Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam um aumento de 9% na proporção de mortes provocadas por policiais em relação ao total de mortes violentas intencionais nos últimos dez anos.
Nesse contexto, o Distrito Federal apresenta um cenário mais favorável que a média nacional, que registra 14% de mortes decorrentes de intervenções policiais em relação ao total de mortes violentas intencionais. O DF ocupa a 10ª posição entre as unidades da Federação, com 6% dessas mortes resultando de ações policiais. À frente estão Rondônia, Pernambuco, Maranhão, Amazonas, Roraima, Piauí, Paraíba, Ceará e Acre
Apesar dos avanços, ainda não há dados consolidados que permitam compreender a violência policial em sua totalidade. A letalidade é a face mais extrema dessa violência, mas não a única.
Crimes como lesão corporal, tortura, abuso de autoridade, constrangimento ilegal e injúrias — em suas diversas modalidades, como racial, homofóbica e religiosa — revelam uma forma de violência institucional que precisa ser analisada de modo mais amplo para ser efetivamente combatida.
A violência policial é um fato que desafia as instituições do sistema de justiça a criar mecanismos de escuta, acolhimento e responsabilização eficazes. Nesse sentido, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a Resolução nº 309/2025, que se tornou um marco regulatório ao fortalecer o papel das Ouvidorias do Ministério Público na proteção de direitos fundamentais.
Entre as competências previstas, destaca-se a criação de um canal especializado — a Ouvidoria de Combate à Violência Policial — voltado ao recebimento de denúncias e à apuração de abusos decorrentes de abordagens policiais (art. 4º, VI).
No Distrito Federal, a Ouvidoria do MPDFT exerce papel de protagonismo ao conduzir, de forma participativa, a criação do Canal de Combate à Violência Policial. O processo, ainda em curso, já envolveu uma audiência pública que reuniu representantes da sociedade civil, de órgãos de segurança e do Poder Legislativo local, resultando em uma iniciativa pioneira entre os ramos do Ministério Público brasileiro.
O lançamento do canal ocorreu no dia 29 de outubro. A nova plataforma é um espaço de acolhimento, proteção e responsabilização, com o objetivo de romper o silêncio, garantir que a voz das vítimas seja ouvida e assegurar a apuração dos fatos com seriedade e imparcialidade — sempre em conformidade com os princípios da transparência e da confidencialidade.
Além de receber denúncias, o canal reunirá e divulgará dados sobre os tipos de violência registrados, contribuindo para o diagnóstico do fenômeno no Distrito Federal e para a formulação de políticas públicas mais eficazes.
A iniciativa atende a uma demanda social e se alinha aos objetivos estratégicos do CNMP, concretizando o dever constitucional do Ministério Público de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da Constituição Federal).
Fortalecer e consolidar as Ouvidorias de Combate à Violência Policial significa investir na legitimidade democrática do Ministério Público. Essa iniciativa aproxima a instituição do ideal traçado pela Constituição de 1988: ser um órgão comprometido com a defesa da dignidade humana e com o enfrentamento de toda forma de abuso de poder.
- Flávio Milhomem é promotor de Justiça e ouvidor-geral do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
