A segurança pública já é campeã por antecipação no podium de preocupações do eleitor em 2026. Porém, correndo por fora das pesquisas, a mudança climática concorre como ameaça em larga escala para o bem-estar humano. Não poderia haver expressão melhor para definir o aquecimento global do que “uma verdade inconveniente”, como dizia o Vice-Presidente ianque Al Gore, levando-se em conta não só as causas das alterações galopantes no clima, mas seus impactos, quem sabe, irreversíveis.
Para quem mora nas cidades, o tema do clima ainda remete a imagens distantes de geleiras derretendo e baleias encalhadas. Sem notarmos o que tem a ver com nosso dia a dia, ainda estamos (mercado, Estado e sociedade) desatentos à dependência entre a vidinha urbana daqui e o que acontece lá nas florestas, mares, terras indígenas, semiárido ou Groenlândia.
É bem verdade que as prefeituras já sabem o que é desenvolvimento sustentável, tratamento de resíduos e economia de água, implementando políticas atenuantes e alguns controles de agressões ao meio ambiente. A má notícia é que já não basta mais prevenir. É preciso reconhecer a necessidade de incorporar a noção de “adaptação climática” ao debate municipal sobre defesa civil, habitação, mobilidade, migração, infraestrutura, segurança pública, saneamento, água, energia e outros.
Significa que, mesmo que o mundo interrompa hoje toda a emissão de gases efeito estufa, a mudança climática e seus efeitos não cessam de imediato, tampouco regridem. Adaptações climáticas são aquele tipo de providências e adequações inadiáveis para viabilizar nossa convivência com os efeitos duradouros das alterações no clima.
Sabe-se, por exemplo, que 60% da humanidade vive em áreas urbanas e 80% das cidades mundo afora ficam na costa oceânica ou perto de rios. Uma elevação do nível dos mares desencadeia uma desarrumação fundiária nas cidades, assim como inutiliza esgotos e a emissão submarina de dejetos, com efeitos imprevisíveis sobre os setores imobiliário, turístico, transportes, seguros, pequenos negócios e construção civil.
No Brasil não é diferente. Temos 85% das pessoas vivendo nas cidades, cujo crescimento no século XX criou profundas desigualdades de riqueza, renda e oportunidades, bem como da oferta de infraestrutura e serviços públicos. O caráter caótico do clima exige que os municípios se capacitem sem demora para planejarem suas adaptações climáticas urbanas.
Haverá modificações nos fluxos migratórios e as áreas de risco e encostas ficarão ainda mais instáveis e populosas. A infraestrutura de comunicação, gás e energia precisará ser redesenhada. Os mais pobres têm menor capacidade de adaptação e serão os mais afetados, apesar de serem os menores responsáveis pelas decisões e ações que provocam a mudança climática. As adaptações climáticas urbanas deverão mitigar a reprodução da desigualdade social em aspectos como desemprego, moradia, mobilidade, acesso à água potável, esgotos, deslizamentos, elevação dos preços de bens e serviços, violência, entre outros.
Mais do que nunca, o planejamento da cidade precisará ser amplamente participativo e transparente, atuando-se sobre os mapas da insegurança e da desigualdade urbana, de maneira integrada e territorial. Isso abrange os orçamentos municipais, estaduais, federal e emendas parlamentares.
Felipe Sampaio: Foi Secretário-Executivo substituto no Ministério da Micro e Pequena Empresa; dirigiu a área de estatísticas no Ministério da Justiça; chefiou a assessoria especial do Ministro da Defesa; atuação em grandes empresas, ONGs e programas multilaterais (Banco Mundial, ONU/PNUD, BID e OEA/IICA); cofundador do Centro Soberania e Clima; sócio da Terra Consultoria; foi empreendedor em mineração; presta assessoria à presidência do Ibram.
