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Prefeitura defendeu livro de orixás em episódio com família evangélica

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Prefeitura defendeu livro de orixás em episódio com família evangélica

A Prefeitura de São Paulo já defendeu o livro infantil Ciranda em Aruanda, de Liu Olivina, no ano passado, em reação à insatisfação de uma família evangélica responsável por uma criança de 3 anos matriculada na rede municipal.

Na última semana, a obra também esteve envolvida em uma denúncia à Polícia Militar (PM) após uma criança de 4 anos desenhar uma orixá em uma Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) na zona oeste da cidade.

Ciranda em Aruanda: o que é o livro

Família evangélica disse estar “muito indignada” com obra

Em setembro de 2024, o deputado estadual Daniel Soares (União) enviou um ofício à Prefeitura de São Paulo pedindo “informações urgentes” sobre a distribuição do livro em uma creche da capital paulista.

O parlamentar acionou a gestão municipal após receber denúncia de uma família evangélica que disse ter ficado “muito indignada” com o teor dos livros distribuídos às crianças para atividade escolar.

Eles se referiam ao livro Ciranda em Aruanda, que aborda a mitologia dos orixás, e foi à época distribuído no Centro de Educação Infantil (CEI) Maria Nele, no Morro do Índio, zona sul da capital, para crianças a partir de 3 anos de idade.

“Por ser um período tão importante na vida de uma criança, solicito informações urgentes se há no projeto pedagógico matéria de ensino religioso, e se a resposta for positiva quais os livros que têm sido distribuídos para atividade, além do mencionado”, pediu Soares no ofício enviado à prefeitura.

Em resposta, a gestão municipal defendeu o livro de forma veemente. “A obra apresenta beleza e delicadeza nas ilustrações que não infantilizam a experiência de leitura de imagens realizada por bebês e crianças, mas trata a infância com sensibilidade e respeito por compor as páginas com personagens que habitam os diferentes ambientes da Terra, propondo uma conexão das infâncias com a natureza, sem apresentar entidades religiosas, mas personagens em relação com as florestas, com os mares, com o céu, com os rios, com o ar e com o fogo”, diz o documento obtido pelo Metrópoles.

“A mitologia dos orixás, apresentada nas poesias do livro, também abarca importantes elementos da intencionalidade pedagógica da educação infantil nas aprendizagens sobre natureza e cultura, pois cada orixá se relaciona com elementos da natureza, como o clima, a vegetação, os rios, os mares e praias”, continuou a prefeitura.

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Desenhos que alunos do EMEI Antônio Bento, em São Paulo, fizeram em atividade sobre religiões de matriz africana

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Desenho da orixá Iansã que motivou pai de aluna de escola infantil de São Paulo a chamar a polícia

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Desenhos de alunos do EMEI Antônio Bento, em São Paulo, em atividade intitulada “Ciranda de Aruanda”

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Capa do livro “Ciranda em Aruanda”, de Liu Olivina, publicado pela Editora Quatro Cantos

Reprodução/Liu Olivina/Editora Quatro Cantos5 de 6

No livro, a autora traz desenhos e informações sobre dez orixás

Reprodução/Liu Olivina/Editora Quatro Cantos6 de 6

Liu Olivina, autora de livro que inspirou atividade denunciada à PM

Acervo Pessoal

Justificativas para inclusão do livro no acervo oficial de SP

Na mesma resposta, a Prefeitura de São Paulo apresentou o processo e as justificativas para a inclusão de Ciranda em Aruanda no acervo oficial do município. Segundo a administração, a Secretaria Municipal de Educação (SME) adquire as obras da rede de ensino por meio de editais públicos, divulgados no Diário Oficial.

Uma comissão, constituída por formadores e educadores de todos os territórios da cidade de São Paulo, avalia e seleciona as obras enviadas pelas editoras.

“A diversidade na composição da comissão tem o objetivo de assegurar uma construção polissêmica do acervo e envolver diferentes profissionais da educação no trabalho pedagógico literário”, afirmou a prefeitura.

Segundo a gestão, as escolhas “não privilegiam crenças pessoais”, mas se baseiam em critérios pedagógicos do Currículo da Cidade, de 2019, e nos princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs).

