Portal Estado do Acre Notícias

CIDE-Bets: imposto pode empurrar apostadores para o mundo clandestino

cide-bets:-imposto-pode-empurrar-apostadores-para-o-mundo-clandestino

CIDE-Bets: imposto pode empurrar apostadores para o mundo clandestino

A proposta parece simples no papel. Criar uma nova contribuição para arrecadar bilhões e financiar áreas como a segurança pública. Mas, na prática, segundo especialistas do setor de apostas, a chamada CIDE-Bets pode produzir exatamente o efeito contrário ao desejado: enfraquecer o mercado regulado, reduzir a arrecadação e fortalecer o mercado clandestino.

No centro desse debate está André Gelfi, diretor conselheiro e cofundador do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), entidade que reúne as principais operadoras legalizadas do Brasil e do mundo e atua em dois pilares centrais: combate às plataformas ilegais  e promoção do jogo responsável.

Em entrevista ao Metrópoles, Gelfi detalha por que a criação da CIDE-Bets, nos moldes em discussão no Senado, pode representar um risco estrutural para todo o sistema recém-regulamentado no Brasil.

Como o setor de apostas recebe o debate sobre a CIDE-Bets neste momento?

O nosso setor passa por seguidos desafios para esclarecer como funciona, qual é sua capacidade de contribuição para a sociedade e qual é, de fato, o seu impacto. Trata-se de uma indústria muito nova, e que frequentemente surge em diferentes debates como uma espécie de solução rápida para problemas nacionais.

O ponto crítico é quando decisões estruturais são tomadas sem considerar a realidade econômica do setor, como no caso das CIDE-Bets. Para o IBJR, uma mudança abrupta nas regras como essa pode ser devastadora e comprometer a sustentabilidade do mercado regulado. Justamente o mercado que o país busca consolidar.

A medida prevê tributar o valor total apostado (turnover) como forma de desestimular os jogos on-line. Mas a experiência internacional demonstra que elevar de maneira brusca a carga tributária de um setor recém-regulado encarece a operação, reduz a competitividade das empresas que seguem a lei e, ao mesmo tempo, fortalece as bets clandestinas.

Como o caso da Colômbia, por exemplo, que piorou com tributação mal calibrada e gerou uma migração de apostadores para as plataformas ilegais.

Qual é, na prática, a principal missão do IBJR neste cenário?

Hoje, nós representamos cerca de 75% do setor de apostas online. E a missão do IBJR é construir um ecossistema de apostas online íntegro, sustentável e responsável. Para que isso aconteça, atuamos em dois pilares.

O primeiro é o combate ao mercado clandestino, apoiando os órgãos competentes, como a Secretaria de Prêmios e Apostas, o Banco Central e a Anatel, por exemplo, no trabalho contra as plataformas não regulamentadas. Em seguida, temos o jogo responsável, pois acreditamos ser fundamental trazer ações e mecanismos que ajudem o público a jogar respeitando seus limites financeiros e emocionais.

Defendemos que a fiscalização efetiva, o estrangulamento de operações financeiras e campanhas educativas são medidas urgentes para proteger a população e assegurar que os benefícios do setor fiquem no Brasil.

O setor vive um momento decisivo: ou o Brasil consolida um ambiente seguro, regulado e economicamente competitivo, ou corre o risco de empurrar novamente milhões de apostadores para a ilegalidade.

Por que a criação da CIDE-Bets pode afetar a sustentabilidade do mercado?

Quando você muda as regras do jogo, pode impactar diretamente a sustentabilidade de uma atividade saudável. Quando a regulação torna o mercado legal inviável, o efeito imediato é o fortalecimento do mercado clandestino. Justamente o oposto do que buscamos ao defender um setor seguro e responsável.

A lógica é simples: quanto mais caro se torna o jogo legal, mais atrativo fica o jogo ilegal.

Em um ambiente digital, onde um site clandestino está a apenas um clique de distância, qualquer diferença de preço pode resultar em migração de usuários para plataformas não reguladas.

O relator no Senado mencionou arrecadar até R$ 30 bilhões com a CIDE-Bets. Esse número é viável?

Ele fala em arrecadar R$ 30 bilhões, mas não apresenta nenhuma base técnica que explique como esse valor seria alcançado. Segundo dados da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), o mercado registrou R$ 17 bilhões no primeiro semestre. Projetando para o ano inteiro, chegamos a algo entre R$ 36 e R$ 38 bilhões de faturamento.

Se o mercado fatura cerca de R$ 36 a R$ 38 bilhões, arrecadar R$ 30 bilhões significaria aplicar uma carga superior a 80% sobre o faturamento. Esse nível de tributação simplesmente inviabiliza o setor. Especialmente para as empresas que decidiram se formalizar, pagar outorga, montar operação no Brasil e se submeter à fiscalização em tempo real.

Diante dessa cobrança, o operador não tem alternativa. Ele precisa repassar o custo ao consumidor. É a única forma de manter margem e não fechar as portas. O problema é a reação da demanda.

Com a CIDE de 15% sobre depósitos, uma aposta de R$ 100 passa a custar R$ 115 no mercado regulado. No mercado clandestino, os mesmos R$ 100 continuam valendo R$ 100. É uma diferença imediata de preço criada por lei.

O apostador não vai pagar mais caro no mercado autorizado, uma vez que ele encontra o mesmo produto por menos no mercado ilegal. Essa distorção asfixia o operador regular, reduz a base tributária e empurra o consumidor para a clandestinidade. É exatamente o oposto do que o país precisa.

