A ex-coordenadora jurídica do Sindicato Nacional dos Aposentados e Pensionistas (Sindnapi), Tonia Galleti, recebeu R$ 11,6 milhões em diversas contas bancárias no ano passado. Em uma única delas, uma conta conjunta do banco Itaú, foram movimentados R$ 6,9 milhões no ano passado.
O montante é incompatível com a declaração de Imposto de Renda de Tonia Galleti. À Receita Federal, ela informou rendimentos de R$ 487,8 mil no ano passado — R$ 69,9 mil recebidos de pessoas jurídicas e o restante de várias fontes (aluguéis, investimentos e honorários advocatícios, entre outros).
O Sindnapi é uma das entidades investigadas na farra do INSS. Ligada à central Força Sindical, a entidade tem como vice-presidente o sindicalista José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão mais velho do presidente Lula (PT).
A entidade foi fundada e comandada pelo pai de Tonia Galleti, o sindicalista João Batista Inocentini, o João Feio, até sua morte, em agosto de 2023. À época do falecimento, Lula publicou uma nota de pesar.
As informações sobre a movimentação financeira de Tonia Galleti foram enviadas pela Receita Federal à CPMI do INSS no Congresso e vistas pela coluna.
Procurada, Tonia Galleti reconheceu a conta bancária. Segundo ela, é uma conta conjunta com o marido, o advogado Carlos Afonso Galleti Júnior. Segundo ela, porém, as informações da Receita estão incorretas. O volume movimentado teria sido menor que R$ 6,9 milhões no ano passado.
Tonia disse ainda que seus ganhos provêm de atividades lícitas e foram devidamente tributados (leia mais abaixo).
Como mostrou a coluna em outubro deste ano, o sindicato pagou pelo menos R$ 8,2 milhões a empresas que pertencem a familiares de dirigentes da entidade, inclusive de Tonia Galleti.
Informações sobre esses pagamentos constam em outro documento, o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Sindnapi.
Uma dessas empresas é a Gestora Eficiente. A empresa, hoje desativada, pertenceu à mulher do presidente do Sindnapi, o sindicalista Milton “Cavalo” Baptista de Souza, e ao marido de Tonia Galleti.
A firma era responsável por processar as fichas dos aposentados e encaminhar os dados ao INSS para que os descontos tivessem início. Só em comissões, essa empresa faturou pelo menos R$ 4,1 milhões. Ou seja, toda vez que um aposentado sofria um desconto em seu benefício, a Gestora Eficiente arrecadava uma comissão.
Sindicato acumulava reclamações e perdeu 98% dos filiados
Em outubro deste ano, Tonia Galleti prestou depoimento à CPMI do INSS. Ela justificou os valores recebidos do Sindnapi dizendo que sua família trabalhou.
“Quando vocês colocam ‘ah, não sei quantos milhões para a sua família… Porra, a minha família trabalhou! Tá bom, a gente pode falar que isso é uma certa imoralidade… ‘ah, não deveria estar toda a família lá’. Mas isso não se trata de crime”, disse ela.
“Porque tem trabalho. Nesse recheio entre contrato de prestação de serviço, nota fiscal emitida e valor recebido, cara, tem muito trabalho. Eu trabalhava, excelência, dez, doze horas por dia. Porque, se eu tive um chefe carrasco, esse cara foi meu pai”, disse Tonia.
Apesar do depoimento de Tonia à CPMI, o Sindnapi aumentou exponencialmente os descontos de aposentados entre 2020 e 2024, após firmar parceria com o banco BMG. Os valores passaram de R$ 23 milhões, em 2020, para R$ 154,7 milhões, em 2024 — um aumento de 563,9%. A entidade e o banco BMG acumulam milhares de reclamações de “venda casada” no Reclame Aqui.
Desde o início das investigações da operação Sem Desconto, em abril deste ano, a entidade perdeu 98% de seus filiados. O número de inscritos que pagavam à entidade caiu de mais de 317 mil para cerca de 5 mil atualmente.
A queda no número de associados ocorreu após o lançamento, pelo INSS, de um mecanismo para facilitar o cancelamento dos descontos indevidos. Desde maio deste ano, é possível cancelar os descontos usando o aplicativo Meu INSS ou ligando para o número 135.
Tonia Galleti: rendimentos são lícitos e foram tributados
A coluna procurou Tonia Galleti e o Sindnapi para comentários. A entidade disse que não se pronunciaria, uma vez que Tonia não atua mais como coordenadora jurídica do Sindnapi.
Já Tonia Galleti afirmou que os números informados pela Receita à CPMI do INSS não batem com seus extratos bancários. “A soma total movimentada na minha conta não chega a um terço do apresentado pela Receita”, disse.
“Todos os meus recursos são passíveis de auditoria e foram submetidos corretamente à tributação, além de serem absolutamente de origem lícita, fruto da advocacia e da docência”, afirmou.
Leia abaixo a íntegra da manifestação de Tonia Galleti:
“Os números que você me enviou não batem com os meus extratos bancários. Olhei mês a mês todo o ano de 2024 e, em nenhum mês, há qualquer proximidade com os números apresentados pela Receita Federal. Não sei o que eles consideram créditos. Para mim, são valores que entram na conta e, no meu caso, oriundos da atividade de advocacia.
Essa conta corrente em referência é uma conta conjunta, em que tanto eu quanto meu marido recebemos honorários. No meu caso, ainda recebo também pelas aulas que dou nas faculdades. Para você ter uma ideia, no mês de junho de 2024 entraram na minha conta R$ 101.730,64, enquanto a Receita lançou R$ 395.248,14.
No mês em que mais entrou dinheiro na minha conta, por conta da venda de um estúdio, entraram R$ 409 mil, enquanto a Receita lançou nesse documento que você me apresentou R$ 943 mil. A soma total movimentada na minha conta não chega a um terço do apresentado pela Receita.
Enfim, não tive acesso aos documentos integrais, nem tampouco compreendo a métrica utilizada pela Receita, mas, sem dúvida, esses recursos não entraram na minha conta corrente.
Ademais, todos os meus recursos são passíveis de auditoria e foram submetidos corretamente à tributação, além de serem absolutamente de origem lícita, fruto da advocacia e da docência.
Permaneço à sua disposição para esclarecer qualquer outra situação, até porque fui eu quem denunciou essa situação toda e, agora que o sindicato não quer mais meus serviços, fico mais à vontade para falar com vocês da imprensa.
De fato, não compreendo por que virei ‘alvo’. Acredito que você acompanhou todo o meu trabalho ao longo dos anos e sigo aqui firme. Tenho milhares de provas e documentos de todo o trabalho que realizei ao longo de mais de 20 anos, que serão oportunamente apresentados pelos advogados nos locais corretos.”
