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    Ex-sócio de Lulinha fez lobby com Alckmin em viagem à China, diz PF

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    O lobista e empresário Kalil Bittar teria usado uma viagem do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) à China para promover a sua influência no Governo Federal. A viagem é mencionada pela Polícia Federal (PF) na representação da operação Coffee Break, que investiga um suposto esquema de desvio de verbas da educação.

    Até julho de 2023, Bittar  foi sócio do filho do presidente Lula (PT), Luís Cláudio Lula da Silva, o “Lulinha”. Nesta quarta (12/11), ele foi alvo da PF por supostamente praticar tráfico de influência em favor do empresário André Gonçalves Mariano, que está no centro das investigações da Coffee Break.

    No relatório, a PF diz que Bittar recebeu R$ 210 mil em “mesadas” de André Mariano para defender interesses privados em órgãos públicos.

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    Segundo a PF, Mariano coordenava um esquema de pagamento de propina a servidores públicos e lobistas que o ajudavam a vencer licitações em quatro municípios paulistas. Esse esquema contava com um núcleo de influência do qual Kalil Bittar participava, e cuja função era captar verbas com o governo federal para viabilizar a abertura de editais e pregões.

    Na decisão judicial que autorizou a operação da PF, a juíza Raquel Coelho Dal Rio Silveira aponta que Bittar aparece em fotos da comitiva brasileira durante uma viagem do vice-Presidente da República, Geraldo Alckmin, à China. As imagens teriam sido enviadas pelo empresário para sustentar o seu acesso às autoridades.

    Kalil “teria enviado fotos da China, em 08/06/2024, tendo sido verificado que, no mesmo período, o Vice-Presidente da República, Geraldo Alckmin, acompanhado de comitiva brasileira, esteve em Pequim, retornando ao Brasil justamente no dia 08/06/2024. Que através de pesquisas em redes sociais abertas, no perfil “apexbrasil”, foi possível visualizar a figura de KALIL BITTAR integrando a comitiva brasileira na China”, diz um trecho da decisão judicial que autorizou a Coffee Break.

    Alckmin: comitiva oficial não incluiu empresários

    Ao Metrópoles, a assessoria do vice-presidente disse que a viagem foi realizada sem nenhum empresário na sua comitiva, e que “empresários brasileiros que estiveram na visita não foram convidados pessoalmente” (ver nota completa abaixo).

    Kalil começou a trabalhar com Mariano em 2021, e foi peça chave para a ampliação do esquema após o segundo turno das eleições presidenciais de 2022. A partir disso, segundo o documento da Justiça, o empresário “passa a apostar abertamente na maior influência de Kalil em ‘novos ministérios’, ‘MEC’, ‘estados do PT’, dentre outros”.

    Núcleo de influência

    3 imagensCarla Ariane Trindade, ex-nora de Lula, foi alvo de busca e apreensão Dinheiro apreendido durante operação da PF contra fraude em licitaçõesFechar modal.1 de 3

    Fluxograma do esquema de tráfico de influência investigado pela PF

    Otávio Augusto/ Metrópoles2 de 3

    Carla Ariane Trindade, ex-nora de Lula, foi alvo de busca e apreensão

    Reprodução3 de 3

    Dinheiro apreendido durante operação da PF contra fraude em licitações

    Polícia Federal

    Foi a partir das eleições de 2022, que Mariano monta uma espécie de núcleo de influência com a participação da ex-nora do presidente Lula (PT), Carla Ariane Trindade, Magno Romero Rabelo, e dos secretários de Hortolândia, Fernando Gomes e Carlos Augusto César – conhecido como Cafú.

    Cafú trabalhou para o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu em 2005, no auge do escândalo do Mensalão, e é próximo ao chefe de gabinete de Lula, Marco Aurélio Ribeiro, o Marcola.

    Durante a gestão Lula, ele esteve pelo menos quatro vezes no gabinete de Marcola, e em três agendas do Ministério da Educação com a presença do Secretário Executivo do MEC, Leonardo Barchini. Segundo a PF, Cafú teria recebido, por meio de contas bancárias de terceiros, R$ 1,3 milhões de André Mariano em propina.

    Além dele, Magno Romero Rabelo Mota também tinha trânsito no governo federal, e chegou a ir em doze reuniões no Ministério da Educação nos últimos três anos. Parte desses encontros contou com a presença de Barchini, assim como de Jussara Cardoso, Subsecretaria de Gestão Administrativa da pasta.

    Já Fernando Gomes exercia o papel de influência na liberação de pagamentos da empresa e nas articulações com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ele chegou a ter viagens pagas pelo empresário André Mariano para participar de reuniões em Brasília.

    Fernando foi o responsável por apresentar Mariano à Carla Ariane Trindade, ex -mulher de Marcos Cláudio Lula da Silva, filho mais velho do presidente. Ela e Bittar são descritos como pessoas “com alegada influência no governo federal”.

    Como funcionava o esquema

    • A investigação aponta que o esquema funcionava pelo menos desde 2021. O ciclo criminoso envolvia três núcleos principais: a Life Tecnologia, na figura de André Mariano, agentes públicos e doleiros.
    • Segundo os autos, Mariano obtinha acesso privilegiado a secretários de Educação dos municípios e “criava a demanda” pelos seus produtos. Com isso, o processo licitatório era fraudado para que a Life vencesse os certames, em troca do pagamento de propina aos agentes públicos responsáveis.
    • Segundo a PF, os valores comercializados pela Life chegava a ser 35 vezes maior que o valor de mercado. Um livro comprado por R$ 5 reais era vendido por R$ 80.
    • Agentes públicos como os secretários de Hortolândia, Cafu César e Fernando Gomes de Moraes, atuavam para direcionar a vitória da Life, assinar atas de registro de preços e agilizar a liberação e o empenho dos pagamentos dos contratos superfaturados.
    • As investigações mostram que o esquema se intensificou depois das eleições de 2022. Mariano passou a apostar na influência de Kalil Bittar no governo federal, e a buscar meios de aumentar sua participação em cidades governadas pelo PT.
    • A operação da PF, deflagrada nesta quarta-feira (12/11), resultou no cumprimento de 50 mandados de busca e apreensão e seis mandados de prisão preventiva.

    Outro lado

    Ao Metrópoles, a assessoria do vice-presidente escreveu que:

    “O vice-presidente Geraldo Alckmin viajou à China em voo comercial, em classe econômica, em junho de 2024 – portanto, não levou nenhum empresário nem comitiva consigo. Na China, o vice-presidente manteve extensa agenda pública com autoridades e empresários daquele país. Empresários brasileiros que estiveram na visita não foram convidados pessoalmente pelo vice-presidente, a quem não compete escolher quem deve manter relações comerciais com o país asiático e muito menos quem deve ou não viajar para a China. A respeito de eventuais fotografias em que o vice-presidente aparece ao lado do senhor Kalil Bittar, destaque-se que Geraldo Alckmin permite-se fotografar com quem lhe pede, independentemente de conhecer a pessoa ou não”.

    A coluna também procurou a defesa de Kalil Bittar e aguarda o retorno. O Ministério da Educação não respondeu a respeito das visitas mencionadas até a publicação desta reportagem. O espaço para manifestações permanece aberto.