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    Farra do INSS: ONGs investigadas têm sede em mesmo prédio no DF

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    A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer) e a Associação dos Aposentados do Brasil (AAB), duas associações investigadas no caso que ficou conhecido como a farra do INSS, têm como sede o mesmo prédio empresarial localizado no Setor Comercial Sul de Brasília, no Distrito Federal.

    As informações, que divergem apenas no número da sala, constam no Cadastro de Pessoa Jurídica das instituições concedidos à União no momento da criação das empresas. Os CNPJs, inclusive, permanecem ativos, com os mesmos dados, no cadastro nacional da Receita Federal.

    Tanto a Conafer quanto a AAB aparecem na lista de Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) instaurados pela Controladoria-Geral em setembro deste ano. Ambas instituições são suspeitas de aplicar descontos ilegais em aposentadorias e pensões de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

    A Conafer, por exemplo, teria desviado ao menos R$ 640 milhões de aposentadorias associadas à instituição. Nessa segunda-feira (17/11), a Polícia Federal cumpriu mandado de prisão contra dirigentes da associação. O presidente, Carlos Roberto Ferreira Lopes, não foi localizado. Ele é procurado por chefiar o esquema que contava com núcleos político, financeiro e de comando para cometer as fraudes.

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    A Associação dos Aposentados do Brasil também seria responsável por desvios milionários. A AAB, segundo as investigações, teria solicitado descontos em benefícios de pessoas mortas há décadas. Um levantamento feito pela CGU identificou que a instituição solicitou indevidamente, em mais de 27 mil casos, a inclusão de descontos associativos de pessoas já falecidas.

    Devido aos fatos, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS (CPMI), que apura as fraudes, aprovou requerimento para convocar Dogival José dos Santos, presidente da AAB, a prestar depoimento no Senado Federal. Em 6 de novembro, parlamentares pediram quebra de sigilo bancário e fiscal do homem.

    O Metrópoles apurou que antes de comandar a associação, Dogival era motorista. Ele e Lucineide dos Santos Oliveira – outra sócia da AAB, são donos de igrejas evangélicas localizadas na capital da República.

    Uma dessas igrejas, em nome da mulher, fica na região do Recanto das Emas (DF). Estranhamente, no mesmo endereço da instituição religiosa está cadastrada uma empresa pertencente a Samuel Chrisostomo do Bomfim Junior, contador da Conafer.

    Metrópoles esteve no local e encontrou apenas a instituição religiosa, erguida entre um centro catequético e um terreno baldio. Apesar disso, segundo dados da Receita Federal, a loja de Samuel está ativa no espaço, configurando a suspeita de ser uma empresa fantasma.

    Igreja fundada por socia de ONG envolvida em fraude do INSS

    Outros CNPJs distintos em nome de Samuel e de Lucineide operam em um sobrado na mesma região administrativa. Além dos empreendimentos da dupla, também funciona no endereço empresas pertencentes a Cícero Marcelino de Souza Santos – assessor do presidente da Conafer.

    Cícero, que chegou a afirmar durante a CPMI que lucrava “uns trocos” com o dinheiro que deveria ser destinado aos beneficiários do INSS, foi preso na segunda-feira (17/11), durante operação da PF.

    Em 16 de Outubro, durante depoimento, Cícero admitiu que abriu empresas para prestar serviços a pedido de Carlos Lopes. Ele disse que recebia planilhas de pagamentos para as entidades da Conafer e fazia o posterior repasse. Pontuou ainda que não conhece Samuel Chrisostomo, apesar de ter CNPJ no mesmo local de empresas do homem.

    Santos também negou saber de onde vinham os recursos recebidos pela Conafer. Ele e a esposa, no entanto, teriam movimentado R$ 300 milhões da instituição desde 2019.

    Durante a CPMI, as empresas de Cícero foram apontadas como empreendimentos de natureza laranja. “A única coisa que estou vendo aqui nesta CPMI é que as pessoas que os sindicatos ajudam são os próprios dirigentes e seus familiares, as empresas dos dirigentes, dos familiares, ou dos laranjas e familiares dos laranjas. E você é um laranja, suas empresas são empresas laranja”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

    Operação

    A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram, em 13 de novembro, nova fase da Operação Sem Desconto, investigação que mira esquema nacional de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões. A ação mobilizou equipes em 17 estados e no Distrito Federal.

    Ao todo, foram cumpridos 63 mandados de busca e apreensão, 10 mandados de prisão preventiva e diversas medidas cautelares. Entre os presos estão:

    • Alessandro Stefanutto – ex-presidente do INSS;
    • Antônio Carlos Antunes Camilo, conhecido como “Careca do INSS”;
    • Vinícius Ramos da Cruz – presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT);
    • Tiago Abraão Ferreira Lopes – diretor da Conafer e irmão do presidente da entidade, Carlos Lopes;
    • Cícero Marcelino de Souza Santos – empresário ligado à Conafer;
    • Samuel Chrisostomo do Bonfim Júnior – também integrante da Conafer.

    Os alvos estão espalhados por Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.

    Como o esquema funcionava

    Segundo as investigações, os suspeitos atuavam inserindo dados falsos em sistemas oficiais para incluir beneficiários em associações ou entidades fictícias. A partir disso, eram feitos descontos mensais indevidos diretamente nos pagamentos de aposentados e pensionistas, muitos deles sem qualquer conhecimento sobre as cobranças.

    O alvos são investigado por formar organização criminosa voltada à obtenção de vantagens financeiras por meio de estelionato previdenciário, além de corrupção ativa e passiva para facilitar o acesso fraudulento aos sistemas do INSS.

    Também há apurações sobre ocultação de patrimônio, supostamente utilizado para dificultar o rastreamento dos valores desviados.

    O outro lado

    Em nota, a defesa de Cícero Marcelino de Souza Santos declarou “que não tinha acesso ao processo que investiga as empresas no Distrito Federal, tendo tomado conhecimento da existência da apuração somente após a reportagem divulgada pela imprensa”.

    “Após isso, a defesa protocolou pedido de acesso aos autos, medida necessária para compreender integralmente o teor da investigação. Dessa forma, a defesa informa que só poderá se manifestar de maneira mais detalhada depois que tiver acesso completo ao processo. Em relação à prisão, a defesa afirma que já está adotando todas as medidas cabíveis para proteger os direitos do seu representado”, disseram os advogados, por meio de nota.

    Metrópoles tentou contatar as demais pessoas mencionadas no texto por meio de e-mail e por telefone, mas não obteve retorno até a última atualização. O espaço segue aberto para futuras manifestações