Deputados que compõem o o Grupo Parlamentar Teuto-Brasileiro no Bundestag (Parlamento alemão), criticaram nessa terça-feira (18/11) as declarações do chanceler federal da Alemanha, Friedrich Merz , que foram interpretadas como uma comparação desfavorável entre o Brasil e o país europeu.
Na semana passada, em discurso para empresários, Merz exaltou a “beleza” da Alemanha e disse que jornalistas que o acompanharam em Belém na Cúpula de Líderes “ficaram contentes” por retornar ao país europeu “especialmente daquele lugar onde estávamos”.
O grupo teuto-brasileiro funciona como uma associação multipartidária que mantém contatos com o Legislativo brasileiro e dá apoio parlamentar à política externa do governo alemão.
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Em nota à DW, a deputada Isabel Cademartori, do Partido Social-Democrata (SPD), disse que “um chanceler alemão deve evitar dar a impressão de que trata os importantes países parceiros do Sul Global com arrogância ocidental.”
O SPD é o partido do ex-chanceler federal alemão, Olaf Scholz, e atualmente compõe a coalizão governamental de Merz, membro e líder da União Democrata Cristã (CDU).
Para Cademartori, a declaração prejudica a reputação internacional da Alemanha e é inadequada, particularmente por ocasião da reta final do acordo de livre comércio da União Europeia com o Mercosul. “O Brasil é um importante parceiro comercial da Alemanha e um destino cobiçado por centenas de milhares de turistas e emigrantes alemães, além de ser o país com o maior número de falantes de alemão fora da Europa”, defendeu.
Cademartori também citou que, em 2024, se comemorou os 200 anos de história da imigração alemã no Brasil.
“Dependemos de uma parceria estreita com o Brasil. Não devemos prejudicá-la levianamente com declarações como essas.”
Oposição exige “responsabilidade”
O deputado Anton Hofreiter, dos Verdes, que está na oposição, interpretou a fala como “arrogante”. “O chanceler federal se recusa a assumir a liderança internacional na proteção climática. Ao mesmo tempo, ele se expressa de forma arrogante sobre o país anfitrião da Conferência Mundial sobre o Clima. Onde se exige responsabilidade, ele aposta na polêmica”, disse o deputado à DW.
Para ele, o incidente acaba por transmitir uma má imagem da política climática e externa da Alemanha. “Visitei o Brasil várias vezes, tanto como pesquisador quanto como político, e conheci um país cuja sociedade civil é extremamente engajada. Como vice-presidente do grupo de amizade parlamentar teuto-brasileiro, estou ciente da importância internacional do Brasil. A Alemanha e o Brasil podem se beneficiar enormemente de uma parceria estreita, tanto na política climática quanto em muitos outros níveis”, concluiu.
O discurso também foi criticado por Maren Kaminski, deputada oposicionista do partido A Esquerda. “Essa afirmação de Merz é arrogante e presunçosa. Ele deprecia um país inteiro e seus habitantes, que provavelmente não conhece bem”, afirmou à DW.
A parlamentar também desaprovou políticas domésticas de Merz. “Como chanceler, falhou completamente na política social. O número cada vez maior de pessoas sem-teto é apenas um dos muitos exemplos. Não cabe a ele, justamente, se elevar acima dos outros.”
O deputado Rainer Rothfuß, que preside o grupo parlamentar e é filiado ao partido Alternativa para a Alemanha (AfD), também na oposição, foi outro que criticou Merz em declarações à DW.
“Só posso expressar isso com as palavras do prefeito da capital do estado do Pará: as declarações de Merz sobre Belém são ‘infelizes, arrogantes e preconceituosas’. Com suas declarações imprudentes, Friederich Merz revela duas coisas: primeiro, ele não tem consciência do caminho de desenvolvimento que o Brasil, um país emergente, percorreu nos últimos 30 anos, algo que proíbe qualquer comparação com a Alemanha; e, segundo, ele não tem empatia suficiente nem habilidade diplomática”, disse Rothfuß, que fez um estágio em Macapá nos anos 90, onde elaborou uma tese sobre Política para o Desenvolvimento Sustentável.
“Nunca me passou pela cabeça comparar as condições de vida lá [em Macapá] com as da minha pequena cidade universitária de Tübingen, na Suábia [sul da Alemanha]. Provavelmente não levará mais 30 anos para que a Alemanha, com uma política tão hostil à economia como a que o chanceler Merz vem dando continuidade, fique atrás do nível de desenvolvimento do Brasil”, prosseguiu Rothfuß.
“No entanto, uma frase infeliz do chanceler não será capaz de prejudicar de forma duradoura as relações entre a Alemanha e o Brasil. O Brasil também está familiarizado com políticos que, de vez em quando, proferem alguma bobagem pouco útil”, finalizou Rothfuß.
Governo diz respeitar COP no Brasil
Após a polêmicas, o governo alemão, em nota, elogiou a “natureza impressionante” do Brasil e afirmou que o chanceler federal tem “grande respeito pelo feito de organizar uma conferência internacional tão importante em Belém.”
“O chanceler federal lamentou não ter tido tempo para viajar até as margens do Amazonas e conhecer melhor a natureza impressionante da região. Ele teve uma pequena impressão da dimensão dessa paisagem na noite da visita, durante um passeio de barco pelo Rio de Guajará, no delta do Amazonas. Em sua coletiva de imprensa em Belém, ele descreveu o Brasil como um importante país parceiro da Alemanha”, diz o texto.
O governo também citou o interesse alemão em realizar contribuições significativas para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, algo citado por Merz durante sua presença na Cúpula de Líderes. Ainda indicou a importância da relação do Brasil com a Alemanha, dada a presença de mais de um milhão de falantes do alemão em território brasileiro.
“Durante sua breve viagem a Belém, o chanceler federal explicou a política climática do novo governo federal, prometeu uma contribuição significativa para o Fundo Florestal e manteve uma conversa produtiva e voltada para o futuro com o presidente brasileiro Lula da Silva”, disse.
Questionado, o Itamaraty disse que não irá comentar o caso. Já entre políticos paraenses, a fala gerou críticas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, procurou rebater a fala com elogios a Belém.
“O primeiro-ministro da Alemanha esses dias se queixou: ‘ah eu fui em Belém, mas voltei logo porque eu gosto mesmo é de Berlim’. Ele, na verdade, deveria ter ido em um boteco no Pará, deveria ter dançado no Pará, ele deveria ter provado a culinária do Pará, porque ele ia perceber que Berlim não oferece para ele 10% da qualidade que oferece o estado do Pará e a cidade de Belém. E eu falava toda hora, coma maniçoba”, disse Lula nesta terça-feira.
Já o Senado aprovou nesta terça-feira um voto de censura contra Merz. Apresentado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), o requerimento recebeu o apoio de outros líderes da Casa, como Randolfe Rodrigues (PT-AP) e Davi Alcolumbre (União-AP). Segundo Zequinha, as falas do premiê alemão carregam “um tom xenófobo e preconceituoso”, que “desrespeita não apenas a cidade de Belém, mas todo o povo brasileiro e, sobretudo, a Amazônia”.
Após a aprovação, o documento com o repúdio do Senado segue para o Itamaraty que deve encaminhá-lo ao governo da Alemanha.
