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Onda pós-Marçal de prêmio por cortes nas redes vira desafio para 2026

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Onda pós-Marçal de prêmio por cortes nas redes vira desafio para 2026

O fenômeno da candidatura do empresário Pablo Marçal (PRTB) à Prefeitura de São Paulo, em 2024, com seu método de atrair visibilidade por meio de vídeos “virais” distribuídos em massa, fez surgir uma onda de empresas e ferramentas digitais voltadas à produção e disparo desse tipo de conteúdo, com pagamentos de prêmios para os “clipadores” com maior desempenho.

Nas redes sociais, é possível localizar inúmeras empresas que oferecem ferramentas para produção de vídeos virais, criação de perfis para hospedar os conteúdos e a realização de campeonatos de cortes, em que os usuários são premiados em dinheiro de acordo com o alcance de seus vídeos. Geralmente, a matéria-prima para os cortes são entrevistas de podcasts e programas de debate.

O modelo é centrado em figuras do entretenimento, celebridades, influenciadores e marcas, mas é possível também localizar inúmeras páginas que reverberam cortes curtos de falas de políticos de diferentes espectros ideológicos em entrevistas, lives e palestras em eventos.

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“Politica é o que mais gera view e engaja”, afirma um usuário de um chat hospedado em uma comunidade no Discord que organiza torneio de cortes, à qual a reportagem teve acesso.

Nas conversas, os próprios “clipadores” afirmam ter dúvidas se seus conteúdos de política podem ser alvos de punição por parte das plataformas pelo fato de os vídeos serem produzidos em troca de dinheiro. “Estou querendo saber como vai funcionar em política ano que vem. Não quero ser preso por postar 300 cortes por dia”, diz outro usuário.

Algumas empresas, para evitar problemas, costumam enfatizar que não oferecem o serviço para políticos.

Como funciona

“É basicamente um formato que profissionaliza e gamifica o processo de criar cortes. Funciona assim: o clipador escolhe um episódio, faz seu corte e registra no campeonato dentro da janela válida. Os vídeos entram no ranking e disputam premiações com base em métricas públicas, como views e likes. Usamos ferramentas de automação para facilitar o envio e organizar os rankings”, afirmou o empresário Paulo Grego, CEO da empresa Core Lab, que atua no mercado de cortes.

Ele conta que, hoje, seus principais clientes são podcasts, produtores de conteúdo e criadores independentes. “Nosso foco é entretenimento, informação e negócios, e não comunicação eleitoral”, afirma. O empresário considera preocupante que o modelo de negócios avance para o mercado político.

“O modelo deve crescer no entretenimento, no ecossistema de creators e no conteúdo comercial — e talvez na política, o que pode ser preocupante. As campanhas eleitorais têm regras e limites muito específicos, então esse formato pode não se encaixar bem nesse ambiente. Nosso formato não é exclusivo e muitas empresas trabalham com isso, e, com certeza, muitos políticos vão optar por formatos parecidos”, afirmou ao Metrópoles.

Quanto rende

Outra empresa do segmento é a ClipfyAI, que criou uma inteligência artificial para promover a viralização de conteúdos. Na prática, a ferramenta gera e gerencia diversas contas automaticamente, distribuindo vídeos em massa. A empresa possui uma plataforma específica para campeonatos de cortes, que oferece prêmios de até R$ 50 mil aos clipadores.

“Hoje, uma das melhores maneiras para você ganhar até R$10 mil por mês com a internet sem investir R$ 1 é simplesmente você ser um clipador. É basicamente um cara que posta vários vídeos na internet sobre uma pessoa e ele ganha de acordo com o tanto de visualização que ele pega. Se você clicar nesse link vai cair num grupo e, nesse grupo, a gente distribui R$ 35 mil por mês em prêmios para as pessoas que estão ali. Você vai ter que criar uma conta no Instagram, no TikTok, no Youtube e postar vídeos todos os dias. A gente te paga de acordo com a quantidade de visualizações que os seus vídeos pegarem”, detalha em vídeo postado nas redes o empresário Daniel Antunes, responsável pela ClipfyAI.

O Metrópoles apurou que a ClipfyAI tem procurado políticos para vender o serviço, como o gabinete de um deputado estadual do PT. Sob reserva, o parlamentar afirmou ter sido procurado por três jovens responsáveis pela empresa para oferecer a plataforma de cortes. O preço do serviço seria de R$ 300 mil por seis meses ou R$ 70 mil por um mês.

Em outro vídeo, Antunes aparece chamando usuários para participar de um campeonato de cortes que seria realizado em novembro, sem divulgar o nome do “personagem” dos cortes.

