Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) identificou que emendas destinadas pelo deputado federal Raimundo Costa (Podemos-BA) beneficiaram a federação que ele próprio presidiu, além de terem sido utilizadas pela organização para contratar serviços de arquitetura e engenharia da empresa da companheira de seu ex-chefe de gabinete em um serviço superfaturado.
Os indícios estão em um relatório da CGU que será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o escopo de emendas individuais destinadas por parlamentares ao longo dos últimos anos, sob relatoria do ministro Flávio Dino.
A análise dos técnicos aponta risco de conflito de interesses e mostra que há fragilidades que comprometem a integridade da execução das emendas destinadas pelo parlamentar baiano, especialmente as que ele encaminhou para a Federação dos Pescadores e Aquicultores do Estado da Bahia (FEPESBA).
O levantamento feito pela CGU diz respeito a uma auditoria sobre o repasse de R$ 4,36 milhões em emenda do parlamentar para a reforma de unidades de 32 colônias de pescadores da Bahia, vinculadas à federação.
A CGU indica que há potencial risco de conflito de interesses porque existem ligações e proximidades entre o parlamentar, os dirigentes da federação e as empresas contratadas para a execução do serviço. Além dos serviços contratados pela federação à empresa da mulher de seu ex-assessor, os técnicos constatam que um familiar do atual presidente da federação — que era vice de Raimundo — trabalha atualmente no gabinete do próprio parlamentar na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Ao todo, ao longo de 2023 a 2025, foram destinados R$ 17,2 milhões do deputado à antiga entidade que ele presidiu.
Protesto de pescadores na Ilha da Maré, Bahia
Divulgação
Divulgação/PF
Homem desaparece ao cruzar rio enrolado a uma rede de pesca na Bahia
Reprodução/ Radar 64
Serviço superfaturado
O Metrópoles apurou que as emendas, conforme um termo de fomento de vigência entre dezembro de 2023 e setembro de 2026, foram utilizadas para a elaboração dos projetos de reforma de 32 unidades das colônias de pescadores na Bahia e para reformas e melhorias estruturais nas sedes físicas dessas colônias.
Com parte da emenda do parlamentar, a entidade contratou uma empresa de engenharia e arquitetura que tem, entre seus sócios, a companheira de um ex-chefe de gabinete do próprio deputado — função que ele exerceu entre fevereiro de 2019 e abril de 2023, no nível mais alto da escala salarial dentro da categoria de secretário parlamentar. O parlamentar assumiu o mandato em 2019 e foi reeleito em 2022.
O projeto da empresa para reformar as unidades das colônias de pescadores ligadas à federação incluiu projeto arquitetônico, elétrico, hidráulico, estrutural, adequações de acessibilidade e memoriais descritivos. Além disso, a contratação envolveu custos estimados para cada obra, composição de preços, quantitativos de materiais e cronograma físico-financeiro.
A análise da parte técnica da CGU, consultada pela reportagem, identificou que há falhas em quase todos os processos da entrega do serviço — a obra para as unidades de pescadores sequer iniciou.
A federação pagou cerca de R$ 596 mil à empresa, embora o contrato total seja de R$ 745.750,70. Desse valor já desembolsado, uma parte corresponde às duas primeiras etapas — diagnóstico e elaboração dos projetos básicos — que somam R$ 450 mil e foram as únicas analisadas pela CGU. A diferença decorre de pagamentos antecipados vinculados à terceira etapa, de acompanhamento das obras, mesmo sem a reforma ter começado.
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Para a CGU, o material entregue pela empresa ligada ao ex-chefe de gabinete do parlamentar não cumpre a norma técnica da ABNT, especialmente porque há poucos detalhes sobre o que será feito nas obras, orçamento sem justificativa do BDI (lucro, impostos, indiretos) e estimativas vagas.
O órgão comparou o valor de R$ 450 mil das duas etapas analisadas com a Tabela Referencial de Preços de Projetos da Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura e do DER do Espírito Santo (SEMOBI/DER-ES), que estima R$ 291.285,34 para serviços equivalentes.
A diferença — de R$ 158.714,65 — representa aproximadamente 54% acima do valor de mercado, o que, segundo a CGU, configura “indício de sobrepreço e, consequentemente, superfaturamento por pagamento superior ao valor de mercado”.
As obras não iniciaram devido à empresa contratada ter desistido do contrato. A empresa que executaria os trabalhos também é alvo de auditoria da CGU porque tem os mesmos sócios em comum com outra empresa contratada pela federação em outro contrato financiado por emenda do deputado, que visava a instalação de uma fábrica de gelo.
O mesmo grupo empresarial de refrigerações, nesse caso, instalou a fábrica — que não funciona atualmente porque não foi prevista a subestação de energia necessária para operar a máquina de gelo. Segundo a CGU, há ligações societárias entre a federação e a empresa contratada.
Reprodução
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O equipamento foi instalado na Colônia de Pescadores, em Porto Seguro (BA), e, embora o relatório final ainda não tenha sido apresentado, o termo de fomento registra um custo total de R$ 2,44 milhões. De acordo com as especificações analisadas pela CGU, a fábrica teria capacidade estimada de produção de 24 toneladas de gelo por dia, caso estivesse em pleno funcionamento.
Procurada, a FEPESBA informou que a entidade não está sujeita ao regime jurídico próprio da Administração Pública e que poderia “legitimamente, escolher livremente seus prestadores, sem a necessidade de realizar processo público de seleção”. A entidade também esclareceu que não há nenhum vínculo de parentesco com o parlamentar.
“A FEPESBA esclarece que não há no quadro diretivo atual qualquer vínculo de parentesco com o parlamentar autor das emendas que originaram os recursos, bem como executou as emendas de autoria do parlamentar sem qualquer beneficiamento ilegal de outrem, cumprindo em todo manuseio da emenda feita o princípio da impessoalidade”, informou a entidade.
A FEPESBA informou que irá notificar a empresa da esposa do ex-assessor do parlamentar para apresentação de esclarecimentos técnicos e documentos comprobatórios da compatibilidade de preços.
“Embora alguns planos de trabalho não tenham apresentado indicadores quantitativos expressos, houve efetiva mensuração e acompanhamento técnico, conforme metodologias aprovadas pelo Ministério”, pontuou a organização.
O Metrópoles procurou o deputado, mas até o fechamento desta reportagem não obteve retorno.
