Um ano pode ser bom para uns, péssimo para outros. Raros são aqueles sem catástrofes e guerras, inventos geniais ou curas tidas como impossíveis. Mas os anos parecem andar para trás, como se a Terra estivesse girando ao contrário. Já tinha sido assim na última década, repetindo-se em 2025. E nada aponta que será diferente em 2026.
Se em termos de ciclo histórico, os dez últimos anos são partículas de poeira, para os sobreviventes do planeta foram anos duros. Ao descaso contínuo com o ambiente somou-se a oficialização do negacionismo. Avanços da ciência se contrastaram com a ascensão da xenofobia, racismo, antissemitismo, intolerância religiosa e de gênero.
Sob a liderança dos Estados Unidos, hoje a mais forte voz a buscar glórias de um passado inglório, foram perdidos avanços obtidos a trancos e barrancos no controle de emissões para frear os efeitos climáticos, no respeito aos povos e aos diferentes. Resultado: mais ódio e preconceito, mais terremotos, tufões, inundações e secas, destruição e mortes.
Do topo de seu reinado, Donald Trump também determinou que o mundo deve obedecer à ordem que vigorava antes da Segunda Grande Guerra, elegendo a Rússia de Vladimir Putin e a China de Xi Jinping como parceiras e inimigas, cada uma com direito sobre uma parte do latifúndio de seus continentes.
Na outra ponta, o mundo assistiu à descoberta de vacinas contra o HIV e a tuberculose e se surpreende com os avanços da Inteligência Artificial, que continuará a revolucionar o dia a dia da humanidade – para o bem e para o mal.
No Brasil, o inimaginável retrocesso patrocinado pelo ex Jair Bolsonaro no período da pandemia, com campanhas antivacinas e pregação de medicamentos ineficazes para o tratamento da Covid, se acelerou com a tentativa de golpe protagonizada por ele e sua turma em 2022.
O respiro esperado para o ano que se seguiu teve curta duração. De um lado, o presidente Lula insistiu em repetir receitas que já tinham se provado ineficazes, com inchaço da máquina e elevação de gastos. De outro, o Congresso intensificou a apropriação do dinheiro do pagador de impostos, em forma de emendas de autoria e destino não sabidos. A Suprema Corte, essencial para barrar o golpismo e assegurar a democracia, enrolou-se no novelo de excessos, no infindável processo das fake news, no aumento de decisões monocráticas e na suspeita de conluio com poderosas organizações econômicas. Tudo piorou.
Em 2025, boas notícias como a finalização da reforma tributária, a aprovação da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil ou do início da produção em massa da vacina nacional do Butantã, capaz de prevenir a dengue com uma só dose, se perderam na barafunda das disputas institucionais, mais voltadas para defender seus integrantes do que os interesses do país. Tudo lembrando as rinhas do início do período republicano.
O Congresso extrapolou nos retrocessos. Voltou ao século passado ao aprovar e reaprovar a até então invejada regulamentação ambiental do país, derrubando o veto de Lula, e escancarando porteiras para a destruição de áreas matadas e preservadas. Puniu os povos originários com a invenção de um marco temporal para demarcação de terras, jamais imaginado pelos constituintes de 1988.
Aprovou mudanças na Lei popular da Ficha Limpa, alterando prazos de inelegibilidade de condenados, e anistiou multas de partidos políticos, modificando punições para desvios na prestação de contas. Não fosse a pressão das ruas, teria aprovado também a PEC da Blindagem, de perdão prévio a delitos de políticos, barrada pelo Senado depois de obter maioria na Câmara.
Desmemoriado, o país esbarrou na leniência com a qual tratou os golpistas de 1964 que condenaram os brasileiros a 20 anos de ditadura. Não conseguiu clima para votar anistia para Bolsonaro e seus comparsas presos, mas criou uma indecorosa redução de penas para beneficiá-los.
Diante do massacre nos complexos do Alemão e Penha, com 121 mortos, o Parlamento fingiu dar importância ao tema, tratado como urgência por duas semanas e esquecido para o próximo ano, quando será reavivado para render lucros eleitorais. Terminou o ano regredindo ainda mais ao aprovar, na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara, uma mudança na Lei do Racismo para blindar líderes religiosos de punições por falas racistas ou homofóbicas.
Os exemplos citados são apenas alguns entre os muitos que comprovam o retorno ao passado. Ainda assim, como otimista incorrigível, reforço a esperança de bons ventos para o ano que virá. Mas não dá para disfarçar a sensação de que ele será duríssimo – e com a roda girando para trás.
Mary Zaidan é jornalista
