O sargento da Rota Marcus Augusto Costa Mendes foi indiciado por homicídio qualificado por matar com tiros à queima-roupa o policial civil Rafael Moura da Silva em uma “biqueira” na região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, no último dia 16 de julho. Ele também vai responder por tentativa de homicídio contra um outro policial, baleado de raspão na perna. Para a equipe de investigação, há indícios de fraude processual por parte do PM.
No relatório final do inquérito sobre o caso, apresentado no fim de outubro, os delegados Fernando Cesar de Souza e Antônio Giovanni de Oliveira Almeida Neto afirmam que o depoimento do PM é desmentido pelas imagens da câmera corporal acoplada à sua farda e que não houve, por parte da vítima, qualquer movimentação que justificasse o disparo.
“Não havia agressão, nem atual e sequer iminente — muito menos injusta — a ser repelida”, dizem os delegados. “As provas apontam que o investigado, sem respaldo fático concreto de ameaça iminente, realizou uma progressão tática apressada e armada no interior de uma comunidade onde outras forças de segurança atuavam.”
A filmagem da câmera corporal mostra o sargento usando uma chave para abrir o portão que dava acesso a uma viela e avançando rapidamente até se deparar com o agente Rafael Moura, que grita: “Polícia”. Mesmo assim, o PM efetua os quatro disparos. Ao perceber que se tratava de um policial, ele se desespera e começa a pedir ajuda.
No relatório, a equipe de investigação questionou a versão apresentada pelo sargento sobre por que ele tinha a chave que dava acesso à biqueira. Marcus Augusto alegou, em depoimento, que encontrou a chave no chão segundos antes e presumiu que ela abriria o portão da biqueira.
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O agente da Polícia Civil foi morto em 11 de julho
Material cedido ao Metrópoles
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Pedido de doação para o policial Rafael Moura
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Rafael Moura tinha 38 anos
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Segundo os delegados, a versão é desmentida pelo depoimento de um colega e pela filmagem de uma câmera de segurança instalada na rua paralela à entrada da viela, que registrou os PMs desembarcando da viatura momentos antes dos disparos na biqueira.
Eles ainda afirmam que há indícios de fraude processual, porque o sargento não apresentou a chave à polícia e se recusou a responder perguntas sobre o objeto.
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“A versão de Mendes de que ‘achou’ uma chave no escadão foi desmentida pelas evidências. As imagens e reconstruções mostram que ele se dirigiu diretamente ao portão de ferro da viela do tráfico com a chave, sem checar outros portões, indicando conhecimento e posse prévia do objeto”, afirmam.
“A chave não foi apresentada espontaneamente à Autoridade Policial, reforçando o indício de que a versão da abordagem fortuita foi forjada, sugerindo fraude processual”, acrescentam.
O relatório ainda destaca o fato de que o arquivo da gravação da câmera corporal foi enviado à equipe de investigação editado, começando depois de os PMs desembarcarem da viatura. Não foi enviada a trilha de auditoria da filmagem, documento que detalha o histórico de acionamento e de alterações no arquivo.
“O arquivo de vídeo das câmeras corporais fornecido pelo batalhão da PM não é o arquivo original, vindo previamente editado e concatenado, e não foi possível obter os metadados originais ou o log de auditoria, o que compromete a autenticidade e integridade do material e levanta suspeitas, comprometendo a cadeia de custódia da prova digital”, diz o documento.
Progressão inadequada
Os delegados responsáveis pelo inquérito afirmam que o sargento Marcus Augusto não fez uma progressão tática adequada pela viela, contrariando os procedimentos operacionais da Polícia Militar.
O trajeto, que segundo eles levaria em média um minuto e 10 segundos para ser percorrido, foi atravessado em cerca de 17 segundos pelo PM. Isso teria ocorrido porque ele não realizou a tomada de ângulo gradual no corredor em “L”.
“Ao privar-se desse campo visual mínimo, coloca-se numa situação de descumprir o princípio da necessidade, que exige o uso da força apenas quando indispensável e precedido de clara avaliação do ambiente”, diz o relatório.
“A filmagem demonstra, ainda, que não há qualquer pausa entre a corrida e o avanço armado; inexistiu a etapa de avaliação do grau de perigo indicada. […] Ao ultrapassar a quina, o militar entra diretamente no chamado ‘cone da morte’—o ponto mais vulnerável do beco—sem criar a chamada Área de Segurança, causando risco totalmente desnecessário inclusive para si mesmo”, complementa.
PM da Rota que matou policial civil
- O sargento Marcus Augusto Mendes foi afastado anteriormente de forma cautelar da Rota pelo prazo inicial de 90 dias, por determinação da Justiça, após a morte do policial civil Rafael Moura.
- Moura, agente de telecomunicações do 3º Cerco da Polícia Civil de São Paulo, estava em uma incursão com um colega no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, em 11 de julho.
- Em uma viela do bairro, Marcus e o cabo Robson Santos Barreto, também da Rota, encontraram Moura ao lado de outro policial civil.
- Os investigadores estavam com distintivo e chegaram ao local em viatura caracterizada. Ainda assim, Marcus atirou quatro vezes, e alegou que acreditava se tratar de traficantes.
- Rafael Moura foi atingido por três tiros, e foi internado em estado gravíssimo no Hospital das Clínicas, onde morreu em 16 de julho.
- O policial civil foi velado na Academia da Polícia Civil, na zona oeste de São Paulo, e sepultado no Cemitério da Saudade, em Taboão da Serra, na região metropolitana.
- Com a investigação, Marcus e Robson podem ser expulsos da PM e presos por homicídio.
- Um mês antes do episódio em que Moura foi baleado, a dupla Marcus e Robson esteve em outra ocorrência com resultado letal no Capão Redondo, a 500 metros da viela onde encontraram os policiais civis. O fato pesou para que os agentes fossem afastados e investigados.
