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Dez anos de Mariana: os processos que a Vale ainda responde na Justiça

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Dez anos de Mariana: os processos que a Vale ainda responde na Justiça

Dez anos após a tragédia de Mariana, a Vale S.A. – uma das controladoras da mineradora Samarco, responsável pela barragem que estourou – ainda responde a processos bilionários nas Justiças brasileira, inglesa e holandesa em razão do desastre. Passada uma década, ninguém ainda foi responsabilizado criminalmente pelo maior desastre ambiental do Brasil que matou 19 pessoas e contaminou todo o Rio Doce.

De forma discreta e sem alarde, a mineradora tem reportado a investidores como “possível” as chances de perder as ações penal e civil pública movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2016 e 2024.

Sobre o processo de indenização movido pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead na Inglaterra e na Holanda, a mineradora avalia como “remota” e “possível”, respectivamente, as chances de perda nas duas cortes internacionais.

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Foz do rio Doce, distrito de Regência; comunidade enfrente dificuldades pela contaminação dos rejeitos de mineração

Tânia Rêgo/Agência Brasil2 de 6

Áreas atingidas pelo rompimento de barragem da Samarco no Espirito Santo

Paulo de Araújo/Ministério do Meio Ambiente3 de 6

Comunidade de Paracatu de Baixo, em Minas Gerais, devastada pela lama; barragem de rejeito se rompeu em 2015

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Mariana (MG) – Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco, em novembro de 2015

(Antonio Cruz/Agência Brasil)5 de 6

Planta industrial da Samarco no complexo de Germano, em Mariana (MG)

Samarco/Divulgação6 de 6

Mineradora Vale S.A. é uma das controladoras da Samarco

Hariandi Hafid/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

No caso da Justiça holandesa, a causa é superior a 3 bilhões de libras (o equivalente a R$ 21,1 bilhões na cotação atual), enquanto no tribunal inglês o impacto para as receitas da Vale, em caso de perda, representa R$ 10 bilhões. Ao todo, o escritório Pogust Goodhead representa mais de 700 mil brasileiros.

As informações sobre “chances de perda” constam no último Formulário de Referência, de 24 de outubro, encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Procurada, a mineradora informou à coluna que “não comenta ações judiciais em andamento”.

Os “fatores de risco” avaliados pela Vale no caso Mariana

É regra que as empresas listem com periodicidade à CMV, como “fatores de risco”, os processos em que estejam implicadas e que possam resultar em perdas relevantes aos cofres da própria companhia. Essa espécie de transparência sobre as chances de perda permite aos investidores e ao mercado traçarem perspectivas sobre o futuro e fazerem cálculos de riscos nos investimentos.

Especificamente sobre o rompimento da barragem em Mariana, a mineradora listou 20 processos no mais recente Formulário de Referência. Do total de causas, 16 serão extintos devido à repactuação do Novo Acordo do Rio Doce, homologado em novembro de 2024 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O “Acordo de Mariana”, como ficou conhecido, levou três anos para ser finalizado e estabeleceu R$ 170 bilhões em indenizações e compensações por parte da mineradora. Também ficou acordada a extinção da Fundação Renova, entidade criada pelas mineradoras para lidar com os atingidos.

A Vale não aparece sozinha nos processos. Ela é parte das causas que envolvem também a mineradora anglo-australiana BHP Billiton, controladora dos outros 50% da Samarco.

O acordo de repactuação não engloba a ação penal e a ação civil pública movidas pelo MPF contra as três mineradoras (Vale, Samarco e BHP Billiton), além de uma empresa de engenharia e uma de geotecnia.

Ação Penal pelo rompimento de Fundão e os crimes ambientais

Em relação à ação penal, em 2ª instância no Tribunal Regional Federal da 6ª Região, a mineradora descreveu que, “por ora, os valores envolvidos são inestimáveis. À Vale podem ser imputadas penas pecuniárias e restritivas de direito”.

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra as três mineradoras, além de uma empresa de engenharia VogBr, ainda em 2016, “por alegados crimes contra o meio ambiente e delitos contra a administração ambiental”, segundo descreveu a Vale, no Formulário de Referência, nos principais fatos da ação penal.

“Em relação às pessoas físicas, além dos crimes acima destacados, o MPF alegou a prática de crimes de homicídio triplamente qualificados; lesão corporal grave; e de inundação e de desabamento ou desmoronamento”.

A mineradora explicou ainda o motivo pelo qual o processo é “considerado relevante”. “Em caso de condenação, a Vale poderá sofrer impactos financeiros relevantes, danos à sua imagem, além de penas restritivas de direito”.

Sobre o impacto em caso de perda do processo, a mineradora anotou que “o processo tem natureza criminal e decorre do rompimento da Barragem do Fundão, podendo resultar em impactos financeiros relevantes e danos à imagem da Vale. Além disso, a Vale poderá sofrer penas restritivas de direito”.

Ação Civil Pública

Em 2024, o MPF ajuizou ação civil pública contra as mineradoras e a Fundação Renova, alegando que os acordos firmados entre a Fundação Renova e as comunidades indígenas Tupiniquim Guarani, Mboapy Pindó e Comboios “contêm nulidades referentes” ao pagamento do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE).

