A investigação que levou à descoberta de uma fábrica clandestina de fuzis e pistolas no interior paulista mostrou que, para manter a produção ativa, a quadrilha não se valia apenas de usinagem de precisão.
O que sustentava o esquema, segundo investigação da Polícia Federal (PF), obtida pelo Metrópoles, era um sistema organizado de supressão de rastros, feita por meio de uma organização silenciosa, iniciada com a troca periódica de celulares e concluída com a ocultação intencional de peças de armamento durante o transporte.
Relatório policial detalha que os investigados — que tinham entre os clientes a facção criminosa Comando Vermelho, do Rio de Janeiro — variavam não só os aparelhos usados, mas também a forma de comunicação, alternando entre aplicativos, números pré-pagos e mensagens enviadas por intermediários. Isso reduzia a chance de que uma única quebra de sigilo comprometesse toda a estrutura.
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Peças de armas eram projetadas e feitas clandestinamente
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Armamento era montado em Bunker no interior de SP
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Ação conjunta da PF e PM apreendeu dezenas de fuzis
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Armamento era negociado com criminosos
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Um dos supostos clientes do grupo seria o Comando Vermelho
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Supeitos com formação técnica trabalhavam para quadrilha
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Dono de fábrica consta entre os investigados
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Arte Alfredo Henrique/Metrópoles
Um policial federal, apontado na investigação como responsável pela análise telemática do caso, afirmou que os fluxos eram construídos para serem temporários.
“Trocavam de chip com frequência incomum, o que dificultava a identificação de padrões e exigia acompanhamento contínuo para estabelecer vínculos entre as conversas”, relatou.
Códigos e instruções fragmentadas
A forma de comunicação dos criminosos também chamou a atenção da PF. A quadrilha, como mostra a investigação, usava expressões vagas, referências indiretas e instruções repassadas por etapas. Os policiais que analisaram as mensagens afirmaram no relatório que os envolvidos usavam códigos rudimentares, mas eficazes o suficiente para indicar o que deveria ser transportado ou produzido — sem mencionar explicitamente peças de armas, nomes de clientes ou localidades de entrega.
Em mais de um trecho, o processo registra mensagens que falam em “material pequeno”, “o de sempre”, “o lote do cara do outro estado” ou “aquelas quatro”. Para os investigadores, esses códigos se encaixam no contexto da cadeia de produção identificada na fábrica clandestina.
Pagamentos fracionados
Os investigadores também identificaram movimentações financeiras compatíveis com a tentativa de esconder receitas e pagamentos. Os valores eram divididos em vários depósitos menores, muitas vezes realizados em caixas eletrônicos ou por intermédio de terceiros, evitando transferências de alto valor que pudessem acionar mecanismos de controle.
A análise bancária mostra que parte do dinheiro circulava por contas abertas recentemente ou pertencentes a pessoas sem relação aparente com o núcleo de produção.
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Projetos eram posteriormente executados em fábrica no interior paulista
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Armas eram projetadas em 3D
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Armas eram montadas no interior de SP
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Armas eram repassadas para facções no Rio e nordeste
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Peças eram feitas com maqunário de fábrica que deveria produzir peças aeroespaciais
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Armas custavam entre R$ 8 mil e R$ 15 mil
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Produção sem registros
Além da comunicação fragmentada e das finanças dispersas, o processo aponta para práticas de ocultação dentro da própria fábrica. Peças defeituosas eram descartadas sem constar registros e, também, não haviam planilhas, rascunhos ou qualquer documento interno que indicassem a quantidade produzida, rejeitada ou enviada.
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) destacou que a ausência “completa de registros de produção” indica “a intenção de dificultar eventual auditoria ou reconstrução das etapas do processo.”
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Rota recriada a cada envio
As rotas usadas pelos transportadores também seguiam a lógica de não deixar marcas. A movimentação variava semanalmente, apesar de envolver sempre o mesmo conjunto de cidades do interior paulista. Em alguns casos, quando uma entrega era concluída, o trajeto seguinte alterava pontos intermediários ou horários, dificultando a repetição de padrões.
Em relatório da PF, referente aos deslocamentos feitos pela quadrilha, é afirmado que os condutores modificavam horários e trajetos de forma deliberada, como se buscassem evitar a criação de uma rotina.
Esquema sustentado pelo apagamento
A investigação policial indica que a quadrilha só conseguia manter a produção clandestina porque combinava estrutura industrial, logística descentralizada e supressão sistemática de rastros. A usinagem sofisticada produzia as peças; as mulas técnicas as movimentavam; e a engrenagem do apagamento impedia que a atividade deixasse marcas detectáveis.
Para os investigadores é justamente essa combinação que diferencia o caso do interior paulista de outras apreensões já feitas: não se tratava apenas de fabricar armas, mas de criar condições para que a produção não pudesse ser rastreada.
Segundo um dos relatórios assinados pelo delegado federal que coordenou as diligências, responsável por supervisionar a operação desde a fase inicial, a estrutura operava de modo profissional, com segmentação de tarefas e medidas claras voltadas a minimizar a exposição dos envolvidos, “demonstrando consciência dos riscos e experiência prévia nesse tipo de atividade.”
