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    Guerra na fronteira norte (por André Gustavo Stumpf)

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    O presidente Donald Trump não mobilizou um gigantesco aparato militar, com porta-aviões, dezenas de caças de última geração, submarino nuclear, helicópteros moderníssimos e pessoal especializado para as costas da Venezuela, apenas para tirar fotografia e aparecer nas primeiras páginas dos principais jornais do mundo. Militares norte-americanos já abordaram alguns navios que deixavam os portos daquele país e mataram mais de cem pessoas que viajavam em lanchas rápidas, que, segundo os porta-vozes militares, transportavam drogas. O norte-americano está esperando a melhor hora para atacar. Quando, onde e como é a incógnita.

    Autoridades do governo brasileiro colocaram de sobreaviso todos os setores que lidam com o assunto Venezuela. Há uma desconfiança de que eventual ataque ao país vizinho possa ocorrer em torno do ano novo. Em Brasília, as pessoas que lidam com o assunto foram orientadas a permanecer na cidade ou ficar em local próximo. O pessoal que trabalha com a operação de acolhida de venezuelanos em Roraima, que fogem de seu país, está em alerta máximo. Eles dimensionaram suas possibilidades para receber nos próximos dias até 35 mil habitantes do país vizinho, se o ataque das forças armadas dos Estados Unidos realmente ocorrer. Ninguém no governo brasileiro arrisca o tipo de ação bélica que poderá ser utilizada. Os especialistas lembram que os norte-americanos têm capacidade para realizar ataques seletivos contra líderes venezuelanos, a exemplo dos que Israel faz na guerra contra os Palestinos.

    O fato é que os militares dos Estados Unidos estão por todo lado na fronteira da Venezuela no mar do Caribe e até no Oceano Pacífico. A qualquer momento, quando for dada a ordem, eles podem invadir o país sem receios. A defesa venezuelana é fraca, antiga e sucateada. Os famosos aviões Sukoi, fornecidos pela Rússia, estão precisando de revisão e novas peças. Poucos estão voando. O presidente Nicolas Maduro já não dorme duas noites na mesma cama, nem na mesma residência. Ele sabe que sua cabeça está a prêmio. Seus principais colaboradores também estão tomando cuidados extremos. A verdade é que o país sofre da maldição do petróleo. Esta fabulosa riqueza que está localizada ao redor do lago de Maracaibo – a mais extensa reserva de petróleo do mundo, maior que a da Arábia Saudita – que foi descoberta nos anos trinta do século passado por empresa petrolífera norte-americana.

    A história do país é uma sequência de golpes de estado sempre tendo o controle do petróleo como assunto principal. Neste século, houve uma trégua em torno de um acordo chamado de Punto Fijo, que consagrava a democracia como principal objetivo da convivência pacífica entre os opositores. Durou pouco. Grandes revoluções populares levaram caudilhos ao poder. O último deles foi Hugo Chaves, militar que deu um golpe e prometeu mundo melhor. Transformou-se em ditador, mas morreu no cargo. Foi substituído por Nicolas Maduro, antigo motorista de metrô de Caracas, que rasgou a fantasia e também se transformou em ditador no país. Ele utiliza um tortuoso raciocínio para colocar o libertador Simon Bolívar como inspirador de sua peculiar Revolução.

    O Exército brasileiro tomou suas cautelas. Decidiu enviar para Roraima o poderoso veículo blindado Centauro II, fabricado pelo consorcio Iveco-Oto, equipado com canhão de 120 mm. Serão 12 blindados que ficarão com o 18.º Regimento de Cavalaria Mecanizado, que pertence à 1.ª Brigada de Infantaria de Selva, com sede em Boa Vista. Trata-se da mesma unidade que recebeu entre 2023 e 2024, durante a crise de Essequibo, 32 viaturas blindadas leves multitarefas Guaicuru, oito blindados Guarani, seis blindados Cascavel, 22 viaturas não blindadas, além de dezenas de mísseis RBS70 antiaéreos e mísseis superfície-superfície Max 1.2 AntiCarro. Os demais Centauros serão distribuídos para unidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, onde estão 78 organizações militares desdobradas do Oiapoque ao Chuí, somando cerca de 25 mil militares. Na fronteira Norte o Exército concentra nove mil militares, distribuídos em diversas unidades e em 23 Pelotões Especiais de Fronteira.

    Diplomatas brasileiros condenam a perspectiva de guerra próxima à fronteira norte do país. É fato novo. As fronteiras que eram acossadas apenas por contrabandistas e traficantes de drogas, agora ganham maior dramaticidade. As palavras dos negociadores oficiais não são mais suficientes para conter a crise. Os Estados Unidos, de Trump, entregaram a Ucrânia à Rússia. Os russos fazem discursos de protesto, mas, na prática, fecham os olhos para o que acontece na Venezuela. Trata-se de uma troca de favores entre os grandes. É a lei da selva, que prevalece em tempo de guerra.

     

    André Gustavo Stumpf, jornalista ([email protected])