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Exclusivo: consignados dobram no INSS e somam R$ 466 bilhões em meio a fraudes

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Exclusivo: consignados dobram no INSS e somam R$ 466 bilhões em meio a fraudes

Em meio a denúncias e condenações judiciais por fraudes e abordagens abusivas, bancos brasileiros dobraram seus ganhos com empréstimos consignados para aposentados em todo o país e faturaram R$ 466 bilhões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos últimos cinco anos.

Dados obtidos com exclusividade pelo Metrópoles, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), abrangem 87 bancos que mantêm ou mantiveram Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS até este ano para explorarem essa modalidade de crédito. Os números revelam ascensões meteóricas de instituições que superaram 100 mil consignados por mês pouco tempo após entrarem neste mercado.

As informações sobre o faturamento de cada banco com crédito consignado no INSS ainda eram sigilosas e passaram a ser alvo de questionamentos no Congresso Nacional após a Operação Sem Desconto, deflagrada em abril deste ano pela Polícia Federal (PF) contra o esquema bilionário de descontos indevidos de mensalidade associativa sobre aposentadorias, revelado pelo Metrópoles.

Assim como ocorria nos descontos feitos pelas associações investigadas — todos suspensos pelo INSS após a operação —, os empréstimos consignados realizados pelos bancos, por meio de acordos semelhantes com o instituto de previdência, acumulam reclamações em órgãos de defesa do consumidor e condenações na Justiça por fraudes — descontos de consignados feitos sem autorização do aposentado.

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Os números fornecidos pelo INSS contemplam dados de faturamento e de novos empréstimos mensais, de janeiro de 2020 até outubro deste ano. No início do período, os bancos faturavam R$ 4 bilhões mensais com consignados, acumulando R$ 50,6 bilhões naquele ano. Com um pico de crescimento durante a pandemia, saltou para até R$ 9 bilhões no mês, fechando 2024 com R$ 100,8 bilhões.

No mesmo período, a carteira de empréstimos ativos saltou 52%, passando de 23 milhões para 35 milhões de contratos. A partir de 2020, houve uma explosão de bancos credenciados pelo INSS para operar consignados — de 52 instituições para 87. Entre eles, destacam-se o C6 e o Agibank, que cresceram meteoricamente, chegando a 3,36 milhões e 1,57 milhão de consignados neste ano, respectivamente.

Elos com a Farra do INSS

As irregularidades mais comuns

C6: do zero ao milhão

Um exemplo de ascensão meteórica é o banco C6 Consignado, que entrou nesse mercado em 2020, com apenas 514 clientes e, um ano depois, chegou a 1 milhão. Em abril deste ano, tinha uma carteira de mais de 3,3 milhões de empréstimos, atrás apenas dos bancos Bradesco, BMG e Pan, que estão há mais tempo no segmento e apresentam menor crescimento. Desde então, já faturou R$ 20 bilhões.

O C6 foi fundado por ex-executivos do BTG, que adquiriram o antigo Banco Ficsa para obter uma licença para operar no mercado. Começou em 2019 e firmou seu acordo de cooperação técnica com o INSS em março de 2021. Foi neste período que o C6 enfrentou a grande enxurrada de queixas de aposentados.

O banco chegou a firmar acordos com o Ministério Público Federal (MPF) para cessar fraudes em empréstimos consignados em meio a ondas de reclamações sobre sua atuação. Também já foi multado em mais de R$ 7 milhões pelo Procon e chegou a ter sua operação de crédito consignado suspensa pela Senacon.

Há casos em que um mesmo aposentado foi vítima de fraudes em vários bancos ao mesmo tempo. Em um deles, uma mulher de 71 anos da cidade de Mendonça, no interior paulista, que ganhava R$ 1,1 mil de aposentadoria pelo INSS, afirmou ter contraído um empréstimo consignado em um banco e, poucos anos depois, notou que outros três estavam lhe descontando parcelas de empréstimos que ela não fez.

Ela processou o C6, o BMG e o Itaú. Na Justiça, todos os bancos se defenderam e afirmaram que os empréstimos eram legítimos. Uma perícia judicial, porém, constatou que as assinaturas apresentadas pelas instituições eram falsas. Os bancos foram condenados a indenizar a aposentada em R$ 15 mil. O C6 afirma que “fez uma série de ajustes e adotou medidas firmes para aperfeiçoar o atendimento ao cliente e tornar o sistema de contratação mais seguro” (leia mais abaixo).

