Enquanto grandes capitais brasileiras enfrentam presídios controlados por facções, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) travam guerras sangrentas pelo controle de estados inteiros, o Distrito Federal se mantém como um território de contenção e equilíbrio tático, sustentado por um modelo de inteligência policial e política penitenciária considerado, ao mesmo tempo, ousado e explosivo.
A principal arma do Estado contra a expansão das facções não é o fuzil, mas o controle dentro dos presídios.
O delegado Jorge Teixeira, da Divisão de Repressão ao Crime Organizado (Draco), vinculada ao Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor) da Polícia Civil do DF, que há anos investiga o avanço das facções, descreve o sistema prisional como o verdadeiro pilar da estratégia.
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Diferente de outras regiões do país, onde as facções dividem e controlam presídios inteiros, a Polícia Penal do DF mantém seus rivais lado a lado.
“Eles têm uma política de misturar todos eles. Aqui em Brasília não tem isso de presídio do PCC e outro do CV. Misturam justamente para uma frear a expansão da outra”, explica o delegado.
Essa convivência forçada impede que um grupo use o ambiente prisional como campo de recrutamento. Um faccionado não consegue “cooptar” (recrutar) outro com um rival à espreita.
A tática cria um sistema de autodefesa dentro das próprias cadeias, onde o medo do inimigo inibe o crescimento de qualquer facção.
O colapso do Comando Vermelho no DF
O Comando Vermelho é o exemplo mais claro do efeito dessa política. No Distrito Federal, o CV se encontra desarticulado e fragmentado, sem capacidade de comandar o tráfico nem de proteger seus próprios integrantes.
Os números confirmam o diagnóstico: enquanto o PCC tem 216 membros presos e o Comboio do Cão (CDC), facção local, soma 183, o CV abriga apenas 73 detentos no sistema penitenciário, número inferior ao registrado no ano anterior.

Muitos desses presos, segundo o delegado, “se dizem do Comando Vermelho”, mas não possuem ligação orgânica com o núcleo carioca. São dissidentes, migrantes ou criminosos que adotam o nome da facção como forma de sobrevivência, sem qualquer estrutura de comando.
Sem hierarquia e sem liderança sólida, o CV no DF sobrevive na sombra do PCC. O medo é constante. “Eles ficam na deles, com medo de algum desses rivais do PCC querer ir lá e matá-los”, resume Teixeira.
O PCC: o poder silencioso
O Primeiro Comando da Capital é hoje a facção mais estruturada e influente nos estados brasileiros. Importada de São Paulo, opera com o mesmo padrão de disciplina e hierarquia que consolidou o grupo como uma das maiores organizações criminosas da América do Sul.
“O foco das grandes lideranças do PCC é ficar rico, milionário, lavar dinheiro”, afirma o delegado. Em vez de assaltos, execuções ou explosões de cofres, o grupo paulista atua em crimes de baixa visibilidade e alto rendimento, como lavagem de dinheiro, fraudes financeiras e movimentações via criptomoedas.
A violência do PCC no DF, segundo Teixeira, é seletiva: volta-se principalmente contra o Comando Vermelho, tratado como “lixo” pelos integrantes da facção.
As execuções de membros do CV, confirmadas pela PCDF, funcionam como um rito de passagem dentro da hierarquia paulista, um “bilhete de ascensão” para quem busca reconhecimento interno.
O CDC: o “produto local” que resiste
No vácuo entre o PCC e o CV, o Comboio do Cão (CDC) representa uma peculiaridade: uma facção genuinamente brasiliense, nascida e moldada nas ruas do Distrito Federal. “É produto local, tem cheiro de piqui, cor de piqui”, define Teixeira.
O CDC nunca alcançou a organização de seus rivais nacionais. Tentou criar um estatuto e uma hierarquia, mas se fragmentou com a prisão das principais lideranças: Willian Peres Rodrigues, o Willinha, Fabiano Sabino Pereira, conhecido como FB, “Rafael Nunes Carvalheiro Barros, o Rafael Abelha e Luiz Gonzaga da Rocha Júnior. Juninho, o sucessor. “A gestão na rua hoje é feita por substitutos, mas não tem comando forte para expandir a facção”, resume o delegado.
A atuação do CDC é localizada e, muitas vezes, movida mais por lealdade territorial do que por filiação formal. O grupo opera no tráfico de drogas e em crimes tradicionais, como roubos e receptação, mas sofre forte pressão da Polícia Civil e do próprio PCC, que tenta ocupar seu espaço no varejo do tráfico.