Hoje, qual é o tamanho real do mercado clandestino no Brasil?

Atualmente, 51% do mercado brasileiro opera na clandestinidade, segundo dados de uma pesquisa que pedimos para a LCA Consultoria Econômica. Além disso, estima-se que 61% dos apostadores do país fizeram pelo menos uma aposta em plataformas ilegais. E isso somente no primeiro semestre deste ano, de acordo com outro levantamento do Instituto Locomotiva.

Um ponto importante, também da LCA, é que o mercado clandestino movimenta cerca de R$ 38 bilhões por ano sem pagar impostos, gerando uma evasão tributária próxima de R$ 10,8 bilhões anuais. É um volume significativo de recursos que deixa de financiar políticas públicas e circula sem qualquer tipo de controle ou proteção ao consumidor.

Então o aumento de impostos antes de combater o mercado ilegal seria prematuro?

O Brasil falar em aumento de impostos antes de enfrentar o que é prioritário (que é o combate ao jogo clandestino) é, sim, prematuro. São medidas inócuas. Se o objetivo é ampliar a arrecadação, o primeiro passo é formalizar o mercado. A lógica correta é trazer o ilegal para dentro do sistema e só depois discutir carga tributária. Fazer o inverso produz o efeito oposto.

O exemplo da Colômbia é ilustrativo. Quando o país decidiu criar um imposto de 19% sobre depósitos, o tamanho do mercado recuou de forma expressiva, na ordem de 30%, segundo dados amplamente divulgados pelo setor. A arrecadação também caiu. Não por falha de fiscalização, mas porque o mercado formal perdeu competitividade e a atividade migrou para operadores não autorizados. É exatamente a mesma mecânica que se discute aqui.

Em 2025, a Holanda viveu um processo semelhante: ao aumentar a carga tributária, o mercado ilegal superou o legal, corroendo a base regulada e reduzindo os recursos disponíveis para políticas públicas.

Esses exemplos mostram que aumentar imposto antes de combater o ilegal não só é prematuro: é contraproducente.

No caso brasileiro, o impacto seria maior?

Sim. Hoje, a taxa de canalização é de apenas 49%, ou seja, metade do mercado já opera fora da legalidade. Quando se cobra imposto diretamente do apostador, cria-se um “bônus invertido” que favorece o mercado clandestino.

Se o apostador deposita 100 reais em um site regulado e vê apenas 85 reais, porque 15 reais ficaram com o governo, ele vai decidir jogar onde? No site legal ou no clandestino, que está a um clique de distância?

Nesse cenário, o impacto deixa de ser apenas fiscal e passa a ser também social e de segurança pública. No mercado regulado, há uma série de sistemas de segurança obrigatórios: reconhecimento facial, limites de apostas, mecanismos de autoexclusão, certificação independente dos jogos e monitoramento em tempo real pela Secretaria de Prêmios e Apostas.

Quando um jogo está em uma plataforma regulada, ele foi certificado e passou pelo crivo da SPA. O prêmio será pago porque existe lastro financeiro e fiscalização on-line.

Já em um site clandestino, o mesmo jogo pode ser manipulado. Você pode ganhar e não receber, e não existe sequer a quem recorrer.

Como o governo pode, de fato, asfixiar o mercado ilegal?

São três medidas fundamentais: publicidade, meios de pagamento e regulamentação dos fornecedores de jogos.

Na prática, isso significa bloquear a engrenagem que sustenta o clandestino. Ou seja, impedir que ele anuncie, que receba dinheiro de forma simples e que tenha acesso aos mesmos fornecedores de software usados pelas plataformas reguladas.

Países como a Inglaterra exigem que o fornecedor só possa vender para site autorizado. A gente entende que isso é fundamental.

O IBJR também oferece ferramentas diretas ao apostador. Como elas funcionam?

O instituto mantém, em seu site, dois serviços de utilidade pública. O primeiro é o Bet Alert, ferramenta em que o usuário pode verificar se uma plataforma de apostas é autorizada pelo governo brasileiro.

O segundo é a aba de Mitos e Verdades, que esclarece dúvidas sobre jogo responsável, golpes, funcionamento do setor e direitos do consumidor.

Essas ferramentas funcionam como uma espécie de “bússola digital” para o apostador navegar em um mercado que ainda está em fase de consolidação no país.

Qual é o principal recado do IBJR ao Congresso sobre a CIDE-Bets?

“A CIDE-Bets é um formato de tributação absolutamente indesejado para a dinâmica do mercado. Ela vai no apostador ao invés da empresa e isso é um incentivo, um bônus invertido para o mercado clandestino. A experiência internacional ratifica o que a gente está dizendo.”

Entre arrecadar mais e arrecadar melhor

Hoje, o setor de apostas já contribui de forma expressiva para os cofres públicos.

Em 2025, a estimativa é de cerca de R$ 9 bilhões em tributos federais, além de aproximadamente R$ 600 milhões em tributos municipais. Esses recursos são destinados a áreas como saúde, educação, esporte, turismo e segurança pública.

Para o IBJR, o grande erro do debate atual é tentar aumentar a carga de quem já paga em vez de atacar o principal problema, que é o mercado clandestino.

Antes de apostar, o consumidor pode consultar gratuitamente:

Bet Alert: verifica se a plataforma é legalizada

Mitos e Verdades: esclarece dúvidas sobre jogo responsável

Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR)

Site | Instagram | YouTube | LinkedIn

Sair da versão mobile