MAIS

    Polícia investiga denúncia de desvios de R$ 875 milhões em Cajamar (SP)

    Por

    A Polícia Civil de São Paulo investiga um suposto esquema de desvio de dinheiro na Prefeitura de Cajamar, na Grande São Paulo, envolvendo contratos que somam R$ 875 milhões.

    O inquérito foi aberto em agosto deste ano, após o recebimento de denúncias apontando suspeitas de corrupção nas gestões do ex-prefeito Danilo Joan (PSD), entre 2020 e 2024, e do atual, Kauan Berto (PSD) — ambos são aliados (foto em destaque).

    Segundo a polícia, as informações “apontam para a atuação de um grupo criminoso formado por agentes públicos e empresários, que teria se beneficiado de recursos públicos por meio de diferentes mecanismos de fraude e corrupção institucionalizada”.

    Ao Metrópoles, Danilo Joan e a Prefeitura de Cajamar negaram as acusações (leia abaixo). O ex-prefeito é pré-candidato a deputado estadual e elegeu Kauan como sucessor, em 2024, com quase 93% dos votos. Ele é casado com a apresentadora de TV Nadja Haddad.

    Leia também

    Suspeitas sob investigação

    De acordo com a polícia, um dos principais eixos investigados é realização de desapropriações suspeitas de imóveis, com valores que, segundo a denúncia, ultrapassariam R$ 165 milhões.

    Outro núcleo da investigação envolve o suposto desvio de recursos por meio de entidades conveniadas com o município de Cajamar, que tem 93 mil habitantes e um orçamento anual de R$ 1,3 bilhão.

    “Ao longo da análise das denúncias, foram identificados outros pontos relevantes, como depósitos vinculados a apoio político; empresas de fachada com recebimentos vultosos; nomeações de familiares e aliados em cargos estratégicos; e possíveis mecanismos de lavagem de dinheiro via entidades”, afirma o relatório da Polícia Civil, obtido pelo Metrópoles.

    Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o inquérito é conduzido sob segredo de Justiça pelo Setor Especializado de Combate à Corrupção, Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro, da Delegacia Seccional de Franco da Rocha.

    O relatório policial afirma que as investigações já identificaram, em bases oficiais, a corroboração de alguns fatos narrados na denúncia, que “seguem uma cronologia coerente com os elementos apurados até o momento”.

    Segundo parecer do Ministério Público de São Paulo (MPSP), “o esquema envolveria vereadores, políticos de gestões passadas, empresas, amigos, agentes públicos e entidades que se beneficiam dos recursos desviados”. Ainde de acordo com o órgão, “o valor total dos possíveis desvios somados nas denúncias específicas superaria R$ 875 milhões”.

    Estreitos vínculos de amizade

    Segundo a investigação, a empresa A2W Tecnologia Ltda, que tem como sócio um amigo íntimo do ex-prefeito de Cajamar, recebeu mais de R$ 33 milhões em empenhos do município para serviços de tecnologia da informação. Familiares dos sócios também teriam sido nomeados em cargos comissionados da prefeitura na gestão Danilo Joan.

    No relatório, a polícia afirma ter confirmado os pagamentos à empresa. Além disso, uma loja de veículos de luxo, dos mesmos donos da A2W, é apontada como um suposto meio para lavagem de dinheiro, com a aquisição e uso de carros por agentes públicos, incluindo o irmão de Danilo Joan.

    A denúncia feita à polícia ainda aponta que um servidor, nomeado em maio de 2022 como secretário-adjunto de Modernização, Tecnologia e Inovação da Prefeitura de Cajamar, ocupou um cargo de “líder técnico” na A2W Tecnologia, entre fevereiro de 2021 e junho de 2022. Isso indica que à época da nomeação ele ainda estava na empresa. Como secretário ele assinou um atestado de capacidade técnica da A2W.

