MAIS

    Com celular proibido, alunos trocam ChatGPT por perguntas ao professor

    Por

    Quando a professora de Daniel Resende, de 15 anos, passava uma lição para a turma, na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Meire de Jesus Ribeiro, em Cidade Tiradentes, zona leste da capital paulista, ele era um dos primeiros a entregar. “Ela falava que eu era um expert”, conta o adolescente. A agilidade tinha uma explicação: não era Daniel quem fazia a lição, e sim o ChatGPT.

    O menino usava a inteligência artificial no celular para fazer trabalhos em sala de aula, sem que a professora notasse. Desde que o uso dos aparelhos foi proibido nas escolas públicas e privadas, no entanto, Daniel teve que deixar de lado o ChatGPT. “Agora eu demoro umas três aulas para entregar, antes era em cinco minutos”, brinca ele.

    O ano letivo nas escolas públicas e privadas de São Paulo chega ao fim neste mês de dezembro com um marco histórico: pela primeira vez, crianças e adolescentes não puderam usar o celular dentro dos colégios.

    A medida, imposta por meio da lei estadual nº 18.058, de 2024, e da lei federal nº 15.100, de 2025, começou a valer no início deste ano e cobrou uma mudança nos hábitos dos estudantes e das escolas.

    Com celular proibido, alunos trocam ChatGPT por perguntas ao professor - destaque galeria7 imagensMariana usa celular na saída da escola estadual onde estudaO uso das redes sociais pode ser prejudicial à saúde mental das adolescentes Adolescentes usam celularEstudantes dizem que proibição melhorou socialização e que agora prestam mais atenção na aulaDiretora e coordenador de escola municipal relatam ganhos de aprendizagem, melhoria no convívio entre alunos, e queda de cyberbullying com fim de celulares nas escolasFechar modal.MetrópolesAluna usa celular em frente à escola1 de 7

    Aluna usa celular em frente à escola

    Jessica Bernardo / MetrópolesMariana usa celular na saída da escola estadual onde estuda2 de 7

    Mariana usa celular na saída da escola estadual onde estuda

    Jessica Bernardo / MetrópolesO uso das redes sociais pode ser prejudicial à saúde mental das adolescentes 3 de 7

    O uso das redes sociais pode ser prejudicial à saúde mental das adolescentes

    FreepikAdolescentes usam celular4 de 7

    Adolescentes usam celular

    Getty ImagesEstudantes dizem que proibição melhorou socialização e que agora prestam mais atenção na aula5 de 7

    Estudantes dizem que proibição melhorou socialização e que agora prestam mais atenção na aula

    Jessica Bernardo / MetrópolesDiretora e coordenador de escola municipal relatam ganhos de aprendizagem, melhoria no convívio entre alunos, e queda de cyberbullying com fim de celulares nas escolas6 de 7

    Diretora e coordenador de escola municipal relatam ganhos de aprendizagem, melhoria no convívio entre alunos, e queda de cyberbullying com fim de celulares nas escolas

    Jessica Bernardo / MetrópolesSem celular, alunos aumentaram as brincadeiras no intervalo de escola municipal de SP 7 de 7

    Sem celular, alunos aumentaram as brincadeiras no intervalo de escola municipal de SP

    Jessica Bernardo / Metrópoles

    “Eu gostava de trazer o celular [antes da proibição]”, conta Daniel. Além do ChatGPT, ele diz que usava o aparelho para jogos online, onde conheceu “até um amigo do Rio Grande do Sul”.

    Apesar disso, ele acha que o veto ao celular na escola foi bom. “Aumentou o interesse nos estudos, principalmente na minha sala. Eu via que tinha muita gente que não prestava atenção na aula. Até o ano passado, ainda tinha gente na minha sala que não sabia ler direito. Hoje já conseguem escrever e ler melhor”.

    Daniel diz que a turma também passou a tirar mais dúvidas com os professores. “Antes qualquer coisinha [a gente] já pesquisava na internet. Agora o pessoal já pergunta mais pra professora”.

    Para as irmãs gêmeas dele, Beatriz e Bruna Resende, de 12 anos, que estudam na mesma escola, uma das principais mudanças desde que a regra entrou em vigor foi na hora do recreio. “No intervalo tinha gente que não socializava”, conta Beatriz.

    Até a fila para a merenda aumentou depois da proibição, elas contam – antes alguns alunos ficavam mexendo no aparelho e “esqueciam” de comer. Sophia Marques, de 11 anos, não perdia a hora da merenda, mas conta que comia com o celular grudado.

    “Eu colocava do lado e comia assistindo. Eu salvava filme da Netflix no celular e ficava vendo com as minhas amigas”, diz ela.

    A menina, que está no 6º ano, tem o aparelho há quase dois anos. “Minha mãe não aguentava mais que eu ficava mexendo no celular dela”, diz Sophia sobre como ganhou o próprio smartphone, onde assiste séries e filmes, além de jogar jogos.

    Matheus Henrique, de 11 anos, também ganhou o celular com a mesma idade que a amiga. Ele diz que não usa muito o aparelho, só para jogar, e que a mãe não deixa ele ficar o tempo todo com o celular nem quando está em casa.

    Leia também

    Na escola, ele não tem mais trazido. Mas diz que tem um amigo “viciado” no aparelho. “Ele ainda traz celular. Fica mexendo no Instagram e não presta atenção na aula”, conta.

    Matheus diz que o amigo esconde o celular quando a professora olha. Mesmo assim, sente que o colega melhorou alguns comportamentos desde a proibição, principalmente no intervalo.

    “Antigamente, ele ficava muito no celular e não fazia amizade. Agora tá até melhor”, diz ele.

    A diretora da escola, Cristiane dos Santos, diz que mesmo quem ainda tenta burlar a proibição evita usar o aparelho no recreio, com medo de ser visto pelos funcionários.

    O colégio criou um protocolo: sempre que um aluno é pego com o celular, vai para a diretoria. O aparelho só é devolvido quando um responsável vai até a unidade.

    “Já teve resistência, de aluno que não queria entregar”, lembra ela. A equipe, então, ligou para o pai do menino que não só autorizou a escola a recolher o aparelho, como deixou o filho três dias sem celular depois do episódio.

    O apoio dos pais à proibição, segundo a diretora, tem sido fundamental para que a restrição funcione.

    Cristiane diz que o veto ao aparelho melhorou o convívio entre as crianças e adolescentes, reduziu o cyberbullying entre os alunos, e tem tido resultados positivos também nas salas de aula, com alunos mais focados.

    O maior desafio ainda está nos estudantes mais velhos, dependentes a mais tempo dos aparelhos. O cenário se repete em outras escolas segundo estudantes e profissionais da educação ouvidos pelo Metrópoles.

    Um estudante do 3º ano do ensino médio da Etec Takashi Morita, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, com quem a reportagem conversou admitiu que é mais difícil deixar de usar o celular.

    Especialistas afirmam que alguns alunos passaram a ficar mais ansiosos sem o aparelho, um sinal da chamada nomofobia – transtorno reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e caracterizado pelo medo irracional de estar sem celular.