Agibank: de banquinho a bancão

Outro banco que cresceu rapidamente no setor de consignados é o Agibank, chegando a 1,57 milhão de empréstimos na carteira hoje e R$ 14,8 bilhões repassados pelo INSS desde 2020. Em alguns momentos, a velocidade de crescimento foi impressionante. No segundo semestre de 2021, a instituição saiu de 20 mil empréstimos para 461 mil, ou seja, multiplicou sua carteira 23 vezes.

O Agibank acumula reclamações no Judiciário sobre portabilidade indevida de suas contas de aposentadoria para o banco. Nos últimos meses, o INSS chegou a suspender o ACT com dele em razão dessas queixas. O banco acabou assinando um termo de ajustamento de conduta no qual se comprometeu a não dificultar mais a portabilidade para outras instituições e a ser mais transparente com os segurados.

Na área de consignados, o Agibank tem recebido condenações para indenizar aposentados por descontos indevidos de empréstimos. Sentenças levantadas pela reportagem mostram casos em que o banco não apresenta à Justiça prova mínima de que um aposentado contratou seus serviços.

Antes de ser um banco, o Agibank chamava-se Agiplan e era um correspondente bancário do empresário gaúcho Marciano Testa. Em 2016, ele adquiriu o falido Banco Gerador, de Recife, e mudou seu nome dois anos depois. Em 2019, passou a oferecer crédito consignado e, em 2020, assinou seu termo de cooperação com o INSS para poder oferecer o produto a aposentados.

BMG: áudios fraudulentos

Um dos líderes do mercado de consignados, o BMG cresceu 20% no período de cinco anos. Foram 3,7 milhões de consignados e R$ 20,1 bilhões arrecadados. Foi com correspondentes do BMG que entidades envolvidas com a farra dos descontos indevidos firmaram contrato para filiar aposentados aos seus quadros.

Como mostrou o Metrópoles, todos os contratos entre a Ambec, Cebap e Unsbras, um conjunto de entidades ligadas ao empresário Maurício Camisotti, com correspondentes bancários foram intermediados por Hebert Kirstersson Menocchi, um ex-gerente do BMG. Ele é sócio de Marcio Alaor, ex-vice-presidente do banco.

Esses correspondentes bancários têm ligado para a casa de aposentados para oferecer devoluções de dinheiro. Assim que obtém o “sim” e a confirmação de dados da vítima, gravações têm sido editadas para fazer parecer que eles também aceitaram consignados ou descontos associativos.

Após a revelação do caso pelo Metrópoles, o BMG rescindiu o contrato com o Balcão das Oportunidades, um correspondente que atuava tanto para o banco quanto para essas entidades, que chegaram a faturar R$ 54 milhões mensais com descontos.

O que diz o INSS

Por meio de nota, o INSS afirmou já ter rescindido 19 acordos com bancos “devido a descumprimento de normas por parte das instituições financeiras”, que outros quatro ACTs estão suspensos, três expiraram e não foram renovados, e que quatro instituições solicitaram a rescisão dos acordos de maneira voluntária.

O órgão informou que a atual gestão, comandada pelo procurador federal Gilberto Waller Júnior, “implementou uma série de medidas de controle para a concessão do crédito consignado, priorizando a proteção dos segurados e a transparência nas parcerias com instituições financeiras”.

Ainda segundo o INSS, também “foram firmados diversos termos de compromisso com instituições financeiras, entre eles um acordo que estabeleceu a restituição de mais de R$ 7 milhões cobrados indevidamente de cerca de 100 mil beneficiários”.

“A formalização ou manutenção de convênios passou a ser rigorosamente condicionada ao fiel cumprimento das regras, especialmente quanto à transparência e proteção dos usuários da Previdência Social. Não há tolerância para omissões ou manutenção de acordos diante de suspeitas de irregularidade, refletindo o empenho da atual gestão em reverter práticas inadequadas e assegurar um ambiente de respeito aos direitos do segurado”, afirmou o INSS.