    A reportagem questionou a empresa de tecnologia, mas não obteve retorno. Ao Metrópoles Danilo Joan afirmou que a A2W atua no mercado desde 2008 e foi contratada mediante licitação regular para fornecimento e locação de equipamentos de informática, inclusive para salas tecnológicas na rede municipal.

    “O Tribunal de Contas analisou o contrato e o considerou regular. A soma de valores ao longo de anos é utilizada na denúncia de forma distorcida para sugerir irregularidade, o que não se sustenta”, afirma o ex-prefeito.

    Sobre o loja de veículos de luxo dos mesmos donos da A2W, Joan diz que não há “qualquer indício ou documento que relacione o município ao suposto uso da empresa para lavagem de dinheiro” e que eventuais aquisições privadas são atos pessoais, não vinculados à administração pública.

    Empresas de familiares

    • De acordo com a denúncia investigada pela Polícia Civil, a Prefeitura de Cajamar teria empenhado e contratado, sem licitação ou por meio de licitações combinadas, mais de R$ 50 milhões com empresas de familiares diretos do ex-prefeito Danilo Joan.
    • Somente uma dessas empresas, do ramo da construção, teria recebido R$ 47 milhões entre 2021 e 2023, tendo como sócios um tio e uma prima de Joan. Ainda segundo a denúncia, servidores próximos a ele teriam sido nomeados em cargos de comissão, vinculados a departamentos e setores responsáveis por aprovar pagamentos às empresas.
    • Entre esses servidores, estão um amigo de infância do ex-prefeito, conhecido como Miltinho, nomeado, em diferentes momentos, para diversos cargos em comissão na prefeitura.
    • Outro nomeado é um primo de Danilo Joan, que também teve a esposa contratada na administração municipal.
    • O ex-prefeito alega que as denúncias são antigas e que teriam até resultado na prisão, por extorsão, de um ex-funcionário do ex-prefeito Toninho Ribas, rival político de Joan em Cajamar.
    • De acordo com ele, a empresa de construção presta serviços ao município desde 2003, “sempre mediante participação em processos licitatórios regulares”.
    • “Durante sua administração, não houve contratações diretas ou dispensas de licitação com a referida empresa. Todos os materiais adquiridos foram aplicados em obras públicas devidamente atestadas pela Secretaria de Infraestrutura, composta por corpo técnico qualificado”, afirmou o ex-prefeito.
    • Já sobre os servidores nomeados, Joan afirmou que “jamais exerceram função de fiscais ou gestores contratuais das empresas mencionadas”. “A fiscalização, controle de materiais e gestão contratual cabiam exclusivamente à Secretaria de Infraestrutura, composta por engenheiros e equipes técnicas especializadas”, completou.

    “Núcleo Barueri” e desapropriações

    De acordo com a Polícia Civil, as denúncias também revelam a existência de um possível cartel de empresas sediadas em Barueri, na Grande São Paulo, que teria sido beneficiado com contratos públicos da prefeitura no valor total de R$ 206 milhões.

    Neste segmento da denúncia, são citadas ao menos quatro empresas, sendo que duas delas compartilham os mesmos sócios, ambos com endereços vinculados ao ex-prefeito, em Barueri.

    Os delegados do inquérito citam no documento, como um ponto de “especial gravidade”, a nomeação de um funcionário de uma das empresas como fiscal de obras da Prefeitura de Cajamar, “em evidente conflito de interesses”. Ainda de acordo com a denúncia, apesar dos valores empenhados, os serviços contratados não teriam sido efetivamente realizados.

    “Durante o mandato de Danilo Joan (2020-2024) teriam se iniciado os primeiros contratos com as empresas de Barueri, além de desapropriações suspeitas e criação de empresas como a Fortis Hamate. Em 2024, ano eleitoral, os recursos teriam sido redirecionados para apoio a candidaturas locais”, afirma a polícia.

    Os investigadores ainda dizem no documento que, neste ano, com a eleição de Kauan Berto, os mesmos agentes e contratos foram mantidos, incluindo a continuidade de desapropriações milionárias com empresas do núcleo empresarial.

