Investigado pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), Ygor Daniel Zago, conhecido como Hulk, é apontado como o principal articulador do núcleo do Primeiro Comando da Capital (PCC) responsável por adulterar combustíveis com metanol, fraudar bombas e lavar dinheiro por meio de empresas de fachada.
Também conhecido no mundo do crime como Pitoco, ele foi preso durante este último fim de semana em Portugal, em cumprimento a um mandado de prisão expedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e incluído na divisão vermelha da Polícia Internacional (Interpol). Zago estava foragido na Europa com a esposa, Fernanda Ferrari Zago, ao menos desde maio deste ano. A defesa deles não foi localizada e o espaço segue aberto para manifestações.
Relatórios da PF obtidos pelo Metrópoles mostram que Hulk revisava valores, determinava compras, autorizava pagamentos e mantinha diálogo direto com operadores do esquema no Brasil.
Criminoso foi detido no fim de semana pela Polícia Judiciária de Portugal
Reprodução/TJSP
Ele é apontado como cabeça de célula logística e financeira do PCC
Reprodução/TJSP
Hulk estava foragido em Portugal
Reprodução/TJSP
Arte/Metrópoles
Como o esquema gerava lucro
A quadrilha operava adulterando etanol e gasolina com metanol — substância mais barata e proibida para uso como combustível –, diluição com água, ampliação do volume ofertado, além de fraude nas bombas, entregando, com isso, menos combustível do que o registrado.
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Para burlar fiscalizações, os postos mantinham tanques duplos, com combustível limpo usado apenas durante inspeções. O levantamento policial mostra, ainda, que o grupo utilizava códigos internos para esconder os crimes: “pesado” seria o combustível com metanol; “hidratado”, o combustível diluído com água; e “game”, o golpe entregando menos combustível ao consumidor.
Palavra final
O Inquérito Policial da PF mostra que Ygor Daniel Zago era mais do que um operador financeiro: ele era um elo entre as ordens do alto comando do PCC e a execução das fraudes, circulando entre aqueles que adulteravam o combustível, os que abasteciam os postos e os que faziam a engrenagem financeira da facção rodar.
As mensagens analisadas pelos investigadores revelam que era ele quem, em vários momentos, dava a palavra final sobre pagamentos, volumes de metanol e ajustes nas práticas internas de adulteração, demonstrando função de supervisor técnico e financeiro.
Em outra troca de mensagens, ao ser informado sobre a necessidade de reforço de caixa, ele simplesmente autorizou o repasse de “mais R$ 120 mil na conta” de um posto de combustíveis, como consta no relatório policial. Esse tipo de ordem aparece repetida em diferentes momentos, sempre com Zago atuando como avalista do esquema, liberando cifras de alto valor para manter a produção e a distribuição.
Comando operacional
Apesar de formalmente ocupar funções ligadas à administração de empresas do grupo, Zago tinha interferência direta no dia a dia dos postos. Mensagens trocadas com um comparsa, responsável pela “ponta operacional”, mostram pedidos de atualização sobre tanques, qualidade do combustível e saída de carregamentos.
Quando surgiam dúvidas sobre a qualidade da mistura — especialmente nos momentos em que o metanol chegava mais concentrado — era Zago quem definia os limites. Em um trecho analisado pela PF, após receber alerta de que “o pesado veio mais forte”, indicando maior quantidade de metanol, ele orienta ajustes para evitar chamar atenção. Isso, segundo os investigadores, mostra que ele compreendia perfeitamente da dinâmica da mistura quanto os riscos de autuação.
Zago também mantinha contato direto com outro criminoso, identificado como “Alemão”, que trabalhava na manipulação do produtos adulterados.
Material cedido ao Metrópoles
Reprodução/Web
Dinheiro de esquema ligado a PCC era tanto que às vezes nem cabia em cofres de investigados
Reprodução
Foto da fachada da casa do traficante brasileiro preso em Portugal
Reprodução/PF
Foto da piscina da casa de Fant, em Portugal, usada em reality show
Reprodução/PF
Núcleo da liderança
A relação de Zago com Sérgio Dias da Silva, o Serginho, é descrita em termos claros pela PF, que aponta ambos como integrantes do núcleo de liderança da célula do PCC. Serginho conduzia negociações e articulações externas, enquanto Zago garantia o funcionamento financeiro e a manutenção das fraudes. Sérgio Dias segue em liberdade, segundo registros do TJSP consultados pela reportagem nessa segunda-feira (17/11). A defesa dele não foi localizada.
Trechos da investigação mostram que, quando operadores da quadrilha pediam aval para pagamentos, ajustes técnicos ou decisões mais delicadas, o nome de Zago surgia com frequência.
A PF afirma que essa dupla liderança permitiu que o grupo mantivesse regularidade nas práticas criminosas, mesmo quando enfrentava aumento de preços de insumos, pressões de fornecedores ou risco de fiscalização surpresa. Em um dos relatórios, os investigadores afirmam que ambos “centralizam informações de interesse da organização”.
Conexões financeiras e blindagem da grana
A investigação também aponta que Zago era figura essencial no fluxo de lavagem de dinheiro do grupo. Ele definia pagamentos feitos por empresas usadas como fachada, como a S4 Administração e a Stein Transportes, ambas sem funcionários registrados.
A S4 chegou a transferir mais de R$ 1,2 milhão para Fernanda Ferrari Zago, esposa de Zago, o que levou o Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP, a afirmar que ele “recebe parte de seus ganhos na organização criminosa por intermédio dessa conta bancária”. Já a Stein funcionava como elo entre postos abastecidos com combustível adulterado e fornecedores ligados ao transporte de metanol.
A movimentação financeira era intensa e fracionada, com repasses internos entre contas da própria S4 e pagamentos indiretos a operadores da quadrilha, todos liberados mediante autorização de Zago.
Fornecedores e operadores externos
O envolvimento de Zago também aparece em situações que transcendiam o núcleo central da quadrilha. Os investigadores registraram episódios em que ele tratava de acertos de contas com grupos paralelos, incluindo os chamados Irmãos D’mico, apontados em relatórios como os fornecedores de metanol.
Em certo momento, diante de uma diferença de valores, a PF registrou que Zago solicitou o pagamento de uma diferença de R$ 50 mil na conta de uma empresa de transportes. O apontamento é acompanhado da observação de que ele era o responsável por regularizar pendências com fornecedores do insumo usado na adulteração.
