A região de Ceilândia (DF) é mais populosa da capital federal com mais de 287 mil moradores, segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios Ampliada (PDAD-A). No coração da cidade, o Centro de Ceilândia é um espaço com intensa movimentação comercial, mas que enfrenta um cenário de ameaças, brigas e insegurança.
No vídeo acima, o Metrópoles reuniu registros de violência no meio da rua, que retratam um cenário de medo. Para alguns, a cidade virou um ringue a céu aberto em plena luz do dia, enquanto moradores e comerciantes andam pelo local. Seja em um estacionamento, em uma rua residencial ou até mesmo em uma farmácia em frente a 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro), os casos de crime contra patrimônio continuam a ser registrados e passam a assustar cada vez mais quem passa e convive por lá.
Em um levantamento feito pela Divisão de Análise Técnica e Estatística (Date) da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), é possível identificar que os crimes classificados como contra o patrimônio, cresceram de forma significativa na região, no comparativo entre janeiro e outubro deste ano e 2024. Os dados revelam altas expressivas em modalidades como furto em comércio, furto em coletivo, receptação, além de diferentes tipos de estelionato.
Em 2025, foram registrados 319 furtos em comércio, o que equivale a um aumento 51,2% dos casos em comparação com os dados da mesma época do ano passado. Enquanto o furto em coletivos, acompanhou também um crescimento de 55% de ocorrências, indo de 129 para 200.
O crime com maior salto proporcional foi o dano a bem público, que passou de 9 para 36 registros, resultando em um crescimento de 300%. Também chama atenção os aumentos de furto em órgão público, que subiu 228,6% (de 7 para 23 ocorrências), e furto em estabelecimento de ensino, que teve alta de 183,3% (de 6 para 17 casos).
Já crimes com grande incidência na região também tiveram crescimento, como o furto de celular, que subiu 9%, chegando a 834 casos, e o roubo a transeunte, que aumentou 9,5%, totalizando 795 ocorrências.
Falta de rigorosidade da Justiça
O delegado-chefe da 15ª DP, Ataliba Neto, explica que o aumento dos casos está “totalmente correlacionado” com a crescente das pessoas em situação de rua vivendo no Centro de Ceilândia. A maioria, segundo Ataliba, dependentes químicos que buscam aproveitar uma “fragilidade legislativa e judicial”.
“A legislação é branda. Nós prendemos um indivíduo que já foi preso diversas vezes, mas ele passa pela audiência de custódia e é colocado na rua de novo. Então ele tem a certeza que não vai ser condenado, que não vai ficar preso muito tempo e arrisca cometer o crime de novo. É a certeza da impunidade”, falou.
Ele ainda reforça que, por conta da região ser grande movimentação, os criminosos acabam por aproveitar a “aglomeração” e “distração” das pessoas que costumam andar por ali. Segundo a Associação Comercial de Ceilância (Acic), 120 mil pessoas, entre motoristas e pedestres, passam pela região todos os dias.
“Existem muitos casos em que eles procuram pessoas que estão subindo no ônibus. Eles esbarram na pessoa, fingem que o ônibus está cheio e acaba pegando o celular do outro. Então são crimes ali de oportunidade, em que, normalmente, eles procuram por idosos e mulheres”, explicou.
Como forma de controlar o número de ocorrências, Ataliba destaca que as equipes tem intensificado as investigações e ações no local, buscando desarticular, inclusive, as quadrilhas de furtos, que possuem “infiltrados” entre os dependentes da região.
“Nós atuamos diuturnamente, são feitos vários flagrantes no local, só que são vários atuando. E normalmente são os pequenos traficantes que acabamos prendendo que estão na ponta. Então nós continuamos trabalhando, com operações tanto com fins patrimoniais e de repressão ao tráfico, porque sabemos que grande parte são alimentados pelo tráfico de drogas”, destacou.
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Vulnerabilidade social
Para o especialista em segurança pública, Renato Araújo, o cenário atual de criminalidade contra o patrimônio na região central de Ceilândia é “um resultado sistêmico e complexo de vulnerabilidades socioeconômicas estruturais e falhas na gestão de segurança pública”.
A causa primária estaria enraizada profundamente em questões sociais, como a vulnerabilidade social e a dependência química, visto que as pessoas vinculadas a essas duas situações, estariam com o “discernimento comprometido pelo vício”. “A fragilidade na prevenção social, acaba criando um ambiente propício para a escalada dos delitos”, explicou.
Nessa segunda-feira (17/11), por exemplo, a Papelaria Issi, localizada em na quadra comercial da CNM 2, não abriu as portas do estabelecimento por conta da presença de moradores de rua dormindo em frente ao estabelecimento, situação que teria provocado confusão e impedido o início do atendimento.
De acordo com o comerciante Walef Issi, 32, filho de Abrão Pereira Issi, dono da papelaria, de 82, o grupo se recusou a deixar a porta da loja, mesmo após pedidos insistentes. “Quando apenas uma pessoa permanece no local, geralmente é possível pedir para que se retire. Mas, quando estão em grupo, dá medo. Eles mesmos brigam entre si com pedra e faca”.