    No parecer enviado à Justiça, o Ministério Público também cita que as denúncias apontam para esquemas que envolvem a compra e revenda de imóveis para a prefeitura com superfaturamento, envolvendo empresas do chamado “núcleo Barueri”.

    Nos documentos, há menção ao nome de Leandro Morette Arantes, atual secretário municipal de Segurança, Defesa e Mobilidade de Cajamar e familiar de Gil Arantes, ex-prefeito de Barueri, que chegou a ser afastado do cargo pela Justiça em 2015, após ser denunciado 13 vezes pelo Ministério Público por crime de responsabilidade e lavagem de dinheiro relativo a desapropriações em Barueri.

    “Segundo os relatos, sua inserção (de Leandro Morettes Arantes) na política local teria ocorrido ainda na gestão de Danilo Joan, tendo alcançado protagonismo na gestão de Kauan Berto. A presença simultânea de Leandro na administração e das empresas de Barueri nas contratações públicas reforça a necessidade de aprofundamento investigativo”, afirma o relatório da Polícia Civil.

    Ao Metrópoles, Arantes afirmou ter parentesco distante com Gil Arantes, embora tenha atuado em cargos de segundo escalão na gestão dele em Barueri. Disse, ainda, que não tem nenhuma relação com os contratos e que já apresentou suas explicações em depoimento à polícia. Ele também afirma que a denúncia “não tem cabimento” e que foi feita por adversários políticos de Danilo Joan.

    À reportagem, Joan disse que as aquisições de imóveis seguiram “rigorosos trâmites legais, com avaliação técnica, feita por perito judicial, parecer jurídico e destinação pública — principalmente para implantação de escolas e infraestrutura” e que as alegações carecem de comprovação.

    O que diz Danilo Joan

    Em conversa com o Metrópoles, Danilo Joan negou as acusações que estão sendo investigadas e disse que parte das denúncias já foi arquivada pela Justiça. Ele afirma que a motivação das acusações é política e que foram feitas por adversários em razão de ele ser pré-candidato a deputado estadual nas eleições do próximo ano.

    O ex-prefeito disse, ainda, que o responsável pelas denúncias tem um parceiro que já ficou oito meses preso por extorsão.

    “As denúncias foram apresentadas por um grupo político de oposição, composto por ex-servidores da gestão da ex-prefeita Paula Ribas. Inclusive, um integrante desse grupo já foi preso após tentar extorquir o ex-prefeito Danilo Joan. O candidato derrotado nas eleições municipais de 2024, Toninho Ribas, está utilizando o inquérito por ele instaurado para fins eleitorais, inclusive durante reuniões de cunho político”, afirma nota enviada pelo ex-prefeito.

    Joan ainda enviou decisões do Tribunal de Contas do Estado (TCE) aprovando as contas da gestão nos anos de 2019 a 2022. Argumenta ainda que não é alvo de nenhum processo desde que saiu da prefeitura, no fim de 2024.

    O que diz a Prefeitura de Cajamar

    A Prefeitura de Cajamar também afirmou, por meio de nota, que “parte dos fatos mencionados já foi objeto de análise em procedimentos anteriores, tendo sido arquivados pelo Ministério Público por ausência de elementos que indicassem irregularidades”.

    “Ressalta-se que o procedimento atualmente citado encontra-se em fase de investigação, sem qualquer acusação formal contra agentes públicos ou ex-gestores. Todas as informações apresentadas têm origem em denúncias recebidas, não representando conclusão ou imputação de autoria por parte da Polícia Civil ou do Ministério Público”, afirma.

    A gestão do prefeito Kauan Berto diz, ainda, que “todas as contratações, nomeações e investimentos realizados pela administração municipal seguem rigorosamente a legislação vigente e permanecem plenamente disponíveis aos órgãos de controle”.

    “Por fim, o município reitera seu compromisso com a transparência, a legalidade e a colaboração institucional, permanecendo à disposição das autoridades competentes para todos os esclarecimentos necessários”.