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    INSS: advogado fora do radar da PF recebeu R$ 4 milhões de entidades

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    Um advogado que não foi alvo de nenhuma das fases da Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal (PF) contra o esquema bilionário de descontos indevidos sobre aposentadorias, recebeu R$ 4 milhões de associações suspeitas de envolvimento na Farra do INSS, revelada pelo Metrópoles, para firmar seus acordos com o Instituto Nacional do Seguro Social.

    Com bom trânsito em Brasília, Cecílio Galvão (foto em destaque) caiu na “malha fina” do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) por movimentações suspeitas, é dono de uma consultoria que presta serviços a institutos de previdência pelo país e já contratou até uma palestra do filho do ex-diretor de Benefícios do INSS acusado de operar propinas para o pai.

    3 imagensCecílio Galvão, lobista de entidades da farra do INSS, em evento sobre fundos de previdênciaAndre Fidelis, ex-diretor de Benefícios do INSS, recebeu pagamentos de Antunes e também estava na reuniãoFechar modal.1 de 3

    Filho de ex-diretor do INSS deu palestra em empresa de lobista de entidades

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    Cecílio Galvão, lobista de entidades da farra do INSS, em evento sobre fundos de previdência

    Reprodução/Redes Sociais3 de 3

    Andre Fidelis, ex-diretor de Benefícios do INSS, recebeu pagamentos de Antunes e também estava na reunião

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    Cecílio Galvão é de uma família tradicional da política de Pernambuco. Seu falecido pai foi deputado estadual e prefeito. Ele também comandou a cidade de Belo Jardim, que fica no agreste pernambucano, nos anos 1990. Foi filiado ao PTB, fez campanha para a Assembleia Legislativa e ficou como suplente, em 2014. Hoje, está no Solidariedade.

    Atuante na área de direito previdenciário, Galvão fechou contratos com dezenas de institutos de previdência de servidores públicos estaduais e municipais. Presente em Brasília, o advogado já esteve até com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) em uma agenda para discutir Petróleo Verde, em 2023.

    Contratos com prefeituras e filho de ex-diretor do INSS

    A empresa Crédito & Mercado, da qual Galvão é sócio, foi contratada por municípios que aportaram dinheiro de fundos de previdência no Banco Master, alvo de operação da PF por suspeita de fraude bilionária e de liquidação extrajudicial pelo Banco Central (BC). Foi essa empresa que promoveu uma palestra de Eric Fidelis, filho do ex-diretor de Benefícios do INSS André Fidelis. A dupla, que também é de Pernambuco, recebeu pagamentos milionários de lobistas e associações da farra dos descontos indevidos, segundo a PF.

    Galvão foi representante da União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap) e da Associação de Amparo aos Aposentados e Pensionistas do Brasil, que atualmente é chamada de Ampaben, mas, no auge da Farra do INSS, tinha o nome de Abenprev. A primeira associação faturou R$ 183 milhões com descontos sobre aposentados. A segunda, R$ 80 milhões.

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    Um relatório do Coaf enviado à CPMI do INSS no Congresso mostrou que a Abenprev pagou R$ 3,1 milhões a Cecílio Galvão, enquanto que a Unibap repassou R$ 888 mil. O Metrópoles já havia mostrado que o advogado recebeu procuração das entidades para costurar seus acordos com o INSS, que permitiram a elas que pudessem descontar mensalidaddes diretamente dos contracheques de filiados.

    Como mostrou o Metrópoles, as associações são presididas por aposentadas, mas quem controla e fatura com elas é uma dupla de empresários ligada a créditos consignados e corretoras de seguros. Juntos, Zacarias Canuto e Gutemberg Tito faturaram mais de R$ 11 milhões com as associações, mostraram relatórios do Coaf. Somente Tito fez saques em série de R$ 50 mil na boca do caixa, mesmo após a Operação Sem Desconto.

    O próprio advogado também é dono de uma empresa que vende empréstimos consignados em nome de grandes bancos.

    Além de enfrentarem condenações judiciais, as associações estão na mira da Controladoria-Geral da União (CGU). Nas investigações, auditores encontraram filiações de aposentados às entidades com documentos expirados, como CNHs antigas. Submeteram ainda ao INSS relações de milhares de mortos entre seus associados.

    O que diz Cecílio Galvão

    Cecílio Galvão afirmou ao Metrópoles que foi “contratado para prestar assessoria jurídica para as associações mencionadas”. “A celebração do ACT (Acordo de Cooperação Técnica) foi o objeto principal do escopo do serviço lá contratado.”

    “O contrato para prestação desses serviços foi formalizado diretamente com as entidades Unibap e Abenprev, tendo os contratos sido assinados pelos seus representantes legais e estatutários à época”, afirmou.

    Galvão ainda afirmou que Eric Fidelis “foi palestrante num evento promovido pela Crédito e Mercado para falar do tema Compensação Previdenciária”. “Quanto à minha relação com a Diretoria de Benefícios, deu-se sempre pelos canais institucionais, no intuito de cumprir aquilo que meu mandato com as contratantes previa, independentemente de quem estivesse à sua frente, com intensidade quase que total até a publicação dos referidos ACTs.”

    Sobre a Crédito e Mercado, ele disse que a empresa “não recomenda investimentos a seus clientes”. “Seu papel, por questões regulatórias obrigatórias, limita-se ao parecer técnico sobre a aderência de um produto ou instituição financeira à legislação e à política de investimentos de seus clientes. A decisão sobre tais investimentos cabe única e exclusivamente aos órgãos deliberativos de cada RPPS [Regime Próprio de PrevidênciaSocial].”

    “Quanto à reunião com dr Geraldo Alckmin, na qualidade de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, não estive lá representando interesses de qualquer empresa. A reunião, em companhia de outros profissionais especializados em economia verde, apenas buscou contribuir com o enriquecimento do debate sobre o assunto junto ao ministério, mais especificamente sobre estoque e crédito de carbono, que chamou-se à época de petróleo verde”, afirmou.

    O que diz a Crédito e Mercado

    A Crédito & Mercado Gestão de Valores Mobiliários Ltda. esclarece que não mantém qualquer vínculo societário, contratual ou operacional com o Banco Master S.A., tampouco possui poder de decisão ou qualquer influência sobre as aplicações financeiras realizadas pelos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) ou por quaisquer de seus clientes.

    A empresa ressalta que sua atuação se limita à análise técnica de instrumentos, apenas quando demandada pelos RPPS, sem participação em processos de escolha, intermediação, oferta, distribuição ou recomendação de quaisquer produtos financeiros.

    A decisão sobre as aplicações financeiras compete exclusivamente à gestão dos RPPS, responsáveis por definir a alocação dos recursos dos segurados, dentro dos parâmetros de risco e retorno estabelecidos.

    A escolha de investimentos feita pelas RPPS, se dá através da lista exaustiva de instituições habilitadas a receber recursos publicada pela Secretaria de Previdência (SPREV). Na época das aplicações escolhidas e feitas pelas IPREVs, o Banco Master encontrava-se devidamente autorizado a operar pelo Banco Central do Brasil e detinha rating de crédito BBB, atribuído por agências especializadas, em conformidade com os critérios regulatórios de avaliação de risco.

    Procurados pelo Metrópoles, Eric Fidelis, Zacarias Canuto e Gutemberg Tito não se manifestaram.