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    CPMI do INSS esbarra em HCs, não atinge políticos e agora mira bancos

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    Palco de disputa de narrativas entre governistas e bolsonaristas, a CPMI do INSS esbarrou em uma série de habeas corpus (HCs) que garantiram o silêncio a investigados pelas fraudes contra aposentados durante quatro meses de trabalho, não avançou sobre políticos suspeitos e agora promete focar nos empréstimos consignados dos bancos na retomada da comissão, em fevereiro de 2026.

    Embora tenha perdido a relatoria e a presidência da CPMI, instalada em agosto, após pressão política motivada pelas operações da Polícia Federal (PF) contra o esquema bilionário de descontos indevidos revelado pelo Metrópoles, o governo escalou uma tropa de choque para blindar aliados e parentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na comissão.

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    Até agora, a estratégia foi eficiente. Na última sessão do ano, por exemplo, no dia 4/12, senadores e deputados governistas conseguiram barrar as convocações do empresário Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho mais velho do presidente, e de Jorge Messias, advogado-geral da União que foi indicado por Lula para o Supremo Tribunal Federal (STF).

    Lulinha foi acusado por um ex-funcionário do lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, de receber pagamentos milionários do principal operador financeiro das fraudes nas aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A convocação do denunciante, chamado Edson Claro, também foi derrubada.

    Relator da CPMI, o deputado federal Alfredo Gaspar (União-AL), insistiu na convocação de Edson Claro e disse que o funcionário havia sido ameaçado de morte pelo Careca do INSS. “Ele [Edson Claro] já disse que quer falar e tem muito a esclarecer, inclusive sobre a linha dos consignados. Não é justo blindarmos alguém que rompeu com a estrutura criminosa e quer colaborar”, disse Gaspar na ocasião.

    A base governista reagiu imediatamente. O deputado e ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta (PT-RS), por exemplo, disse que a convocação de Claro seria uma espetacularização dos trabalhos da CPMI. “Aqui não é delegacia de polícia nem palco para espetáculo midiático. Não vamos transformar a CPMI em espaço de disputa pessoal ou de vídeos para internet”, criticou.

    Dois meses antes, a CPMI já havia rejeitado o depoimento de Frei Chico, irmão de Lula e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), uma das entidades investigadas na farra dos descontos. No mesmo dia, a base do petista conseguiu brecar a quebra de sigilo do ex-ministro Carlos Lupi (PDT), que foi demitido em maio, após a primeira operação da PF.

    A blindagem política também poupou na CPMI, até agora, o senador Weverton Rocha (PDT), vice-líder do governo Lula e um dos alvos da última fase da Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 18/12. Ao longo dos últimos meses, o colunista Tácio Lorran, do Metrópoles, mostrou uma série de ligações do parlamentar e de seus aliados com a Farra do INSS.

    Outros políticos citados em investigações da PF, como o deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG) e o deputado estadual Edson Araújo (PSB-MA), também não tiveram requerimentos aprovados. Assim como Rocha, eles negam participação nas fraudes.

    A exceção foi o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), opositor de Lula, que foi convocado na última sessão do ano para explicar os empréstimos consignados da Zema Financeira, empresa de sua família.

    Ex-ministros ouvidos

    Logo nos primeiros dias de trabalho da CPMI do INSS, foi anunciado que os pedidos de convocação a ministros e ex-ministros seriam convertidos para convites, que podem ser recusados, ao contrário das convocações.

    O atual ministro da Previdência, Wolney Queiroz (PDT), iria à CPMI em 1º de dezembro, mas adiou o depoimento alegando uma viagem na data. Os ex-ministros Carlos Lupi (PDT), Onyx Lorenzoni (PP) e José Carlos Oliveira (PSD) prestaram depoimento à CPMI e negaram participação nas fraudes que podem ter desviado até R$ 6,3 bilhões das aposentadorias desde 2019, durante os governos de Jair Bolsonaro (PL) e do presidente Lula (PT).

    À CPMI, Oliveira negou indícios apontados pela PF de que ele seria ligado a empresários e associações que fizeram parte do esquema fraudulento. Na ocasião, o presidente da comissão, o senador Carlos Viana (Podemos-MG), saiu da reunião irritado. “Ninguém sabe de nada. Ninguém viu nada. Ninguém conhece ninguém. E só ficou sabendo depois que a Polícia Federal se manifestou”, ironizou.

    Em 13 de novembro, Oliveira passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica por determinação do ministro André Mendonça, relator da investigação do INSS no STF.

    STF concedeu 21 habeas corpus

    Durante os quatro meses de funcionamento da CPMI, que tem prazo final previsto para 28 de março, ao menos 21 habeas corpus foram concedidos a alvos da comisão por oito ministros do STF: Luiz Fux (8); André Mendonça (4); Flávio Dino (3); Alexandre de Moraes (2); Kassio Nunes Marques (2); Dias Toffoli (1); e Gilmar Mendes (1).

    O empresário Maurício Camisotti, por exemplo, que está preso e é suspeito de estar por trás de três entidades da Farra do INSS e pagar propina a agentes públicos por meio do Careca do INSS, não compareceu à CPMI após decisão de André Mendonça.

    A esposa de Camisotti, Cecília Montalvão, também não foi à CPMI e recebeu habeas corpus de Flávio Dino. O “clã Camisotti” é suspeito de ter movimentado R$ 790 milhões no período das fraudes.

    O próprio Careca do INSS, apontado como operador central do esquema, foi desobrigado a comparecer a uma reunião da CPMI com habeas corpus de Mendonça. Dez dias depois, já preso na superintendência da PF, resolveu ir à oitiva no Congresso e negou qualquer participação no esquema.

    Alguns dos investigados, amparados com habeas corpus, compareceram à CPMI, mas não responderam a todas as perguntas.

    CPMI mira bancos e consignados

    Embora não tenha conseguido furar as barreiras para atacar o núcleo político, a CPMI volta para 2026 com o objetivo de mudar de foco para outro grupo repleto de defensores no Congresso: os bancos.

    O plano é investigar os empréstimos consignados. Em alguns casos, dizem integrantes da cúpula da CPMI, os bancos chegam a cobrar juros de até 22% descontados diretamente na folha de pagamento de aposentados.

    A CPMI deve pedir a suspensão imediata de milhões de contratos suspeitos de empréstimos consignados.

    Em recesso, a CPMI volta em fevereiro do próximo ano. Na ocasião, será apresentado um relatório preliminar, que servirá como um balanço da primeira parte da investigação. O prazo para o fim dos trabalhos se encerra em março, mas há tratativas para que essa data seja estendida.