É fácil explicar Copérnico às crianças, mas é difícil explicar o tempo em que ele vivia – sobretudo a crença generalizada em Deus.
Percebem as coisas que continuam até hoje – as diferenças entre católicos e protestantes, as tensões entre religião e ciência – mas vêem-se aflitas para imaginar a extensão e a profundidade da crença em Deus, com todos os respectivos medos e preconceitos.
De que adianta explicar o sol e os planetas se não conseguem perceber o choque que foi ouvir que a Terra (e o Deus da Terra, e os Adões e as Evas da Terra) não eram o centro do universo?
Para explicar o que era Deus no princípio do século XVI é preciso identificar o Deus do século XXI: é o nosso planeta.
A imagem de Deus é aquela fotografia tirada na missão Apollo, chamada “Earthrise” que mostra o nosso planeta azul a nascer, ou, para quem gosta mais do corpo completo, o “berlinde azul” fotografado quatro anos depois no Apollo 17.
Não consigo olhar para estas fotografias sem me comover: penso logo nas guerras e nos poemas, nos amores e nas selvajarias, nos partos e nos assassinatos, nas ondas do mar e nas flores dos campos.
Qualquer habitante da Terra se comove a olhar para a bola onde vivemos, pensando: “É aqui que tudo se passa, neste berlinde perdido no meio do espaço”.
É o planeta que ocupa o lugar que dantes era ocupado por Deus: o lugar cerebral que depois sentimos como se fosse a nossa alma.
As preocupações com o nosso planeta podem não ser sempre sinceras – mas as pessoas fingem que são, porque têm medo de parecer indiferentes.
Conseguimos ser frios com a grande maioria dos habitantes do planeta, que passa mal e não recebe ajuda de quem passa bem, mas sobem-nos as lágrimas aos olhos quando pensamos no nosso maravilhoso planeta, tão cheio de encantos, mas tão maltratado.
Havia essa mesma disparidade com a crença em Deus, quando era a explicação para todas as coisas, que toda a gente – ricos e pobres – aceitava.
Deus agora é o planeta.
(Transcrito do PÚBLICO)
