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    Literatura, vocação (por José Sarney)

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    Ontem, na Academia Brasileira de Letras, a editora Ciranda Cultural lançou, sob um novo selo, Principis, meus três romances: O Dono do Mar, Saraminda e A Duquesa vale uma Missa. Ao mesmo tempo a Academia me fez uma homenagem que muito me tocou, ao me dedicar uma sessão especial, com meus confrades Domício Proença e Antônio Carlos Secchin analisando minha obra de prosador e de poeta.

    Comecei a escrever muito moço. Com meu pai, aprendi a amar os livros, amor que me acompanha por toda a vida. Sem eles não sei viver: vivo com eles. Primeiro aprendi a ler alguns clássicos, na pequena biblioteca que tínhamos em São Bento, no interior do Maranhão. Depois comecei a fazer, à mão, pequenos livros, com folhas datilografadas, A Canção Inicial e Poemas Decadentes. Participei, mais tarde, de um pequeno grupo que sonhava recuperar o Maranhão: éramos escritores e pintores. Ali tive grandes companheiros, como o grande poeta Bandeira Tribuzzi, que fora estudar em Coimbra e nos trouxera a descoberta da poesia portuguesa, sobretudo Fernando Pessoa.

    Com o meu primeiro livro de poesia, que afinal chamei de A Canção Inicial, entrei para a Academia Maranhense de Letras. Mas a política me chamou, era meu destino. Minha vocação era a literatura. Com ela noivei todas as noites.

    Quando o destino me levou ao governo do Maranhão, entre as solicitações permanentes da tarefa de romper com os vícios que atrasavam o Estado naquela época, encontrei tempo para escrever um livro de contos, Norte das Águas, que teve uma excelente acolhida da crítica. Habituei-me a afastar as demandas da política — que me cobrava os textos de discursos, pareceres, projetos de lei etc. — para escrever literatura. Publiquei mais dois livros de poesia, Os Maribondos de Fogo e Saudades Mortas, outros contos, os três romances, ensaios, conferências.

    Um dia reuniram a fortuna crítica de minha obra literária — não só o que se escreveu no Brasil, mas em todo o mundo — e me assustei: em 2018, tinha 119 títulos, com 168 edições; e de lá para cá já saíram vários livros e novas edições.

    A política, além do tempo que me tomou, muito prejudicou a acolhida de minha obra literária. Não que não tenha tido aqui grandes elogios de grandes escritores, como Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Darcy Ribeiro e tantos outros, mas muitos confundiram o político com o escritor, e passaram a este a hostilidade àquele, enquanto no exterior fui analisado apenas como escritor, tendo tido uma excepcional acolhida da crítica e de personalidades como Lévi-Strauss ou Maurice Druon — e tido, além das edições padrão, a acolhida para um público maior, em coleções de bolso como Le Petit Vermillion e a Folio, da Gallimard. Eu também fui responsável, pois fui um mau autor, não pude dedicar à minha obra a atenção que todas precisam de seu autor.

    Foi em parte na busca de alcançar as novas gerações que combinei estas novas edições, que receberam da editora um tratamento moderno, com excelentes capas e a possibilidade de serem compradas num estojo que reúne os três romances. Para temas diferentes, fiz abordagens diferentes, e não sei se quem tiver lido um terá ideia do que são os outros. O Dono do Mar é uma história de pescadores, lendas e tempos do Maranhão; Saraminda se passa em torno do ouro do Amapá e de uma mulher que com ele se identifica; e A Duquesa vale uma Missa é a visão íntima de uma paixão diferente.

    Foi sobretudo Norte das Águas que me conduziu, pelas mãos de grandes escritores da Casa, que já eram meus amigos, à Academia Brasileira de Letras. Ali entrei com 50 anos, estou, portanto, há 45 e há cerca de 20 anos sou seu decano — coisa meio triste, pois significa que todos que lá estavam quando fui acolhido já se foram.

    Fiquem tranquilos, eu nem sonhava em ser Presidente da República, e meu lugar na Casa é do escritor, não do político.

    É assim, me sentindo rejuvenescido com o lançamento destes livros, que estou emocionado e grato com a homenagem que a Academia me presta.
    Não foi uma homenagem ao meu destino, que cumpri como pude, mas à minha vocação, a literatura.