A aparência pode assustar à primeira vista: estruturas alongadas, pálidas e rígidas que brotam do chão ou de troncos em decomposição e lembram dedos humanos. Trata-se do fungo Xylaria polymorpha, uma das espécies mais conhecidas do gênero Xylaria, popularmente apelidada de “dedos de morto”.
Segundo o micólogo Cristiano Coelho, professor do Instituto Federal do Piauí (IFPI), as estruturas são os estromas, corpos reprodutivos que surgem sobre a madeira morta e que renderam ao fungo o apelido inusitado.
Além da forma peculiar, Coelho destaca que o fungo é bastante utilizado no processo de spalting, técnica que envolve espécies capazes de formar linhas escuras naturais em madeiras duras. A espécie é registrada sobretudo na Europa, América do Norte e Ásia temperada, mas representantes do gênero também ocorrem no Brasil.
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Papel ecológico
O Xylaria polymorpha cresce principalmente em florestas úmidas, sempre associado à madeira morta — troncos caídos, tocos, raízes expostas ou madeira parcialmente enterrada. Ambientes sombreados favorecem seu desenvolvimento, mas ele também pode surgir em parques e jardins sempre que existe madeira em decomposição.
Do ponto de vista ecológico, o fungo é especializado em degradar lignina e celulose, os principais componentes da madeira.
Ao quebrar esses tecidos, ele libera nutrientes essenciais de volta ao solo. A especialista em fungos da Amazônia Kely Cruz, doutora em biodiversidade no Amazonas, reforça que o fungo “degrada a madeira morta e participa ativamente da ciclagem de nutrientes”.
Qual a origem do formato curioso?
O ciclo de vida começa com os ascósporos, esporos microscópicos liberados pelos estromas maduros. Quando encontram madeira úmida, germinam e formam o micélio, uma rede de filamentos que cresce dentro do tronco e utiliza seus componentes como fonte de energia.
Quando as condições são adequadas — umidade, oxigênio e nutrientes — o fungo forma estromas que emergem na superfície. São estruturas rígidas, escuras e alongadas porque precisam ficar expostas ao ar para permitir a liberação dos esporos.
Segundo Coelho, o formato também protege contra perda de água e acompanha as irregularidades da madeira, o que explica por que alguns estromas parecem tortuosos ou bifurcados.
Kely lembra que o fungo possui duas fases de vida: uma fase assexuada, apenas com o micélio, e uma fase sexual, quando as estruturas reprodutivas aparecem bem desenvolvidas.
Embora o gênero Xylaria seja composto principalmente por fungos que degradam madeira, algumas espécies podem surgir em solo rico em matéria orgânica, frutos lignificados, sementes ou detritos vegetais acumulados por insetos. Mesmo assim, todas permanecem especializadas em decompor matéria vegetal, reforçando seu papel ecológico.
A espécie é venenosa?
Os especialistas afirmam que não há risco de confusão com cogumelos tóxicos conhecidos. Os estromas escuros e rígidos têm aparência muito distinta de fungos venenosos que podem causar intoxicação. Não existem registros de envenenamento acidental envolvendo Xylaria. O fungo não é venenoso, mas também não é comestível devido à textura extremamente dura e ao sabor desagradável.
Impacto em plantações e árvores vivas
O gênero Xylaria polymorpha é um modelo importante para estudos sobre decomposição de madeira, já que possui grande capacidade de degradar lignina e celulose. Seus estromas bem definidos são úteis em pesquisas de taxonomia e evolução dos ascomicetos.
Seus metabólitos secundários despertam interesse em biotecnologia, e, segundo Cruz, o fungo “apresenta potencial biotecnológico, atividade antimicrobiana e enzimas que podem ser usadas em biorremediação”.
A espécie não representa risco para plantações ou árvores vivas. O fungo só cresce em madeira morta ou em processo avançado de deterioração, o que significa que sua presença indica decomposição prévia — não um ataque ativo à planta.
Em jardins, age apenas como parte do ciclo natural de reciclagem de matéria orgânica. Kely ressalta que, quando o fungo aparece em árvores ainda de pé, ocorre porque o tronco já estava ferido ou comprometido.
Estranho no visual, essencial no funcionamento da natureza: o fungo “dedos de morto” é um exemplo de como a decomposição é vital para manter o solo fértil e permitir que novas formas de vida se desenvolvam nas florestas.
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