O que diz o C6

O C6 Bank afirmou que “fez uma série de ajustes e adotou medidas firmes para aperfeiçoar o atendimento ao cliente e tornar o sistema de contratação mais seguro”. “O banco ampliou a rede de atendimento, digitalizou o processo de contratação e, em abril de 2021, passou a adotar a biometria facial com prova de vida para todos os contratos. Desde essa época, para contratar o consignado, o cliente, além de fornecer sua biometria facial e geolocalização, deve confirmar o seu consentimento em diversas etapas da operação”.

“O banco também impõe um rígido e contínuo controle de qualidade aos seus parceiros comerciais e cumpre todas as diretrizes da Autorregulação do Consignado – iniciativa da Febraban e da ABBC para coibir o assédio comercial e as fraudes praticadas na oferta de crédito consignado público e privado no país –, da qual o C6 Consig é signatário”, afirmou.

Segundo o C6, “todas essas medidas fizeram o número de reclamações relacionadas ao C6 Consig cair drasticamente a partir de 2021”. “De acordo com o consumidor.gov, plataforma gerida pela Senacon, o número de queixas ao C6 Consig caiu 80% entre 2021 e o segundo trimestre de 2025, período em que a carteira de crédito consignado do banco cresceu cerca de 290%. Desde o primeiro trimestre de 2023, o banco não aparece entre as dez instituições mais reclamadas”.

“Sobre os processos judiciais em curso, vale destacar que uma parcela significativa do nosso estoque de ações refere-se ao primeiro ano de operação, até a adoção da biometria facial como etapa obrigatória para formalização do contrato”, diz.

O que diz o Agibank

O Agibank afirma que, em 2021, “lançou a funcionalidade de portabilidade em seu portfólio, o que explica o amplo crescimento nacional da sua base de clientes”. “O banco esclarece, ainda, que possui rígidos controles de seus processos e todas as operações realizadas junto à instituição passam por protocolos rigorosos de segurança, os quais seguem em constante evolução, em conformidade com as normas do Banco Central e do INSS, como a análise documental, biometria facial e cruzamento de dados com bases oficiais”.

“Em situações em que há suspeita de fraude, o Agibank atua de forma colaborativa com autoridades competentes e aciona imediatamente mecanismos de recuperação de valores, sempre que possível, atuando de forma proativa para mitigar riscos. Em casos de portabilidade de contas, o Agibank afirma que qualquer alteração no banco recebedor do benefício depende de solicitação expressa do titular, devidamente validada pelo INSS, e que não realiza qualquer alteração sem manifestação ativa do cliente”, afirma.

O banco ainda reforçou “que está em constante aprimoramento dos seus processos e que, proporcionalmente, possui índices baixos de reclamação em relação à base de clientes”.

O que diz o BMG

O Banco BMG ressaltou que “suas operações seguem rigorosamente todas as normas legais e regulatórias”. “A instituição mantém robustos mecanismos de controle, com monitoramento contínuo de parceiros e cruzamento sistemático de dados para identificar previamente qualquer indício de inconsistência. Sempre que detectadas práticas que estejam em desacordo com as diretrizes do banco, são aplicadas medidas imediatas, que envolvem a correção, multa, suspensão temporária ou até o descredenciamento definitivo do parceiro”.

“Além desses controles, o BMG conduz ciclos permanentes de capacitação e reciclagem de seus parceiros, com foco em conformidade e melhoria contínua de processos. Como resultado direto dessas iniciativas, o banco elevou o nível de performance de sua rede para 82% e conquistou, pelo segundo ano consecutivo, índice máximo de conformidade na auditoria externa promovida pela Febraban”, afirma.

O Banco BMG reforça ainda “que é signatário da autorregulação Febraban/ABBC para crédito consignado, submetendo-se, portanto, a um conjunto de regras adicionais às do Banco Central, especialmente no que diz respeito à oferta, formalização, monitoramento, remuneração e gestão de consequências aplicáveis aos correspondentes bancários”.

“Por fim, quanto à expansão do volume de operações de crédito consignado durante o período da pandemia, o BMG esclarece que o crescimento decorre da retomada estruturada da oferta do produto a partir do final do terceiro trimestre de 2019”, conclui.

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