtos, as características das divindades.
    • Oxóssi, por exemplo, é retratado como “o grande guardião da floresta”.
    • A direção da Emei citou as leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que tornam obrigatório em todo o território nacional o ensino de história e cultura afro-brasileira, e afirmou que a atividade não tinha caráter doutrinário.
    • As crianças teriam apenas ouvido a história do livro e fizeram um desenho na sequência.
    • Ciranda Em Aruanda recebeu o selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e de Acervo Informativo de Qualidade da Cátedra UNESCO de Leitura – PUC – Rio.

    Os policiais, que não fazem parte da ronda escolar, foram até a escola por volta das 16h. Eles teriam dito para a direção da instituição que a atividade escolar configurava “ensino religioso” e destacaram que a criança estava sendo obrigada a ter acesso ao conteúdo de uma religião que não é a da família dela. A abordagem foi considerada hostil por testemunhas.

    Segundo uma mãe, que preferiu não ser identificada, os policiais demonstraram “abuso de poder, assustando crianças e funcionários” enquanto estiveram na escola. A situação também teria feito com que a diretora passasse mal.

    Os PMs permaneceram dentro da Emei por pouco mais de uma hora. “Foi preciso que um grupo de pais fosse conversar com eles para irem embora”, relatou a mulher. A ação foi gravada pela câmera corporal de um dos agentes e pelo sistema de segurança da escola.

    Autora de livro classifica ação como “absurda”

    Em entrevista ao Metrópoles, Liu Olivina lamentou a atitude do pai. “Fiquei muito triste. Pensei nas artes que foram destruídas pelo pai e nos educadores da escola. Mas o que mais me pegou foi a criança que ele reprimiu, porque isso gera traumas. Ela fez uma arte e isso fez o pai dela chamar a polícia. É muito absurdo”, afirmou.

    “Vi o desenho da criança e gostaria de falar para ela que está muito lindo, ela usou cores muito bonitas e Iansã deve estar muito feliz pelo desenho. Também gostaria de dizer que ela não precisa ter medo dos orixás. Mesmo que ela não seja da religião, eles estão aí, é para se encantar com eles. Mas as pessoas, com preconceito e racismo religioso, fazem com que esse encanto seja apagado pelo medo.”

    Nas redes sociais, a Editora Quatro Cantos compartilhou a reportagem do Metrópoles e afirmou que seguirá “publicando livros de autores e ilustradores negros e continuará acreditando num futuro em que o racismo, inclusive o religioso, não faça mais parte de nossa sociedade”.

    O que diz a SSP

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que, ao atender a ocorrência, os policiais conversaram com as partes – pai e diretora da instituição de ensino. A Polícia Militar instaurou procedimento para investigar a conduta da equipe.

    “No âmbito da Polícia Civil, a servidora da unidade de ensino registrou boletim de ocorrência por ameaça envolvendo o pai da estudante, policial militar da ativa, que por sua vez também registrou ocorrência, negando a acusação de ter danificado um painel da escola ao retirar um desenho feito por sua filha.”

    A SSP acrescentou, ainda, que o uso do armamento, que inclui metralhadora, faz parte do Equipamento de Proteção Individual (EPI) dos policiais e é portado durante todo o turno de serviço.

    Prefeitura diz que pai foi orientado sobre atividade

    Já a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SME), informou que o pai da estudante recebeu esclarecimentos de que o trabalho apresentado pela filha integra uma produção coletiva do grupo.

    “A atividade faz parte de propostas pedagógicas da escola, que tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena dentro do Currículo da Cidade de São Paulo”, reforçou a gestão municipal.