Ao classificar como “possível” as chances de perda no processo, em uma escala que varia entre “provável” e “remota”, a Vale considera a ação relevante ao justificar que a mineradora “poderá sofrer relevante impacto financeiro e à sua imagem e reputação”.

Ações na Holanda e na Inglaterra

O escritório inglês Pogust Goodhead, famoso internacionalmente por mover ações coletivas contra grandes corporações, entrou com o processo de indenização, em 2022, contra a mineradora anglo-australiana BHP Billiton, que estava na listada na Bolsa de Londres à época do desastre em Mariana.

Os advogados da Pogust Goodhead adotaram a tese de que as companhias precisam ser alcançadas para onde elas mandam seus lucros. No caso da BHP Billiton, os lucros da mineradora não ficam no Brasil. O escritória defende ainda que companhias não podem ir a outros países, no caso o Brasil, explorar os recursos minerais e ficarem imunes nos seus países de origem.

No Formulário de Referência encaminhado à CVM, a mineradora Vale classifica como “remota” as chances da BHP Billiton perder a causa no tribunal inglês. Ainda assim, caso haja uma condenação, a mineradora brasileira irá responder por 50% dos valores de indenização. Até o momento, não há decisões de mérito na corte britânica.

“A Vale poderá sofrer impacto financeiro superior a R$ 10 bilhões, a depender das provas que forem produzidas e do que vier a ser calculado em fase de liquidação. Além disso, poderá sofrer danos à imagem”, descreveu a mineradora no campo “análise do impacto em caso de perda do processo” do documento.

O escritório Pogust Goodhead, por sua vez, informou à reportagem que “está confiante de que a ação que tramita na Inglaterra trará justiça aos atingidos pelo maior desastre socioambiental da história do Brasil”. “O caso inglês, uma das maiores ações coletivas já movidas, pode ter uma decisão anunciada em breve”.

Pelo fato da Vale ter uma subsidiária (Vale Holdings B.V) na Holanda, o escritório Pogust Goodhead também moveu uma ação popular com pedido de indenização contra a companhia e a Samarco. No caso da Justiça holandesa, a Vale não tem uma projeção tão otimista e classificou como “possível” às chances de perda da causa.

Trecho do resumo feito pela Vale sobre o processo contra a mineradora na Justiça na Holanda

Quanto ao estágio do processo, no informe à CVM, a mineradora diz que ainda não apresentou defesa. “A Vale poderá sofrer relevante impacto financeiro, pois o processo envolve o pagamento de danos difusos que podem resultar em impacto superior a £3 bilhões (valor histórico da causa), além de danos à imagem, pois o processo se relaciona ao rompimento da Barragem do Fundão”, anotou.

Quanto à causa na Holanda, cuja instauração do processo se deu em março de 2024, o escritório Pogust Goodhead informou à coluna que o Tribunal de Amsterdã “já rejeitou o pedido das mineradoras para encerrar a ação, que busca responsabilizar Vale e Samarco pelo colapso da barragem, sob alegação de que essas empresas desempenharam papel central na obtenção dos lucros globais obtidos com a mina”.

MP mira cláusulas abusivas da Pogust Goodhead

A atuação do escritório internacional é alvo de críticas no Brasil. O Ministério Público Federal, juntamente com os MPs estaduais do Espírito Santo e de Minas Gerais, protocolaram uma ação civil pública, em maio deste ano, contra a Pogust Goodhead e também contra o escritório Felipe Hotta Sociedade Individual de Advocacia por cláusulas abusivas contratuais e danos morais às vítimas do rompimento da barragem

Além disso, um dos sócios-fundadores deixou o escritório em agosto deste ano sob suspeita de ostentação e gastos irregulares, inclusive em São Paulo e no Rio de Janeiro, conforme noticiado pela imprensa inglesa. Thomas Goodhead, por sua vez, nega as irregularidades e diz que não fez mau uso dos recursos da firma.

Por meio de nota, a atual gestão do escritório afirmou à coluna que “o Pogust Goodhead é agora administrado por um conselho experiente que passa a reforçar a governança e assegurar que a prioridade continue sendo a defesa dos interesses dos clientes, sem qualquer impacto no andamento do Caso Mariana”.

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Tragédia contaminou o Rio Doce e atingiu a mar no Espírito Santo

No dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, no Complexo Industrial de Germano, da mineradora Samarco, rompeu, destruiu o vilarejo de Bento Rodrigues, matou 19 pessoas e provocou o maior desastre ambiental da história do Brasil.

Ao todo, 40 milhões de m³ de rejeito de mineração foram despejados no Rio Doce. A lama tóxica percorreu uma extensão de mais de 600 km até alcançar o oceano Atlântico, no litoral capixaba, em 22 de novembro de 2015.

Comunidades ribeirinhas, povos indígenas e cidades inteiras foram impactadas pelo rompimento da barragem. Com a fauna aquática contaminada, milhares de pescadores de água doce e salgada foram prejudicados. O bioma, até hoje, não se recuperou. Tampouco o rio.

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