Ele acumula experiência de ter participado em nove edições de conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP). O ativista nigeriano Olumide Idowu, diretor executivo e fundador da International Climate and Development Initiative Africa (ICCDI), tem dedicado a vida para divulgar e defender as demandas climáticas da Nigéria e de todo o continente africano.
Olumide conversou com a reportagem da Agência Brasil nesta quinta-feira (20), no espaço oficial da COP30, que ocorre em Belém. Enquanto as autoridades dos países negociadores entram em momento decisivo da conferência, o ativista cobra maior protagonismo para o continente africano e critica soluções que não atendem necessidades reais das populações do continente.
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Segundo o diretor da ICCDI, a África busca financiamento climático compatível com suas necessidades, sem mecanismos de apropriação territorial. Olumide diz que o momento exige ação imediata:
“Já passou da hora de pararmos de falar e começarmos a implementar. Estamos falando há mais de 30 anos, e não parece que a mudança está acontecendo.”
Confira a seguir, os principais trechos da entrevista com Olumide Idowu:
Agência Brasil: Como funciona o trabalho da ICCDI África e qual é o tipo de atuação da entidade aqui na COP30?
Olumide Idowu: Nós defendemos construir uma geração com consciência climática em toda a África, dentro das comunidades locais. Trabalhamos com temas relacionados ao clima: energia renovável, água, saneamento, agricultura e biodiversidade.
O que tentamos fazer como organização é reduzir a distância entre a comunidade e o governo, para identificar problemas e propor soluções por meio de ações conduzidas pelas próprias comunidades.
Minha presença aqui também tem o objetivo de observar outra dimensão: o que vai acontecer com todos os acordos sobre os quais o Sul Global vem falando? Porque esse é o único caminho para resolvermos os problemas em que nos encontramos.
Vemos as discussões sobre financiamento climático, perdas e danos, e também quero acompanhar o que o governo nigeriano está dizendo aqui. Como eles estão enxergando o financiamento climático, que é muito crítico para o país.
E também ouvir o que o Grupo Africano de Negociadores está defendendo, para garantir que todos os países africanos sejam incluídos nesse espaço.
Agência Brasil: A organização consegue se conectar com todos os países da África?
Olumide Idowu: Na ICCDI já realizamos projetos em diferentes países africanos, embora ainda não sejamos uma instituição registrada nesses países. Mas já fizemos várias intervenções.
Nossa comunicação acontece principalmente pelas redes sociais, e-mail e também quando participamos de eventos presenciais, como reuniões da União Africana ou convites de instituições da ONU.
Também temos uma plataforma chamada Climate Wednesday. Trazemos jovens, professores e especialistas de diferentes países da África e do mundo para falar sobre os problemas que enfrentamos e como podemos resolvê-los. Contamos essas histórias para que cheguem à base, às comunidades, ajudando a criar mecanismos de retorno e engajamento.
Agência Brasil: Você está satisfeito com a representação da África na COP30 e com a posição que o continente ocupa nas mesas de negociações?
Olumide Idowu: A África tem apresentado vozes muito proeminentes nesta COP. Estamos nos posicionando para que o mundo entenda o que precisamos. O que defendemos aqui não é apenas conversa. É um movimento. Um movimento para mudar a narrativa de como fazemos as coisas no campo ambiental.
Existe um ditado na África: “Quando dois elefantes brigam, é a grama que sofre”.
Nós temos sofrido por décadas. É hora de a África assumir o potencial de seus recursos e defender os direitos de seu povo, para que nossas terras não sejam tomadas para créditos de carbono, compensações ou mercados de carbono. Nossas terras devem ser produtivas, gerar renda e apoiar as comunidades locais.
Também estamos discutindo o carbono azul — o que vai acontecer com nossas áreas de manguezal? Às vezes parece que estamos em uma prisão. Diz-se que estamos todos no mesmo barco, mas parece que nossos barcos são diferentes.
A África está dizendo claramente: precisamos de mudança! Precisamos avançar rápido, para não sermos pegos no meio do caminho.
Agência Brasil: E quais demandas o bloco africano tem trazido para as discussões?
Olumide Idowu: A África é um continente de recursos. Temos muitos recursos. Qualquer tipo de recurso que você procure no mundo — nós temos. Somos ricos por natureza. Por isso buscamos soluções reais. Não queremos créditos de carbono que resultem na apropriação de terras. Queremos financiamento climático que atenda às estratégias de adaptação e mitigação.
É por isso que o Grupo Africano de Negociadores luta para garantir que o continente africano seja ouvido pelo Norte Global e pelos poluidores — que devem pagar.
Toda essa conversa busca reposicionar a África. Queremos que a África deixe de ser vista como um local de despejo e passe a ser vista como um local de recursos, onde as pessoas queiram investir e trabalhar.
A África não está aqui apenas por causa da população, mas pelo que estamos enfrentando e pelo que buscamos resolver, passo a passo.
Agência Brasil: O 20 de novembro é uma data importante no Brasil, Dia da Consciência Negra, que dialoga com uma herança africana. É possível conectar lutas africanas e dos brasileiros afrodescendentes na COP30?
Olumide Idowu: Antes de tudo: preto é ouro. Somos valorizados porque viemos de um continente de força. Mas existe o desafio de que muitos não conseguem permanecer aqui na COP, porque é caro, e acabam voltando para casa para evitar dívidas.
A África é um continente cheio de oportunidades. África é ousada, é ouro, é valorizada — e nossas terras são férteis para investimentos. Hoje, celebro cada homem, mulher e criança negra no Brasil e na África. Desejo a todos uma grande celebração.
Sobre nossas lutas e a COP30, acho que já passou da hora de pararmos de falar e começarmos a implementar. Estamos falando há mais de 30 anos, e não parece que a mudança está acontecendo. Nossos líderes precisam repensar.
Precisamos de mais capacidade digital, mais formação, para que entendam o que é a mudança climática e vejam as consequências que isso trará no futuro. Devemos passar da ambição para a ação, para alcançarmos mais — pela África e pelo mundo inteiro.
