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    Devedores de R$ 20 bilhões recebem R$ 290 milhões de benefício em SP

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    Entre a lista dos 500 maiores devedores de tributos inscritos na Dívida Ativa do Estado de São Paulo em 2024, estão ao menos 28 empresas beneficiadas com R$ 289 milhões em benefícios fiscais. No total, as beneficiárias somam atualmente R$ 20,3 bilhões em dívidas tributárias junto ao erário estadual, boa parte referente a débitos de dívidas de ICMS.

    Os dados são de um cruzamento feito a partir de bases de dados públicas do governo paulista, compilados pelo gabinete do deputado estadual Paulo Fiorilo (PT). O levantamento leva em conta apenas as empresas contempladas na modalidade de benefício chamada “crédito outorgado”, única modalidade sobre a qual o governo tem divulgado os dados sobre as empresas contempladas.

    Em outubro, após ter sido alvo de críticas pelo acúmulos de renúncias de receitas tributárias pela oposição e pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), a Secretaria Estadual da Fazenda firmou um acordo com a Corte e passou publicar a razão social e o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CPNJ) das empresas beneficiadas com desonerações de ICMS.

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    No modelo de crédito outorgado, o governo permite que a empresa reduza o imposto a pagar por meio de um crédito criado por lei, sem depender das situações comuns que normalmente dão direito a crédito. Ou seja, enquanto a isenção fiscal elimina o imposto e a redução de alíquota diminui o valor desde o cálculo inicial, o crédito outorgado mantém o imposto “normal”, mas concede depois um abatimento direto, como forma de incentivar aquela atividade econômica.

    Entre as empresas devedoras que integram a lista de beneficiadas, estão grandes grupos como BRF, Claro, Gerdau e White Martins.

    No topo da lista dos 500 maiores devedores, mas que não está entre os agraciadas com o benefício do crédito outorgado, está o grupo Refit, que nessa quinta-feira (27/11) foi alvo de uma megaoperação contra um suposto esquema bilionário de sonegação fiscal. Apenas em São Paulo, o grupo é acusado de ter cerca de R$ 9,6 bilhões em dívidas tributárias.

    Críticas do TCE e da oposição

    O Metrópoles mostrou que das 50 maiores empresas beneficiárias de renúncias fiscais concedidas pela gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao menos 31 delas possuem débitos inscritos na Dívida Ativa do Estado.

    Os dados estão em relatório técnico sobre as contas do governador de 2024, feito pelo conselheiro Dimas Ramalho, relator da matéria no TCE. Em junho, tribunal aprovou as contas da gestão, mas fez ressalvas sobre alguns pontos, especialmente quanto às renúncias fiscais.

    “A constatação de que uma parcela significativa dos maiores beneficiários de incentivos fiscais em São Paulo também figurar na lista de devedores da dívida ativa levanta sérias e preocupantes questões sobre a racionalidade e a equidade da política de incentivos”, afirmou o conselheiro no relatório.

    Para Ramalho, “é paradoxal e, no mínimo, contraproducente que empresas contempladas com tratamento tributário diferenciado acumulem débitos com o erário”.

    O conselheiro ainda afirma que tal situação pode se configurar em “possível falha nos critérios de concessão” ou no acompanhamento dos benefícios.

    “Permitindo que entes negociais com saúde financeira questionável ou com histórico de inadimplência continuem a se beneficiar de recursos públicos indiretamente, em detrimento de outros contribuintes e da própria sustentabilidade fiscal do Estado”, diz.

    O cenário também tem gerado críticas por deputados da oposição.

    “É escandaloso que o governo siga premiando com benefícios fiscais empresas que devem bilhões aos cofres do Estado sem que ao menos apresentem as contrapartidas para angariar este tipo de benefício. É recurso suado do contribuinte paulista que o governador vem utilizando para fazer média com o setor privado. Nosso mandato vai acionar o TCE e o MP para que o governo do Estado se explique”, afirma Fiorilo.

    O advogado tributarista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Eduardo Navarro, explica, no entanto, que o fato de uma empresa ser devedora de tributos não necessariamente impede que ela tenha algum tipo de benefício fiscal.

    “Muitas vezes, as empresas estão discutindo essas dívidas na esfera administrativa ou judicial. Se for na esfera judicial, muitas vezes essas dívidas estão garantidas. Como regra, isso não impede o aproveitamento de incentivos fiscais. Claro que os incentivos podem ter regras diferentes, mas de maneira geral, os incentivos não podem ser aproveitados por aquelas empresas que são efetivamente devedoras e não estão garantindo essa dívida”, aponta Navarro.

    O que diz o Governo de SP

    • Em nota, a Secretaria da Fazenda e Planejamento (Sefaz-SP) afirma que os incentivos fiscais, incluindo a modalidade de crédito outorgado, são concedidos de forma setorial, vinculados a atividades econômicas previstas em lei e não a empresas individualmente.
    • “A legislação não autoriza a concessão ou a retirada de benefícios com base na situação específica de cada contribuinte”, diz a pasta.
    • “A existência de débitos inscritos no CADIN Estadual ou na Dívida Ativa não implica, necessariamente, inadimplência exigível. A manutenção do benefício pode ocorrer nas situações previstas na legislação, como parcelamentos ativos, garantias apresentadas ou processos administrativos ou judiciais que suspendem a exigibilidade do crédito, casos em que o débito não produz efeitos impeditivos”, ressaltou a gestão estadual.
    • Além disso, a Sefaz afirmou que “aprimora continuamente os mecanismos de transparência e controle de renúncias, com avanços na governança e na gestão dos benefícios fiscais reconhecidos pelo Tribunal de Contas do Estado, incluindo melhorias no compartilhamento de informações e a governança da concessão de incentivos”.