“Vão ser mais de 50 mil reais distribuídos para os clipadores. Você só precisa ter um celular, não precisa investir em nada. E precisa ter tempo para postar o máximo de vídeos possível seguindo as regras que a gente vai passar dentro do campeonato. Basicamente, você vai entrar num grupo, a gente vai te passar várias regras ali e de quem vai ser o campeonato, você vai editar vídeos dessa pessoa, vai ficar postando o máximo de vezes possível em várias redes sociais que a gente vai passar pra vocês. Só postando vídeos, você vai estar participando do campeonato e pode ganhar milhares de reais”, diz o empresário.

O mesmo grupo é responsável por um campeonato de cortes com suspeita de ter sido realizado para viralização de vídeos do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no início deste mês.

Um print de conversa publicado por um usuário, responsável por uma empresa de cortes concorrente da ClipfyAI, mostra um dos organizadores orientando os clipadores a partir de recomendações que teriam sido passadas pelo que chama de “equipe de Tarcísio”. Não há, no entanto, indícios de envolvimento de pessoas ligadas ao governador na iniciativa. Fontes do setor ouvidas pelo Metrópoles também afirmam acreditar que a menção à equipe de Tarcísio pode ter sido apenas jogada de marketing.

“A gestão estadual não tem conhecimento, tampouco envolvimento ou anuência dos fatos mencionados e, portanto, o governo e o governador do Estado desconhecem em absoluto a iniciativa citada. Qualquer tentativa de vincular os prints relatados ao governador é absolutamente falsa e irresponsável”, afirmou o Governo de São Paulo em nota.

A reportagem tentou contato com a ClipfyAI e Daniel Antunes, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.

Preocupação para 2026

Em abril desse ano, o empresário Pablo Marçal foi condenado a ficar inelegível por oito anos pela Justiça Eleitoral por abuso no uso indevido dos meios de comunicação, captação e gastos ilícitos de recursos e abuso de poder econômico. O juiz eleitoral entendeu que o então candidato em 2024 cooptava colaboradores para disseminar conteúdos em redes sociais e serviços de streaming, usando o sistema de cortes de vídeos curtos.

O conteúdo teria sido impulsionado conteúdos de forma ilícita, por meio de concurso de cortes e de premiações. O pagamento aos clipadores teria sido feito de forma que impedisse a fiscalização da Justiça Eleitoral sobre a origem e destino dos recursos.

“A internet sempre vai estar à frente da legislação, não tem jeito. No caso do Marçal, a acusação foi de abuso dos meios de comunicação social e abuso do poder econômico. Embora esses exemplos novos não tenham previsão expressa, dá para tipificá-los nessas condutas. Sem dúvida, a internet vai ser um desafio sempre, aqui e no mundo todo”, afirma o advogado especialista em Direito Eleitoral Alberto Rollo.

O jurista afirma que, em princípio, contratar um serviço do tipo fora do período eleitoral não seria uma ilegalidade, desde que com a devida transparência.

“É uma relação comercial que envolve atividades na rede social. No período eleitoral, eu entendo ser mais complicado. Impulsionar conteúdo, só os candidatos podem. Se essa competição de cortes for entendida como uma espécie disfarçada de impulsionar, não poderia. Mas com certeza sempre tem que informar gastos eleitorais”, explica.

Propaganda antecipada

Fernando Neisser, professor de Direito Eleitoral da FGV/SP, lembra que a legislação eleitoral e a jurisprudência proíbem o abuso de poder econômico, como por exemplo, oferecer dinheiro por meio de prêmios, rifas e concursos. No entanto, a prática é proibida, independentemente do momento em que isso ocorra, desde que tenha uma influência no processo eleitoral, destaca.

“Ainda mais no Estado, que puniu um candidato (Pablo Marçal) exatamente por isso tão recentemente, você tem um exemplo muito claro do posicionamento da Justiça Eleitoral. Na minha visão, pode configurar tanto abuso de poder econômico quanto propaganda eleitoral antecipada e irregular”, diz o professor.

Ele enfatiza que um candidato ou pré-candidato pode ser punido mesmo que não tenha contratado diretamente o serviço.

“O Ministério Público Eleitoral e partidos políticos podem, a qualquer tempo, pedir a concessão de tutela para que cessem atividades que configuram potencialmente abuso, independentemente de se saber ou não quem está por trás e se há uma candidatura, uma pré-candidatura por trás ou não. O que importa é fazer cessar uma conduta abusiva. Depois, eventualmente, vai se apurar responsabilidade. São duas coisas diferentes”, aponta Neisser.

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