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    Brincando de aquecer o planeta (por Mariana Caminha)

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    Não mais que cinco minutos. Foi o tempo que levei para abrir o Google, procurar, encontrar e comprar o jogo. Eu tinha ouvido falar dele em um dos episódios mais recentes do Rádio Novelo Apresenta, meu podcast preferido. Quando escutei Vitor Hugo Brandalise e Branca Vianna comentando sobre um jogo cujo objetivo era comprar e operar concessões de petróleo para acumular “petrodólares” e se tornar o mais rico da mesa, achei que tinha entendido errado.

    Mas era verdade. E precisei comprar para crer.

    Confesso que me senti, de certa forma, traída pela Estrela – a marca que marcou minha infância, que povoou aniversários, prateleiras e memórias afetivas. Ainda hoje me custa acreditar que, em pleno século XXI, um jogo que reforça a ideia de que explorar petróleo é algo desejável, lucrativo e até divertido circule sem maiores questionamentos.

    Vale ouvir o episódio Regras do Jogo no seu tocador preferido para entender melhor essa história.

    O fato é que, em 1976, a Pressman lançou um jogo de tabuleiro chamado Petrópolis, uma espécie de Banco Imobiliário do universo do petróleo. A lógica é simples e perturbadora: “em vez de prédio, casa e hotel, o objetivo é montar campo de petróleo, plataforma e torre de perfuração”, explicou Brandalise no podcast.

    Eu ouvia incrédula.

    Procurada por Brandalise, a Estrela informou que o jogo foi relançado em 2022 a pedido dos chamados kidults — adultos que consomem brinquedos da própria infância movidos pela nostalgia. Um mercado em franca expansão. O relançamento, segundo a empresa, seria um agrado a esse público.

    O problema é que nenhuma atualização foi feita. Nenhuma contextualização. Nenhuma nota, nenhuma carta ao jogador, nenhum incômodo sequer com o fato de que combustíveis fósseis estão no centro da maior crise da história da humanidade. E convenhamos: essa informação é tão fundamental para crianças quanto para adultos desinformados — ou, pior, negacionistas.

    O Petrópolis saiu novamente de catálogo, mas segue fácil de encontrar na Internet. Eu comprei. Não para jogar. Comprei como objeto de estudo, como caso de comunicação, como ferramenta pedagógica improvisada. Para lembrar – e lembrar aos que estão à minha volta – que a crise climática não está apenas nos relatórios científicos ou nas conferências internacionais. Ela também se esconde nas estantes de brinquedos, nas embalagens coloridas, nas regras aparentemente inocentes de um jogo de tabuleiro.

    E talvez seja justamente aí – no lugar mais banal e aparentemente inofensivo – que a disputa de narrativas se torne mais decisiva.

    Na foto que ilustra esse texto, meu filho Santiago, de 11 anos. Ele já sabe que a crise climática não é brincadeira.