Especialistas apontam que a entrada em operação do mototáxi (motoapp, segundo as empresas de aplicativo) na capital paulista, a partir de 11 de dezembro, deve acentuar a queda no número de passageiros dos ônibus, provocar a redução na arrecadação e criar um ciclo vicioso que pode afetar ainda mais a qualidade do transporte público na cidade de São Paulo.
Na última terça-feira (18/11), 99 e Uber anunciaram que pretendem retomar a operação das motos por aplicativo na capital paulista, mesmo que a prefeitura não tenha estabelecido uma regulamentação sobre o tema. As empresas dizem que vão adotar por conta própria uma série de medidas para dar segurança ao serviço.
Coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Insper, Sergio Avelleda afirma que, com base na experiência de outras cidades brasileiras e latino-americanas, é possível antecipar alguns efeitos.
Segundo Avelleda, o principal risco é a fuga de passageiros no curto prazo, especialmente nas viagens mais curtas, em áreas periféricas e em horários de pico, quando o ônibus sofre mais com lentidão, superlotação e falta de regularidade. “A moto oferece uma solução individual mais rápida e, muitas vezes, com preço competitivo em determinados trajetos. Porém, mais perigosa, mais poluente e menos eficiente em termos de uso do espaço do que os ônibus”, diz.
O especialista do Insper, com larga experiência em cargos de tomadas de decisão no transporte público de São Paulo, diz que a fuga de passageiros pode provocar redução de arrecadação no sistema de ônibus, “que já opera com margens estreitas e depende de equilíbrio delicado entre demanda, tarifa e subsídios”.
As bordas da cidade têm regiões com maior déficit de oferta, menores índices de regularidade e maiores tempos de viagem e, por isso, tendem a sofrer o maior impacto, segundo Avelleda.
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Ônibus na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Ônibus na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Ônibus na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Ônibus na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Ônibus na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Ônibus na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Ônibus na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Socorro a motociclista na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Motos na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, em São Paulo
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Socorro a motociclista na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Socorro a motociclista na Avenida Dona Belmira Marin, no Grajaú, na zona sul de SP
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Tabela de preços do mototáxi no Terminal Grajaú, na zona sul de São Paulo
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Engenheiro e Mestre em Transportes pela USP, Sergio Ejzenberg diz que, com base nos números divulgados pela 99 sobre os primeiros dias de operação no início do ano, é possível estimar que os ônibus venham a perder um 1 milhão dos 7 milhões de passageiros transportados diariamente. “Haverá grande redução na arrecadação do sistema de ônibus, com previsão de aumento do já multibilionário subsídio do sistema”, diz, citando também que a perda será maior na periferia.
O que fazer
Os especialistas afirmam que a Prefeitura de São Paulo precisa agir para evitar a degradação do sistema de transporte público, que já vem enfrentando dificuldades antes mesmo da pandemia. “Quando o ônibus é rápido, confiável e confortável, ele volta a ser competitivo”, diz Avelleda.
Se adiar reformas estruturais, a prefeitura vai enfrentar problemas em sequência. “É um ciclo vicioso já conhecido: menos passageiros, menos recursos, serviço pior, mais perda de passageiros”, diz Avelleda.
Caso as melhorias não surjam, há dois cenários possíveis. Aumento progressivo dos subsídios públicos para manter o sistema minimamente funcional e degradação do serviço, com prejuízo principalmente para os mais pobres, moradores da periferia e trabalhadores que não têm alternativa.
Sobre as motos, Avelleda diz que é necessária regulação clara e baseada em dados, com formação mínima de condutores, regras de circulação e integração com as políticas públicas de mobilidade. “Por exemplo, permitir que apenas motos com freios abs possam prestar o serviço, que os condutores tenham mais de 10 anos de habilitação, que façam cursos de direção defensiva”, afirma.
Ônibus caro, pelo que oferece
Já Ejzenberg diz que o sistema de ônibus é o mais seguro, mas vai perder passageiros “porque é ruim, com grande espera nos pontos, baixa velocidade, e superlotação”. “Pelo tempo perdido nessa ineficiência, é um sistema caro pelo que oferece, e está afugentando os usuários”, afirma.
“Se a prefeitura melhorar o sistema de ônibus poderá perder pouco para as motocicletas, além de atrair usuários de automóvel”, afirma. Para isso, será necessário investir em corredores e “revolucionar o atendimento”.
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“Nos bairros periféricos, oferecendo atendimento rápido com frota de ônibus pequenos e vans, funcionando por aplicativo. Isso poderia eliminar esperas cansativas e mesmo perigosas nos pontos de parada”, diz Ejzenberg.
O especialista diz que o futuro está sendo desenhado pela prefeitura desde a pandemia, “quando reduziu a frota de ônibus alegando queda da demanda”. “Isso diminuiu a frequência de passagem dos ônibus nos pontos e aumentou o tempo de espera, tornando pior o que já era ruim”, afirma.
Segundo o mestre em transportes, é possível entender perfeitamente porque a população está fugindo do transporte público e comprando motocicletas.
“Faz tempo que o sistema de ônibus entrou num círculo vicioso de perda de passageiros e de redução de frota, resultando em perda de arrecadação e explosão do valor do subsídio”, diz, citando erro de estratégia e de gestão.
“Ao não dar ênfase aos ônibus e insistir em obras viárias para automóveis (túneis, etc.) a prefeitura está fazendo com que os usuários migrem para modais mais perigosos, e o resultado será o aumento de sinistros e fatalidades na mobilidade urbana. Também a poluição aumentará”, afirma. Segundo Ejzenberg, São Paulo segue “rumo a uma mobilidade urbana mais desumana”.
O que diz a Prefeitura de São Paulo
O Metrópoles trouxe nesta segunda-feira (24/11) reportagem sobre a situação dos ônibus no Grajaú, na zona sul de São Paulo.
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana e Transporte (SMT) e da SPTrans, afirma que o sistema municipal de ônibus é o principal vetor da mobilidade urbana do Grajaú, responsável por 43% das cerca de 600 mil viagens diárias.
A administração municipal também diz que a frota local tem idade média de 5,6 anos, oferece veículos 100% acessíveis e com mais de 90% de itens como ar-condicionado, Wi-Fi e tomadas USB. “Além disso, o Grajaú detém a maior cobertura de pontos de ônibus da capital, garantindo que seus 383 mil habitantes estejam a menos de 300 metros de uma parada, e as linhas operam com alta eficiência mesmo em horários de pico”, afirma.
A prefeitura diz que a SPTrans também trabalha na implantação do novo Terminal Cocaia, que fará integração com o Aquático-SP (barco que liga o Cantinho do Céu ao Mar Paulista).
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) monitora a Avenida Dona Belmira Marin por meio de rotas diárias, realizando ajustes nos semáforos e utilizando reforço de agentes para garantir a fluidez e a segurança do tráfego, segundo a prefeitura.
No âmbito da segurança viária, a prefeitura cita implantação da Faixa Azul, que soma 232,7 km em 46 vias e contribuiu para uma queda de 47,2% nas mortes de motociclistas nos trechos sinalizados entre 2023 e 2024. A CET também reforçou o monitoramento 24h em vias com maior número de ocorrências e ampliou as faixas com mensagens educativas.
