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    Hugo Motta: nem bêbado, nem equilibrista (por Marcio Ferreira)

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    Alçado à presidência da Câmara dos Deputados como uma solução de consenso após a era Arthur Lira, Hugo Motta chegou ao cargo com um capital político raro. Recebeu votos da direita e da esquerda, da oposição e da base governista, construiu uma maioria ampla e discursou como herdeiro simbólico da democracia de 1988. Menos de um ano depois, o saldo é outro: derrotas sucessivas, pressão da extrema direita, acordos feitos à sua revelia e uma presidência que parece não compreender, na prática, o tamanho do poder que ocupa.

    Oriundo do Republicanos, partido com forte vínculo com a Igreja Universal do Reino de Deus, e com trânsito consolidado junto ao presidente da legenda, Marcos Pereira, Hugo Motta foi visto como uma via factível para pacificar a Câmara no pós-Lira. Sua eleição refletiu exatamente isso. Não foi um projeto ideológico, mas um arranjo funcional. Um nome capaz de conversar com todos, justamente por não ser identificado de forma clara com nenhum dos polos.

    O problema começa quando o consenso eleitoral é confundido com autorização permanente. Ao assumir, Motta passa a ser pressionado pela extrema direita para pautar a anistia a Jair Bolsonaro e aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, além de projetos de nítido viés ideológico. Ao tentar administrar essas demandas sem romper com o governo nem com o centro, entra num movimento errático. Não decide, posterga. Não lidera, administra crises.

    Motta pertence a uma geração política que surge depois da redemocratização. Uma geração que não viveu a ruptura, mas herdou seus símbolos. No discurso de posse, evocou Ulysses Guimarães, exaltou a Constituição de 1988 e falou em democracia como valor fundante. O problema é que democracia, no Parlamento, não é retórica. É método. É comando. É leitura de força. É saber quando avançar e quando conter.

    O presidente da Câmara precisa dominar o tempo e o plenário. E é exatamente aí que Motta falha. As derrotas recentes nas tentativas de cassação de Glauber Braga e Carla Zambelli são exemplares. Em ambos os casos, o desfecho não foi apenas uma decisão política. Foi um recado. A Câmara mostrou que consegue decidir sem ele. Acordos foram costurados por fora, lideranças atuaram à margem da presidência e o plenário se impôs como instância soberana contra um comando enfraquecido.

    Para quem ocupa a cadeira mais poderosa do Legislativo, isso é grave. Não se trata de ganhar todas as votações, mas de não ser ignorado nelas. Quando o plenário aprende que pode driblar o presidente, a autoridade se dissolve rapidamente.

    Nesse contexto, a imagem que circulou de Hugo Motta bebendo direto de uma garrafa de uísque ganhou força simbólica. Daí a associação irônica com O bêbado e a equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, eternizada por Elis Regina. A metáfora é tentadora, mas imprecisa. Motta não é um bêbado no sentido da caricatura, nem um equilibrista no sentido da habilidade política refinada.

    O que se vê é algo mais preocupante. Um presidente que tenta equilibrar pratos sem controlar a cozinha. Que confunde conciliação com ausência de comando. Que acredita que o simbolismo do cargo sustenta, por si só, a autoridade que o plenário só reconhece quando há liderança efetiva.

    A possibilidade de reeleição existe, formalmente. A legislatura acaba e outra começa. Mas a política não se move apenas por regras. Se Hugo Motta continuar a agir como vem agindo, dificilmente conseguirá renovar o mandato. Não porque seja de direita ou de esquerda, mas porque presidências fracas não sobrevivem no Congresso.

    A Câmara não derruba presidentes por ideologia. Derruba por ineficácia. E Hugo Motta, ao insistir em encenar equilíbrio sem exercer comando, corre o risco de sair da história não como herdeiro de Ulysses, mas como um presidente que nunca entendeu que, no Parlamento, democracia sem liderança vira apenas retórica vazia.

    Marcio Ferreira é jornalista, mestre em Sociologia e doutorando em Sociologia Política pelo PPGSP-IUPERU/UCAM. Artigo transcrito do Le Monde-diplomatique-Brasil https://diplomatique.org.br/