A guerra entre Rússia e Ucrânia, prestes a completar quatro anos, entrou em uma das fases diplomáticas mais sensíveis desde o início. Em meio ao impasse militar no front e ao desgaste político envolvendo corrupção em Kiev, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apresentou um novo plano de paz que pode representar a tentativa mais ambiciosa e controversa de encerrar o conflito no leste europeu.
O desenho do acordo, entretanto, coloca o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, diante de um dilema histórico: aceitar concessões territoriais amplas à Rússia e condições militares rígidas impostas por Washington ou arriscar perder o apoio crucial dos EUA, enquanto Moscou de Vladimir Putin se encontra em uma posição privilegiada no tabuleiro.
O plano, elaborado pelo enviado especial norte-americano Steve Witkoff em negociações diretas com o negociador russo Kirill Dmitriev, sem participação europeia e inicialmente sem Kiev, contém 28 pontos.

Reconhecimento de territórios pela Ucrânia
O ponto mais delicado do documento, que faz Kiev estremecer, é a exigência de que a Ucrânia e seus aliados reconheçam como russas não apenas a Crimeia e o Donbass, mas todo o mosaico de territórios hoje ocupados por Moscou.
Pelos termos apresentados, o mapa seria redesenhado quase como quem passa o dedo por uma fronteira ainda fresca. Crimeia, Lugansk e Donetsk deixariam de ser disputas diplomáticas e se tornariam russas de fato, com aval até dos Estados Unidos.
Já Kherson e Zaporíjia ficariam congeladas no tempo, presas à linha de combate atual, reconhecidas como estão, nem ucranianas plenamente, nem russas oficialmente.
O restante de Donetsk, ainda sob Kiev, se converteria em uma zona tampão desmilitarizada, um vazio territorial entregue ao silêncio militar, mas considerado território da Rússia.
Moscou, em troca, renunciaria a qualquer ambição além das cinco regiões já anexadas — embora mantivesse sob as mãos algumas áreas estratégicas.
E como se o futuro pudesse ser alugado, o documento apresenta um mecanismo peculiar: um sistema de “arrendamento territorial”, pelo qual a Rússia pagaria à Ucrânia pela administração de áreas ocupadas, mesmo mantendo a autoridade militar sobre elas.
Um país sendo pago para ceder, temporariamente, aquilo que não deseja entregar — como um “aluguel”.
Ucrânia será praticamente reduzida
O plano impõe uma reconfiguração profunda ao aparato militar ucraniano. O Exército seria reduzido a 600 mil soldados, armas de longo alcance desapareceriam do arsenal e nenhuma tropa estrangeira poderia operar no país.
A Constituição passaria a registrar que a Ucrânia jamais ingressará na Otan. Em paralelo, a própria aliança firmaria o compromisso de não estacionar tropas em território ucraniano.
Em troca, os EUA oferecem “fortes garantias de segurança”, cercadas de condições que funcionam como alertas.
Sanções e economia
Washington propõe desmontar, peça por peça, o regime de sanções, reintegrar Moscou a conselhos internacionais e até abrir a porta para um eventual retorno ao G8.
O pacote prevê parcerias em energia, mineração, inteligência artificial, centros de dados e exploração de metais raros no Ártico, ou seja, um cenário em que antigos rivais voltam a operar como sócios.
Leia também
-
Trump envia plano de paz à Ucrânia com amplas concessões
-
Rubio e enviado dos EUA atuam em plano final de paz para Ucrânia
-
Sob pressão, Zelensky reage a plano de paz proposto por Trump
-
Putin se manifesta sobre plano de Trump para paz na Ucrânia
Reconstrução da Ucrânia
O plano cita um desejo antigo e fala em cifras bilionárias, com 100 mil milhões em ativos russos congelados que seriam destinados à reconstrução da Ucrânia, com metade dos lucros ficando com os EUA.
Os Estados Unidos ficariam com 50% dos lucros desse fundo. Já a União Europeia aportaria US$ 100 bilhões adicionais, ampliando o volume destinado à reconstrução da Ucrânia.
O documento também busca reconfigurar a Ucrânia internamente. O russo se tornaria idioma oficial; Kiev teria de adotar normas europeias rígidas para proteção de minorias e liberdade religiosa; e programas educacionais conjuntos deveriam combater “racismo, preconceito e ideologias nazistas”.
Eleições nacionais seriam convocadas em até 100 dias, e todos os envolvidos nas ações da guerra — de ambos os lados — receberiam anistia total.
A usina nuclear de Zaporíjia, uma das mais sensíveis do planeta, permaneceria sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A produção seria dividida em partes iguais: metade para a Ucrânia, metade para a Rússia.
4 imagens

Fechar modal.
1 de 4
Putin e Trump no Alasca em agosto de 2025
Andrew Harnik/Getty Images
2 de 4
Encontro entre Trump e Putin teve várias pautas
Andrew Harnik/Getty Images
3 de 4
Encontro de Trump e Zelensky
Photo by Chip Somodevilla/Getty Images
4 de 4
Presidentes Donald Trump (EUA) e Volodymyr Zelensky (Ucrânia)
Andrew Harnik/Getty Images
Posição de Zelensky e Putin
Zelensky afirmou que a Ucrânia analisará o documento, mas só aceitará uma proposta que garanta uma “paz verdadeira, digna e duradoura”. “Prometi defender a soberania e a independência da Ucrânia. Jamais trairei esse juramento.”
O ucraniano disse manter diálogo com o republicano e aliados europeus e reiterou que não dará argumentos para que a Rússia o acuse de rejeitar a diplomacia. Contudo, reconheceu que o país vive “um dos momentos mais difíceis” de sua história.
Vladimir Putin afirmou estar “pronto para negociações” e que o plano pode “servir de base para um acordo definitivo”, embora Moscou não tenha discutido os detalhes com Washington. O Kremlin pressiona Kiev, alegando que rejeitar o plano resultará na repetição de avanços militares.
Putin também confirmou que o texto atualizado retoma propostas discutidas em suas conversas com Trump no Alasca — rejeitadas pela Ucrânia à época.
Pressão dos EUA
O governo Trump deu prazo até 27 de novembro para a Ucrânia responder ao plano. Washington sinalizou que pode suspender o compartilhamento de inteligência e a ajuda militar caso Kiev rejeite a proposta.
A porta-voz da Casa Branca confirmou que Marco Rubio e Steve Witkoff conduzem negociações discretas há um mês com emissários russos e ucranianos.
