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    Leia a íntegra do discurso de Lula na abertura da COP30, em Belém

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    Na abertura da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA), nesta segunda-feira (10/11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) salientou a importância de levar o evento para o coração da Amazônia, “uma foi uma tarefa árdua, mas necessária”.

    O petista também chamou a atenção para as tragédias climáticas no mundo. “A mudança do clima é uma tragédia do presente”, afirmou, citando a passagem recenete de tufões e furacões no Paraná, Caribe e Filipinas.

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    E, em determinado ponto, atacou “os obscurantistas” do clima, que, segundo ele rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo. “Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo. Atacam as instituições, a ciência e as universidades. É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas”, disse o presidente.

    Leia o dicurso na íntegra:

    Há mais de 30 anos, na Cúpula da Terra, os líderes do mundo se reuniram no Rio de Janeiro para debater o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente.

    Naquele momento, o multilateralismo vivia seu ápice.

    O mundo adentrava a chamada década das conferências, da qual emergiram as grandes bússolas que guiaram a humanidade ao longo dessas três décadas.

    Entre elas estão o conceito de desenvolvimento sustentável e o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, legados vivos da Rio 92.

    Hoje, a Convenção do Clima retorna à sua terra natal.

    Ela faz o caminho de volta para recuperar o entusiasmo e o engajamento que embalaram seu nascimento.

    Pelas próximas duas semanas, Belém será a capital do mundo.

    Negociadores, governadores, prefeitos, parlamentares, cientistas e organizações da sociedade civil farão parte desse grande esforço coletivo em prol do planeta.

    Trazer a COP para o coração da Amazônia foi uma tarefa árdua, mas necessária.

    A Amazônia não é uma entidade abstrata.

    Quem só vê a floresta de cima desconhece o que se passa à sua sombra.

    O bioma mais diverso da Terra é a casa de quase cinquenta milhões de pessoas, incluindo quatrocentos povos indígenas, dispersa por nove países em desenvolvimento que ainda enfrentam imensos desafios sociais e econômicos.

    Desafios que o Brasil luta para superar com a mesma determinação com que contornou as adversidades logísticas inerentes à organização de uma conferência deste porte.

    Quando vocês deixarem Belém, o povo da cidade permanecerá com os investimentos em infraestrutura que foram feitos para recebê-los.

    E o mundo poderá, enfim, dizer que conhece a realidade da Amazônia.

    Nos dias que antecederam esta Conferência, chefes de Estado e de Governo, ministros de Estado, representantes de organizações internacionais e da sociedade civil se reuniram na Cúpula de Belém pelo Clima.

    Lançamos o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre, um mecanismo inovador que angariou, num só dia, 5,5 bilhões de dólares em anúncios de investimento.

    Adotamos compromissos coletivos sobre:

    » O manejo integrado do fogo

    » O direito à posse da terra por povos indígenas e tradicionais

    » A quadruplicação da produção de combustíveis sustentáveis

    » A criação de uma coalizão sobre mercados de carbono

    » O alinhamento da ação climática ao combate à fome e à pobreza

    » E a luta contra o racismo ambiental.

    A Cúpula de Belém foi o ponto de chegada de um caminho que o Brasil convidou a comunidade internacional a percorrer ao longo de suas presidências do G20 e do BRICS.

    A síntese dos elementos que recolhemos nessa trajetória está contida no Chamado à Ação que lançamos após a Cúpula a título de contribuição aos debates na COP e além dela.

    A mudança do clima já não é uma ameaça do futuro.

    É uma tragédia do presente.

    O furacão Melissa que fustigou o Caribe e o tornado que atingiu o Estado do Paraná, no Sul do Brasil, deixaram vítimas fatais e um rastro de destruição.

    Das secas e incêndios na África e na Europa às enchentes na América do Sul e no Sudeste Asiático, o aumento da temperatura global espalha dor e sofrimento, especialmente entre as populações mais vulneráveis.

    A COP30 será a COP da verdade.

    Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo.

    Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo.

    Atacam as instituições, a ciência e as universidades.

    É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas.

    Sem o Acordo de Paris, o mundo estaria fadado a um aquecimento catastrófico de quase cinco graus até o fim do século.

    Estamos andando na direção certa, mas na velocidade errada.

    No ritmo atual, ainda avançamos rumo a um aumento superior a um grau e meio na temperatura global.

    Romper essa barreira é um risco que não podemos correr.

    Queridos amigos e queridas amigas,

    Nosso Chamado à Ação está dividido em três partes.

    Na primeira parte, faço um apelo para que os países cumpram seus compromissos.

    Isso significa:

    » Formular e implementar as Contribuições Nacionalmente Determinadas ambiciosas

    » Assegurar financiamento, transferência de tecnologia e capacitação aos países em desenvolvimento

    » E dar a devida atenção à adaptação aos efeitos da mudança do clima

    Na segunda parte, conclamo os líderes mundiais a acelerar a ação climática.

    Precisamos de mapas do caminho para que a humanidade, de forma justa e planejada, supere a dependência dos combustíveis fósseis, pare e reverta o desmatamento e mobilize recursos para esses fins.

    Avançar requer uma governança global mais robusta, capaz de assegurar que palavras se traduzam em ações.

    A proposta de criação de um Conselho do Clima, vinculado à Assembleia Geral da ONU, é uma forma de dar a esse desafio a estatura política que ele merece.

    Na terceira parte, convoco a comunidade internacional a colocar as pessoas no centro da agenda climática.

    O aquecimento global pode empurrar milhões de pessoas para a fome e a pobreza, fazendo retroceder décadas de avanços.

    O impacto desproporcional da mudança do clima sobre mulheres, afrodescendentes, migrantes e grupos vulneráveis deve ser levado em conta nas políticas de adaptação.

    É fundamental reconhecer o papel dos territórios indígenas e de comunidades tradicionais nos esforços de mitigação.

    No Brasil, mais de 13% do território são áreas demarcadas para os povos indígenas. Talvez ainda seja pouco.

    Uma transição justa precisa contribuir para reduzir as assimetrias entre o Norte e o Sul Global, forjadas sobre séculos de emissões.

    A emergência climática é uma crise de desigualdade.

    Ela expõe e exacerba o que já é inaceitável.

    Ela aprofunda a lógica perversa que define quem é digno de viver e quem deve morrer.

    Mudar pela escolha nos dá a chance de um futuro que não é ditado pela tragédia.

    O desalento não pode extinguir as esperanças da juventude.

    Devemos a nossos filhos e netos a oportunidade de viver em uma Terra onde seja possível sonhar.

    O xamã ianomâmi Davi Kopenawa diz que o pensamento na cidade é obscuro e esfumaçado, obstruído pelo ronco dos carros e pelo ruído das máquinas.

    Espero que a serenidade da floresta inspire em todos nós a clareza de pensamento necessária para ver o que precisa ser feito.

    Uma boa COP30.

    Muito obrigado“.