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    Desmontando a decretação da prisão preventiva de Jair Bolsonaro

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    Para a surpresa de ninguém, os colegas de Turma do ministro Alexandre de Moraes votaram para manter a prisão preventiva de Jair Bolsonaro.

    O enredo todo é estranho, e a prisão não foi decretada por causa da tentativa de violação da tornozeleira eletrônica, mas pelo planejamento que nunca houve de um crime que não foi cometido.

    Na sua ordem de prisão, Alexandre de Moraes alega que a vigília de orações em prol de Bolsonaro, convocada pelo filho Flávio, visava a repetir o modus operandi dos acampamentos golpistas de janeiro de 2023. Na adivinhação do ministro, seria para causar tumulto e facilitar a fuga do ex-presidente da prisão domiciliar.

    Para compor a sua peça, Alexandre de Moraes recorre aos casos dos fugitivos Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem e também à história de que Jair Bolsonaro cogitou pedir asilo à Argentina.

    O ministro também afirma, na justificativa da prisão preventiva de Jair Bolsonaro, que a embaixada dos Estados Unidos é próxima da casa do ex-presidente (13 quilômetros de distância) e que poderia ser alcançada em 15 minutos.

    A tentativa de violação da tornozeleira aparece apenas na 14ª página de uma decisão de 17 páginas, em um parágrafo que começa com um “além disso”, no qual não há nenhuma referência à forma como se deu essa tentativa.

    No frenesi de sábado, a imprensa tentou transformar a tentativa de violação da tornozeleira em principal motivo para a decretação da prisão preventiva, mas, ao que tudo indica, ela foi enfiada às pressas no despacho de Alexandre de Moraes, depois que o texto da ordem de prisão já estava pronto. A tentativa só veio a calhar para maquiar a aparência da arbitrariedade, desde que não se entrasse em pormenores, que nada têm de menores.

    É curioso, para não dizer assombroso, que ela apareça lateralmente, quase como nota de rodapé, porque a tentativa de violação da tornozeleira, e a imprensa notou isso logo, embora não tenha dado o braço a torcer, seria o único motivo razoável para que a prisão preventiva pudesse ser decretada, uma vez que constitui falta grave.

    Mesmo assim, antes da tomada de qualquer decisão da parte do ministro, ele deveria ter ouvido os argumentos dos advogados de Jair Bolsonaro, o que só foi feito após a decretação da prisão preventiva.

    Solitária como a estrela do Botafogo, a razão possivelmente concreta para a ordem drástica de Alexandre de Moraes é também o fato que desmonta de vez a tese de que a vigília de orações foi convocada para facilitar a fuga do ex-presidente da prisão domiciliar.

    Isso, claro, se houvesse alguém na imprensa disposto hoje a desmontar qualquer decisão do Supremo quanto a Jair Bolsonaro, a maior causa dos males nacionais, de acordo com todos os democratas brasileiros. Tudo bem, vou para o abate na área dos comentários sempre elegantes que acompanham esta coluna.

    Atente-se à cronologia dos fatos. O alerta de que havia algo de errado na tornozeleira foi aceso passados oito minutos da meia-noite do sábado. Constatou-se que Jair Bolsonaro havia queimado a caixa do equipamento, não a tira que o mantém preso à sua perna, e a tornozeleira foi trocada logo em seguida.

    Tentativa de violação por volta da meia-noite, muito bem. A vigília de orações, por sua vez, foi convocada por Flávio Bolsonaro para começar depois das 19h do sábado. Está lá, naquele vídeo com a fala do senador que emana eflúvios do Antigo Testamento.

    Se você ainda não se perguntou, eu me pergunto: que plano estrambótico era esse, segundo o qual Jair Bolsonaro se livraria da tornozeleira quase vinte horas antes de começar uma movimentação popular supostamente feita sob medida para criar uma confusão que propiciasse a fuga dele?

    Aliás, a cronologia não sustenta a ordem de prisão, nem tampouco a distância que separa o local marcado para a vigília de orações da entrada do condomínio onde fica a casa de Jair Bolsonaro: bem mais de meio quilômetro de distância.

    É isto, senhoras e senhores: a PF, a PGR e o ministro Alexandre de Moraes convenceram a torcida já convencida de antemão de que Jair Bolsonaro fugiria depois de quase vinte horas da violação da tornozeleira, esperando que ela não fosse notada e aproveitando-se de um tumulto causado pelo que seria uma falsa vigília de orações a ser feita a mais de cinco campos de futebol do condomínio onde o ex-presidente mora.

    Imagino que, na suposição extravagante dos envolvidos na decretação da ordem de prisão, a fuga de Jair Bolsonaro seria à la O.J Simpson: o ex-presidente fugindo a alta velocidade em direção à embaixada americana, com a PF no seu encalço tarde demais para evitar que ele entrasse em território diplomático inviolável, a cena toda filmada de helicóptero.

    Talvez, na imaginação ainda mais afoita de alguns dos nossos defensores da lei e da ordem, pudesse até ocorrer troca de tiros entre agentes federais e os marines que fazem a segurança da embaixada, enquanto o carro do ex-presidente atravessava o portão do prédio aberto às pressas. Mission accomplished, Mr. President.

    A defesa de Jair Bolsonaro disse que o ex-presidente estava em surto quando tentou abrir a tornozeleira, efeito colateral dos remédios que lhe foram prescritos,. Achava que havia uma escuta dentro do equipamento e que jamais cogitou fugir. Como ele não tentou arrancá-la da sua perna e dada a personalidade naturalmente paranóica de Jair Bolsonaro, a explicação faz sentido.

    Já o único sentido da ordem de prisão preventiva, na minha cada vez mais modesta e temerária opinião, foi  minorar o sentimento de impotência de quem deixou Alexandre Ramagem fugir para os Estados Unidos (Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro entrara para dourar a pílula). Era preciso mostrar que não se brinca com os homens, não.

    Nem que para isso fosse preciso criminalizar a liberdade garantida pela Constituição de cidadãos espernearem contra decisões da Justiça, inclusive cidadãos bolsonaristas. E a vigília foi, assim, adivinhada como ato criminoso, ilícito, atentatório ao Poder Judiciário, que não parece estar mais nem abaixo do Poder Divino, a julgar pelo tom e pelos adjetivos usados pelo ministro. Aliás, diga-se nem tanto de passagem, o senador Flávio Bolsonaro também virou cabra marcado, visto que teria convocado ato criminoso. A Constituição, ora a Constituição, desde 2019 ela só vale para quem merece.