Quem é Iansã, orixá retratada por criança e alvo de polêmica em escola

A gestão destacou outras obras do acervo que se baseiam em mitologias ou parábolas de diferentes religiões, principalmente cristãs, como Tem Um Lugar Para Todos, de Massimo Caccia, que discorre sobre a arca de Noé, e O Cântico dos Cânticos, de Ângela Lago, releitura de um livro bíblico com o mesmo nome.

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A resposta ao parlamentar também citou deuses gregos e romanos, que geralmente são apresentados como parte da “cultura clássica” e vistos como alicerce da civilização ocidental. Eles são apresentados como parte da herança cultural “universal”, desvinculados de prática religiosa e tratados como mitologia, “o que as torna aceitáveis em contextos laicos”.

“Por outro lado, as divindades africanas ainda carregam o peso da colonização e do racismo. As religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, foram criminalizadas no Brasil por muito tempo e, ainda hoje, são vítimas de preconceito e intolerância religiosa. Essa herança colonial faz com que muitas pessoas, inclusive dentro do ambiente escolar, vejam essas tradições religiosas com desconfiança ou como algo exótico e distante”, ponderou a prefeitura.

A SME considera que, quando livros literários baseados em mitologias africanas são adotados no acervo da escola pública, “trata-se de ampliar as diferentes manifestações culturais que estão presentes em nossa sociedade, como compromisso com educação integral, inclusiva e equitativa”.

“Sendo assim, a leitura do livro Ciranda em Aruanda também é parte do projeto da Unidade Educacional de trabalho com práticas antirracistas. Trata-se da constituição identitária da população brasileira que também tem ancestralidade africana”, justificou.

A Prefeitura ainda incluiu no ofício os benefícios que propostas pedagógicas do tipo podem proporcionar aos estudantes, como:

Pai acionou a PM após filha de 4 anos desenhar orixá

O pai de uma aluna da Escola Municipal de Ensino Infantil (Emei) Antônio Bento, no Caxingui, zona oeste de São Paulo, acionou a PM após descobrir que a filha de 4 anos fez um desenho da orixá Iansã em uma atividade no colégio. O caso aconteceu na tarde da última quarta-feira (12/11).

A atividade se baseia no currículo antirracista da rede municipal de ensino e utilizou o livro Ciranda em Aruanda. No dia anterior (11/11), o pai, que é soldado da Polícia Militar, já havia demonstrado insatisfação com o tema, e chegou a rasgar um mural com desenhos das crianças que estava exposto na escola, segundo a mãe de um estudante.

Depois do episódio, a direção do colégio indicou que o homem participasse, na quarta-feira, da reunião do Conselho da Escola, prevista para acontecer às 15h. Ele não compareceu ao encontro, mas acionou a PM.

Os PMs permaneceram dentro da Emei por pouco mais de uma hora. A abordagem foi considerada hostil por testemunhas. A supervisora de ensino foi acionada e também compareceu ao local.

Aos agentes, a direção da Emei citou as leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que tornam obrigatório em todo o território nacional o ensino de história e cultura afro-brasileira, e explicou que a atividade não tinha caráter doutrinário. As crianças teriam apenas ouvido a história do livro e fizeram um desenho na sequência.

Após o episódio, moradores dos bairros Caxingui e Instituto de Previdência fizeram um abaixo-assinado cobrando a atuação da Corregedoria da Polícia Militar contra os policiais que entraram armados na Emei.

O que dizem a SSP e a Prefeitura

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que, ao atender à ocorrência, os policiais conversaram com as partes – pai e diretora da instituição de ensino.

“Ambos foram orientados a registrar boletim de ocorrência, caso julgassem necessário. A Corregedoria da PM está à disposição para apurar eventuais denúncias sobre a conduta policial”, disse a pasta.

Na primeira resposta à reportagem, a SSP destacou que o uso do armamento, que inclui metralhadora, faz parte do Equipamento de Proteção Individual (EPI) dos policiais e é portado durante todo o turno de serviço.

Posteriormente, a pasta afirmou que a conduta dos policiais militares envolvidos na ocorrência será investigada, inclusive com “análise das imagens das câmeras corporais”.

Já a Prefeitura de São Paulo, por meio da SME, informou que o pai da estudante recebeu esclarecimentos de que o trabalho apresentado por sua filha integra uma produção coletiva do grupo.

“A atividade faz parte de propostas pedagógicas da escola, que tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena dentro do Currículo da Cidade de São Paulo”, reforçou a gestão municipal.

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