Jornalismo das antigas era assim: você recebe a notícia de que um criminoso sexual norte-americano, por sinal já morto, mantivera contato telefônico com um ex-presidente latino-americano de esquerda quando esse estava preso no seu país. E que isso aconteceu por meio de um filósofo famoso, e de esquerda, que uma vez visitou o ex-presidente preso.
Provas?
Um e-mail escrito em 2018 pelo criminoso sexual. Em outro e-mail, esse mesmo criminoso exaltava o principal adversário político do ex-presidente latino-americano, um líder da extrema-direita, dizendo que ele, sim, “era o cara”.
O que fazer para certificar-se da veracidade da notícia antes de publicá-la? Porque a mera existência de um e-mail não seria suficiente.
No mínimo, ouvir o tal filósofo famoso que intermediou o contato entre o criminoso sexual e o ex-presidente, ou alguém a ele ligado. E o ex-presidente, outra vez eleito presidente do seu país.
Corte para os dias de hoje.
A notícia foi publicada apesar do desmentido do presidente reeleito pela terceira vez. Ninguém ouviu o filósofo.
A mulher do filósofo, uma brasileira, declarou que seu marido jamais intermediou contato entre o criminoso sexual e o ex-presidente.
Personagens dessa história:
1. Jeffrey Epstein, o criminoso sexual que abusava de mulheres menores de idade nos Estados Unidos e as oferecia a políticos influentes, e que hoje está no centro de um escândalo que desgasta a imagem de Donald Trump;
2. Lula, o ex-presidente latino-americano que passou 580 dias preso em Curitiba;
3. Noam Chomsky, 96 anos de idade, linguista, sociólogo, comentarista, ativista político norte-americano e uma das mais renomadas figuras no campo da filosofia analítica;
4. E Valéria Chomsky, mulher de Noam, que participou como tradutora do encontro entre o marido e Lula.
O tal líder da extrema-direita elogiado por Epstein é Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão por golpe de Estado. Mas ele nada teve a ver com tudo isso.
É o jornalismo movido a likes e impulsionado pelos algoritmos. Nesse caso, muitas vezes a verdade importa menos, quando importa.
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