Caracterizada como uma conduta abusiva, cometida de forma reiterada e intencional no ambiente de trabalho, os casos de assédio moral no serviço público do DF têm chamado a atenção. De acordo com a Ouvidoria do GDF, de janeiro a outubro deste ano, foram 927 denúncias — uma média de três por dia.
O número é 23,6% maior do que no mesmo período de 2024, quando foram 750 registros. Até mesmo na comparação com todo o ano passado (900), os dados de 2025 ainda são mais alarmantes.
Veja o gráfico:
A advogada especialista em direito do trabalho Rita de Cássia Biondo explica que a pessoa que pratica o assédio moral tem o intuito de humilhar, constranger, desestabilizar emocionalmente ou marginalizar o trabalhador, afetando sua dignidade, autoestima, saúde física e mental. Tornando as condições de trabalho completamente insalubres e tornando insuportável esse ambiente.
Segundo ela, a “bússola norteadora” para que um trabalhador consiga identificar que está sendo vítima é a repetição e a intencionalidade da conduta do assediador. “Não se trata de algo único e isolado. Sofrer críticas públicas constantes, humilhações ou ironias, ter atribuída a ele tarefas impossíveis ou desnecessárias, são alguns exemplos”, comentou.
“Pressão constante”
Quem já passou por uma situação difícil, dentro do serviço público do DF, foi Alisson (nome fictício), 37 anos. Ele conta que, em 2022, passou a perceber comentários irônicos sobre seu trabalho, vindos da chefia.
“Eram insinuações de que eu não era produtivo o suficiente e, depois, vieram as humilhações públicas em reuniões. O chefe me isolava, retirava tarefas sem explicação e, em alguns momentos, fazia questão de me constranger na frente de colegas. Era uma pressão constante, velada, mas desgastante”, recordou.
Alisson disse que chegou a buscar ajuda de outro chefe, para tentar contornar a situação. “Primeiro procurei uma chefia intermediária, mas ouvi que ‘era melhor deixar para lá, porque ele é assim mesmo’. Depois, fui ao RH e pedi para registrar o caso, mas o processo foi lento e burocrático”, afirmou. Segundo ele, somente depois que outros colegas relataram situações parecidas, é que o assunto começou a ser levado mais a sério.
Medo persiste
O servidor afirmou que, para se livrar de vez do assédio, procurou ajuda psicológica e também apoio jurídico. “Comecei a registrar tudo – e-mails, mensagens, horários e testemunhas. Essa documentação foi essencial. Pedi transferência de setor e, finalmente, consegui mudar de ambiente. Isso salvou minha saúde mental”, relatou.
Depois das denúncias formais, foi instaurado um processo administrativo contra o chefe, segundo Alisson. “Ele chegou a ser afastado temporariamente, mas depois retornou em outra função. A sensação de impunidade é grande, mas pelo menos houve um reconhecimento oficial de que o comportamento foi inadequado”, observou.
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Ele disse que, além da denúncia administrativa, entrou com uma ação judicial por danos morais. “Não foi por vingança, mas por entender que o assédio precisa ter consequências – para mim e para quem vier depois”, avaliou.
Mesmo com a reparação, o servidor disse que ficaram traumas da experiência. “Ainda fico apreensivo com figuras de autoridade e tenho medo de ser mal interpretado”, pontuou.
Só que, atualmente, Alisson consegue falar sobre o assunto com mais tranquilidade. “Transformei a dor em aprendizado. Acho importante que os servidores saibam: não é normal ser humilhado no trabalho, e existe caminho para buscar ajuda”, alertou.
Mecanismos legais
A advogada Rita Biondo ressaltou que, a depender da gravidade e das consequências do assédio moral sofrido, o trabalhador pode contar com mecanismos legais de proteção, tanto na esfera trabalhista quanto cível e penal.
Veja o que pode ser feito:
- Na esfera trabalhista, ele pode se socorrer da Justiça com um pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, enquanto ainda está com o contrato ativo, pedindo a justa causa do empregador, (art. 483, “e”, CLT, quando o empregador pratica atos lesivos à dignidade do empregado), além do pedido de indenização por danos morais e materiais e a comunicação do ocorrido à CIPA, sindicato da categoria ou ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que podem instaurar procedimentos investigativos;
- Na esfera cível, o trabalhador pode ajuizar ação indenizatória, com base no art. 186 e 927 do Código Civil, para reparação dos danos morais, materiais e até existenciais sofridos;
- Na esfera penal, dependendo da conduta, pode haver enquadramento como injúria (art. 140 do Código Penal), difamação (art. 139) ou ameaça (art. 147).
Respostas
Procurado pelo Metrópoles, o GDF afirmou, em nota, que a Escola de Governo do DF (Egov) tem uma trilha de capacitação específica — cursos EAD e presenciais, sobre assédio, mediação de conflitos e comunicação não-violenta, entre outros, além de palestras — para os servidores e agentes políticos do GDF.
Segundo o texto, a prevenção é a estratégia para evitar a ocorrência de assédio no ambiente de trabalho. “Também é disponibilizado material educativo para que os servidores e servidoras possam ter acesso à informação e possam reconhecer situações de assédio e conflitos”, ressaltou.
De acordo com a nota, a Egov ministra, regularmente, cursos e palestras de combate e prevenção ao assédio, comunicação não violenta, mediação de conflitos, tanto presencialmente quanto na modalidade à distância, garantindo a difusão das informações. De 2023 a 2025, segundo o GDF, foram emitidos 2.268 certificados.
O GDF também informou que, em breve, será lançado um material atualizado para os servidores. O lançamento está previsto para 15 de novembro, durante a Corrida do Servidor, no Palácio do Buriti. O guia será físico e virtual e contará com um projeto que traz histórias reais de assédio. Os relatos são anônimos e englobam situações do serviço público e privado.

