O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) arquivou a ação penal que investigava dois policiais militares (PMs) por homicídio de um homem com esquizofrenia. A execução foi cometida na madrugada de 16 de agosto do ano passado em Diadema, na região metropolitana da capital paulista, e foi revelada pelo Metrópoles.
A mãe da vítima, Antônia Regina Gonçalves, presenciou toda a cena. “Foi um crime cruel. Eu vi o meu filho sendo assassinado, eu vi o desespero dele, a dor dele”, disse à reportagem.
Denner e Regina
Arquivo pessoal/Cedido ao Metrópoles
Denner quando criança
Arquivo pessoal/Cedido ao Metrópoles
Regina relata a dor de ter visto o filho ser morto em surto por policiais militares
Arquivo pessoal/Cedido ao Metrópoles
Denner, a mãe e um irmão
Arquivo pessoal/Cedido ao Metrópoles
Denner Wesley Batista dos Santos, 35 anos, era esquizofrênico e foi morto pela PM durante um surto
Reprodução
O que aconteceu
Denner foi diagnosticado com esquizofrenia aos 18 anos de idade e, desde então, fazia tratamento com medicamentos. Contudo, ele ainda apresentava episódios esporádicos de surto psicótico, como naquela madrugada de 16 de agosto.
A mãe dele chamou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e explicou que o filho estava em surto decorrente de quadro esquizofrênico. A equipe exigiu que ela acionasse também a Polícia Militar (PM) para garantir a segurança dos socorristas, o que foi feito.
Durante o surto, Denner portava uma faca de cozinha na mão e um chaveiro com um canivete em um bolso da calça. Após a chegada do SAMU, ele avançou na direção dos paramédicos empunhando uma das armas brancas, o que provocou a reação dos PMs.
Os soldados Pedro Henrique e Thiago William atiraram cinco vezes contra o homem. Um dos disparos atingiu um socorrista do SAMU de raspão na mão, e ele precisou ser hospitalizado.
Outros quatro projéteis acertaram Denner: no pescoço, na região do coração, no braço e nas costas. Ele morreu no local.
“Não tinha necessidade de quatro tiros, para quê? Um tiro só, talvez meu filho estivesse vivo”, disse Regina.
A mãe, que presenciou toda a ação, relatou ao Metrópoles à época o desespero de ter visto o filho sendo morto a tiros.
“Eu comecei a gritar, gritar, gritar para pararem. Meu filho estava de costas. De costas e estão alegando que foi legítima defesa. Legítima defesa de ter um doente, uma faquinha de cozinha. Por que não atiraram nas pernas do meu filho? Por que não deram choque nele?”, questionou a mulher.
PMs tinham taser e não usaram
Logo após o homicídio, um inquérito policial foi instaurado para apurar a ação policial e possível responsabilidade dos agentes. Com a apuração, foi solicitada as imagens das câmeras corporais dos soldados, o que revelou que a utilização de arma não letal era um tópico de discussão entre os policiais pouco antes dos disparos.
Em uma conversa capturada pelo áudio, um policial questiona: “Você sabe que ocorrência com faca não tem taser, né?”. A frase levantou dúvidas na Defensoria Pública do Estado (DPE) se haveria uma instrução para não utilizar o equipamento, o que não ficou esclarecido.
Outro trecho, captado pela câmera do soldado Thiago, mostra um PM perguntando: “Está com medo de choque, policial?”.
As imagens e os áudios captados pela investigação mostraram que os PMs possuíam taser durante a ação que resultou na morte de Denner. Um dos agentes, que não efetuou nenhum disparo, afirmou que segurava a arma não letal na mão, mas “não teve tempo hábil de acioná-la”.
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“Problema para louco é isso aí”
As câmeras corporais dos agentes também revelam que eles agiram com insensibilidade diante do ocorrido. A mãe de Denner já havia relatado ao Metrópoles que os policiais riram após tirarem a vida do rapaz, mas o inquérito registrou evidências de que os soldados também zombaram da vítima.
Logo após a morte de Denner, populares questionaram os policiais sobre a ação e destacaram que a vítima era portadora de uma doença psiquiátrica. Em resposta, um PM que conduziu a viatura de apoio da ação, e não efetuou nenhum disparo, afirmou que “problema para louco é isso aí”.
O mesmo policial fotografou com o seu celular pessoal a vítima e a faca que ela portava, antes da chegada da perícia ao local. Ele é um dos agentes que possuía taser durante a ação e afirmou, posteriormente, que não teve tempo de usar o dispositivo.
“Eu estava ali avisando que ele era doente, e mesmo assim fizeram isso. Agora estão aí rindo, como riram em cima do corpo do meu filho, todo ensanguentado”, disse a mãe da vítima se referindo ao arquivamento da ação penal.
Policiais voltam às ruas e ação é arquivada
Os soldados Pedro Henrique Leite Santos e Thiago William Martins, investigados pelo homicídio, nunca foram formalmente afastados da corporação.
Eles foram transferidos para o serviço administrativo logo após aos fatos, mas retornaram às ruas posteriormente, como informou a Secretaria da Segurança Pública (SSP) ao Metrópoles no início de setembro deste ano. Na época, a investigação ainda estava em andamento.
No último 11 de setembro, o promotor Marco Thulio Gonçalves, do Ministério Público de São Paulo (MPSP), promoveu o arquivamento do inquérito que investigava os soldados.
O promotor afirmou que as câmeras corporais dos PMs demonstram a dinâmica dos fatos e que reforçam as versões apresentadas pelos policiais e pelos socorristas. Ele também reforçou ser “inviável” a utilização de taser.
“Os policiais militares agiram amparados pela excludente de ilicitude da legítima defesa de terceiros”, afirmou Gonçalves. O promotor declarou ainda que “a ação ocorreu dentro dos rígidos limites da lei, sem que tenha sido constatado abuso ou excesso”.
Após representação do MPSP, o juiz José Pedro Rebello Giannini determinou o arquivamento da ação. A decisão foi comunicada à Polícia Civil de Diadema, que investigava o caso, na última terça-feira (18/11).
A mãe de Denner lamentou o arquivamento do processo. “Isso não existe… Não existe… Como podem liberar duas pessoas assim? E agora eu vou viver pelo quê? Eu não tenho nenhum motivo para continuar viva”, disse à reportagem.
Mãe usou dor do luto para criar associação
Regina utilizou a dor e angústia geradas com a morte de Denner para criar uma organização em prol de outras mães que sofrem com o luto de seus filhos: a Associação DW – A Força Materna do Luto à Luta. “Esta é minha luta hoje”, disse à reportagem.
Segundo ela, a dor da perda lhe causou desde o fim de relações pessoais até problemas financeiros. “Ninguém sabe o que eu estou passando. Ninguém sabe quanta doença eu estou aderindo. Ninguém sabe”, contou Regina.
“Uma parte de mim morreu [quando Denner foi morto] e a outra quando eu soube que esse promotor deu causa ganha para dois assassinos de farda”, desabafou a mãe.
