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Mais uma lei não resolve (por Mary Zaidan)

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Mais uma lei não resolve (por Mary Zaidan)

Gargalos da Segurança, presídios superlotados e mandados de prisão em aberto apontam que o país não tem como prender mais ou por mais tempo

Impor penas mais rigorosas, classificar crimes como hediondos e ameaçar puni-los com o “rigor da lei” costumam ser saídas fáceis para questões que nem de longe políticos sabem ou querem solucionar. O projeto Antifacção, originário do governo, modificado pela oposição e aprovado por ampla maioria na Câmara – 370 votos a favor versus 110 contra – é mais uma prova disso. Nem um dos poucos consensos, a ampliação de penas para 30, 40 e até 66 anos de cadeia para líderes de facções, se sustenta em pé. O Brasil prende mal e, mesmo que quisesse, não teria como prender mais ou por mais tempo.

Segundo o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP) do Conselho Nacional de Justiça, o país tem 752 mil detentos que se espremem em pouco mais de 500 mil vagas do sistema prisional. É o terceiro maior contingente absoluto de encarcerados do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, com 2 milhões, e a China, com 1,69 milhão. E o segundo na proporção de presos por habitante. Nos Estados Unidos são 629 por 100 mil habitantes, no Brasil, 358, e na China, 119.

O sistema penitenciário é um horror. Desumano e propagador de crimes. Especialistas no tema afirmam que as piores facções do país, o Comando Vermelho e o PCC, hoje internacionalizadas, nasceram e cresceram dentro da podridão dos presídios. Nada parecido com a confortável sala da Superintendência da Polícia Federal para a qual o ex Jair Bolsonaro foi levado no sábado, depois de descumprir regras cautelares da prisão preventiva domiciliar que usufruía.

Até representantes da direita radical, eternos críticos dos defensores de condições humanitárias nas cadeias, se renderam. Para evitar que Bolsonaro cumpra pena de 27 anos e 3 meses atrás das grades da Papuda, enveredam-se por contorcionismos. Chegaram a divulgar fotos de quentinhas fétidas do presídio brasiliense para demonstrar que o ex não aguentaria um único dia naquele ambiente. Dos demais encarcerados, nada falaram.

Não há elementos suficientes para afirmar se a “saúde frágil” do ex justificaria prisão domiciliar, embora sua gorda agenda de visitas de políticos não aponte para debilidades física ou psíquica graves. Pessoalmente, acho que a regalia humanitária poderia ser aplicada – para ele e para outras centenas, talvez milhares, de detentos no inferno dos presídios nacionais.

Sem entrar no mérito se Bolsonaro deve ou não ser tratado como mais ou menos igual do que os iguais, sua prisão definitiva iminente expõe com precisão as condições deploráveis do presídios brasileiros, parte indissociável das políticas de Segurança Pública. O sistema só não está em colapso total devido à ineficácia do Estado no cumprimento de mandados de prisão. O déficit gira em torno de 400 mil mandados expedidos sem solução. Na chocante operação nos complexos do Alemão e Penha, no Rio, 5 policiais e 117 suspeitos foram mortos e nenhum, absolutamente nenhum dos 100 mandados de prisão expedidos pela Justiça se efetivaram. O BNMP informa ainda que há 289 mil criminosos procurados e 1,5 mil foragidos.

Uma lista que inclui fugitivos estrelados, como a deputada Carla Zambelli (PL-SP), condenada a 10 anos de detenção, aguardando o desenrolar do processo de extradição encarcerada em Roma, e o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), recém fugido para Miami, mesmo depois de ter seu passaporte confiscado ao ser condenado a 16 anos por tentativa de golpe. Aqui, mais uma vez, tudo falhou: Ramagem fugiu depois de comunicar à Câmara, por duas vezes, afastamento para tratamento de saúde. Mesmo condenado em um dos processos mais simbólicos do país, se mandou sem ser incomodado na fronteira. A Polícia Federal crê que a fuga tenha sido terrestre, via Venezuela ou Guiana. Isto posto, dá para imaginar a festa que o crime organizado não faz nas áreas fronteiriças.

Números das execuções penais e de mandados não cumpridos, presídios insuficientes e inabitáveis, linha dura para soldados do crime e facilidades para os chefes – basta ver o exemplo do ex-diretor da Abin – aprofundam a falência do sistema de Segurança Pública no país, algo que lei alguma terá o condão de resolver. Quanto mais a partir de um projeto com inspiração eleitoral, construído como salvador de uma pátria abocanhada pelo crime organizado, cujos líderes devem rolar de rir das trapalhadas aprovadas.

Embora seja lugar comum, vale aqui a frase atribuída ao matemático e filósofo René Descartes, “não há resposta fácil para problemas difíceis”. Permito-me uma adaptação: não há resposta alguma quando sequer existe a intenção de se debruçar sobre a equação.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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