A situação de vulnerabilidade, ainda segundo o especialista, é explicada pela alta densidade populacional e a complexidade logística que facilitam a “ação criminosa”, que reside no “cálculo de risco-benefício do agente criminoso”.
“Frequentemente eles percebem no crime patrimonial de oportunidade, como o furto ou o roubo, o meio mais imediato (embora destrutivo) de sustento ou de acesso a entorpecentes. A elevada liquidez dos bens subtraídos, combinada com a percepção de baixa probabilidade de ser preso e punido de forma exemplar, e a certeza de que a rede de receptação absorverá rapidamente o produto do crime, tornam a atividade criminosa recorrente e lucrativa”, acrescentou.
Dessa forma, a insegurança do local acaba por ser alimentada pelo comércio informal, em que até mesmo os objetos roubados na região, passem a ser vendidos, convertendo, assim, o furto em atividade lucrativa.
Em nota, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) afirma que a identificação aos crimes contra o patrimônio na região, são motivados justamente pela “obtenção de objetos ou valores para compra de drogas”.
Além da raiz social
O especialista destaca que, apesar da situação de vulnerabilidade na região, há ainda falhas na atuação policial que acabam por refletir no cenário atual, sobretudo na prevenção. Para ele o policiamento ostensivo, por exemplo, apresenta uma certa ineficácia no quesito estratégico.
“Por si só, [o policiamento ostensivo] não é suficiente para inibir integralmente esses tipos de crimes, embora seja um componente essencial. É crucial destacar que a falha na prevenção policial não se resume à mera ausência de presença física, mas a falhas na inteligência de segurança pública. Isso inclui a falta de mapeamento e análise prévia do modus operandi dos grupos criminosos e de seus alvos preferenciais”, ressaltou.
Dessa forma, segundo Araújo, a previsibilidade das ações acabam por permitir que uma reincidência se estabeleça como um ciclo vicioso. Para ele, uma forma de combater isso seria através uma implementação de policiamento mais “intensivo” e “georreferenciado”, com medidas como:
- Patrulhamento intensificado;
- Alteração de rotas em horários e locais de pico de incidência, baseados em análise criminal;
- Repressão qualificada;
- Mapeamento e a prevenção do deslocamento dos grupos criminosos;
- Alocação dos recursos policiais de forma mais eficiente.
Ações integradas
O policiamento ostensivo atual tem sido realizado em conjunto pelos 8° e 10° Batalhão da Polícia Militar (BPM), que afirmam terem intensificado as atuações nas área da maior circulação dos moradores e do comércio. Além disso, a corporação ainda destaca que:
“O policiamento preventivo está estruturado com equipes de radiopatrulhamento e patrulhamento tático, tanto motorizados como a pé, diuturnamente e aplicado reforço em dias e horários de maior circulação comercial.”
Outro ponto ressaltado pela corporação em relação a ações de segurança feitas no local, são as operações integradas. Dentre a mais recente, destaca-se o Policiamento de Intensificação Natalina (PIN 2025), garantindo o reforço da prevenção dos crime contra o patrimônio no fim de ano.
Entretanto, há também o trabalho em conjunto com outros órgãos fiscalizadores da região.
Segundo a Administração Regional de Ceilândia, em conjunto com a PMDF e a Sedes-DF , vem sendo realizada operações constantes de reordenamento urbano na região central da cidade.
Desde o início de novembro, cinco operações já foram executadas nas proximidades da Feira do Rolo e também no Restaurante Comunitário, resultando na apreensão de armas brancas, além mercadorias de procedência duvidosa e sem nota fiscal, com o objetivo de coibir o comércio irregular.
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A ação mais recente foi realizada no dia 4 de novembro
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Durante a operação, equipes apreenderam mercadorias sem nota fiscal e de procedência duvidosa, possivelmente ligadas a crimes de furto
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Essa é uma das medidas realizadas em conjunto entre órgãos de segurança e fiscalização
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A iniciativa busca não apenas combater práticas ilegais, mas também reforçar a sensação de segurança
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Visando também a prevenção social no local, a Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF Legal) afirma ter intensificado as operações no local, juntamente a Administração Regional de Ceilândia.
“Desde 2024 há o registro de pelo menos 30 ações na área. Essas ações são realizadas de forma rotineira e planejada, conforme o cronograma interno de operações da DF Legal. O objetivo é restabelecer a ordem pública, devolver o uso regular das praças e vias à sociedade e, em conjunto com os demais órgãos de segurança, contribuir para a redução dos índices de violência e sensação de insegurança”, completou em nota.
Assim sendo, a prevenção social consegue de certa forma ser efetivada através dessas ações de integração, além de auxiliar na redução da motivação do roubo na região, reprimindo o mercado de receptação do local.
“Com as ações realizadas pelas equipes multidisciplinares de assistência social e saúde, é possível retirar os indivíduos em situação de rua e da dependência do ciclo vício-crime. Desde que ainda haja uma reinserção adequada”, completou.
