“Tá sentindo esse cheirinho? É do desinfetante que eu passei”. O jornaleiro Deneval Santana, 70 anos, limpa, todos os dias, a calçada onde sua banca está instalada, na Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Theatro Municipal, no centro da capital paulista.
Já são três décadas ali, vendo o vaivém de turistas, a correria de paulistanos pro trabalho, a rotina das pessoas em situação de rua. Deneval diz que conhece todo mundo: “O próprio prefeito Ricardo Nunes já veio aqui e me cumprimentou”, conta ele, comentando que sua banca “é pequenininha, mas é igual coração de mãe”.
A história do jornaleiro com aquele endereço, no entanto, está prestes a mudar. Recentemente, Deneval recebeu uma notificação da Prefeitura de São Paulo. O documento dizia que ele terá que sair dali por causa da obra prevista para acontecer no Viaduto do Chá, na Praça do Patriarca, e na Praça Ramos de Azevedo.
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Deneval viu as mudanças na região e agora será alvo de uma delas
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Todos os dias, ele lava a calçada com desinfetante
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Deneval Santana tem banca há 30 anos
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Bancas da região serão transferidas para a rua atrás do Thetro Municipal
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A reforma, avaliada em R$ 70 milhões, prevê que a sua banca seja transferida para a rua atrás do Theatro Municipal. Onde hoje trabalha o jornaleiro, a gestão Ricardo Nunes (MDB) quer instalar uma base da Guarda Civil Municipal (GCM).
“Eles me deram um aviso, mas eu te pergunto: precisa tirar o comércio do lugar?”, diz ele.
Deneval não consegue aceitar a mudança. “Quando eu assumi isso era uma sujeirada. Eu briguei, falei, eu liguei pra quem tinha que ligar. […] Eu sempre zelei por isso daqui. Sair assim? Não dá”, diz ele.
De sua banca, o jornaleiro viu a região se transformar. Acompanhou a loja Mappin, onde comprou uma geladeira e outros eletrodomésticos, fechar. Viu, mais recentemente, o mesmo prédio ser anunciado como futura unidade do Sesc. Observou de perto as obras do Vale do Anhangabaú, logo ao lado. Muita coisa mudou, enquanto ele ficou.
“Eu tenho um histórico ali”, conta ele, lembrando de quando assumiu o ponto. Agora, ele diz que tem tentado falar com os amigos que fez na região para tentar levar à reclamação para a sede da prefeitura, a poucos metros dali.
Uma mulher jovem interrompe a história para perguntar onde fica a entrada de um bar novo na região. Ela parece levar um currículo na mão. “A entrada deles à noite é ali na frente do shopping”, diz Deneval.
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Ao terminar a explicação, ele olha para a repórter: “A banca de jornal é uma referência para informação. Tem que ser valorizada”. A entrevista foi parada algumas vezes para que ele pudesse atender as pessoas. Em uma delas, dois turistas perguntavam se ele vendia adesivos com a temática de São Paulo. “Só tenho cartão postal”, respondeu o jornaleiro.
Ele teme que a mudança de ponto impacte na clientela. A opinião é compartilhada pela funcionária da banca ao lado, Thaís Augusta, 32 anos, que também terá de sair dali.
“Aqui todo mundo já conhece. [Se] vai para outro lugar, até você criar clientela de novo, quebra a banca”, diz ela que trabalha ali há 14 anos.
Na Rua Conselheiro Crispiniano, ao lado do futuro endereço dos colegas, o também jornaleiro Julio Cesar, de 43 anos, diz que “Caber mais uma banca não cabe”, mas que acolherá todos que forem para ali.
A obra na região do Viaduto do Chá ainda não tem data para começar, mas a previsão é de que seja iniciada no primeiro semestre do próximo ano. O edital de licitação do projeto deve ser publicado em breve.
