Diante dos desafios das últimas três décadas, o mundo assiste ao processo de transição dos princípios econômicos para o Século XXI. Surge a construção, em curso, do Consenso de Londres.
O Consenso de Washington tinha a essência monolítica da ênfase nos fatores econômicos. O Consenso de Londres amplia o foco e incorpora os fatores institucionais e sociais. A economia política.
Do famoso motto “é a economia, estúpido” para o novo motto em construção: “é a política, estúpido”. Da ênfase no lado da demanda agregada e da eficiência estática, para a ênfase no lado da oferta e da eficácia dinâmica: a geração do crescimento com foco em políticas de desenvolvimento produtivas.
Durante três décadas, a partir de 1990, o chamado Consenso de Washington – formulado por John Willianson – estabeleceu diretrizes para a formulação e implementação de políticas econômicas em todo o mundo. Teve sucesso essencial na diminuição da pobreza mundial.
Mas negligenciou a crescente importância dos fatores institucionais e sociais. Hoje o mundo assiste a um processo de transição e mudanças aceleradas. A geopolítica da queda da União Soviética, da ascensão da China, e do declínio ocidental. Hoje, os movimentos imperiais táticos e estratégicos da China, dos Estados Unidos e da Rússia. E a ascensão da Índia.
Ao longo do caminho, são novos os desafios: mudanças climáticas; perda de biodiversidade; a pandemia da Covid19; as diversas desigualdade (não apenas econômicas); os efeitos perversos da tecnologia na política (populismo); a destruição criativa; a fragmentação econômica global (desglobalização); a polarização; as guerras; e o declínio da democracia liberal.
Mudou o mundo, mudaram-se as circunstâncias e os problemas políticos, sociais e econômicos. Novos princípios em curso. Está em processo de consolidação o Consenso da Londres. Desde 2023.
Tudo começou com uma Conferência na London School of Economics and Political Science (LSE), em maios de 2023, que agregou um grupo de economistas e outros cientistas sociais para explorar a construção de um novo Consenso. No campus da LSE, um “hub” cosmopolita que se move pelo motto centenário do “rerum cognoscere causas” (“conhecer as causas das coisas”, em tradução livre).
Esta Conferência impulsionou dois anos de debates e trocas de reflexões e “insights”, gerando a publicação, agora em 2025, de uma coletânea de ensaios, análises e proposições: “The London Consensus”, da LSE Press. São um conjunto de princípios para embasar formulação e implementação de políticas públicas e lidar com os desafios econômicos, sociais, políticos e institucionais do Século XXI.
Vale a leitura. Editores: Tim Besley, Irine Bucelli e Andrés Velasco. Aqui, uma resenha bem resumida.
O Consenso de Washington tinha/tem um caráter prescritivo e monolítico (a economia), com ênfase, como se sabe, em três bases para a estabilidade fiscal – a fiscal, a monetária, a financeira, com as ferramentas da taxa de juros e da taxa de câmbio. O alvo é a redução da necessidade de dívida pública e a solvência.
Com o motte da “é a economia, estúpido”, adveio a receita básica da liberalização, da desregulamentação e da privatização, claro que com a incorporação dos devidos matizes nacionais e temporais. A premissa do crescimento econômico e o limite da relação dívida pública/PIB.
O Consenso de Londres não é prescritivo e monolítico. Não tem receita de bolo e contempla especificidades regionais/nacionais. Busca a “eficiência dinâmica” através de princípios focados nos desafios e voltados para a criação de paradigmas e diretrizes para as políticas públicas.
São cinco princípios básicos, aqui enumerados sem detalhes, dados os limites deste espaço.
O foco no bem-estar. E não apenas no dinheiro. Uma visão não apenas material de bem-estar. Convergindo eficiência com eficácia e equidade, via “eficiência dinâmica”. Significa que “o crescimento importa, mas a localização também”. Daí a ênfase em escolhas de “o que” produzir, “como” produzir e “onde” produzir – com interação entre as políticas públicas (sociais, econômicas e institucionais), os incentivos à produção e as decisões de inovação, tudo na direção do crescimento/desenvolvimento;
“Construção de resiliência” para enfrentar as incertezas e volatilidades das políticas fiscal e monetária e da geopolítica. Vem daí a ênfase no papel do governo como “garantidor de última instância” (como na pandemia, por exemplo). E a defesa de um “desenho prudencial e regulatório”. É preciso uma política fiscal para além do papel keynesiano, pois a causalidade é múltipla e volátil;
Não há boa economia sem boa política. Com a instabilidade advinda dos fenômenos da globalização e da desglobalização, das mudanças tecnológicas (IA), das mudanças climáticas, e do populismo e polarização, a política será a fonte de choques econômicos. Volatilidade e incerteza. Círculo vicioso: choques econômicos = choques políticos = populismo. Por isto, boas políticas econômicas relaxam a política, mas a política precisa exercer o papel de “tornar possível” o equilíbrio político-institucional. Vem daí a visão moderna de economia política: instituições para consenso e efetividade no processo decisório. Legitimidade, responsabilidade diante da sociedade e coalizões políticas. O foco na Política é central no desenho do Consenso de Londres.
“Estado capaz”. A ênfase na qualidade do Estado, via construção de instituições e estruturas organizacionais modernas. Estado melhor, para além da dicotomia Estado grande “versus” Estado mínimo. “O mítico estado pequeno dos ideais libertários não vê que a economia de mercado requer um conjunto de instituições de mercado como suporte”. Estado forte não significa Estado grande. Não significa estatização.
Neste contexto de princípios e diretrizes que embasam as políticas públicas, a construção do Consenso de Londres é uma obra em movimento. Várias de suas sugestões já estão sendo implementadas mundo afora pelos formuladores de políticas públicas.
Por exemplo, política fiscal prudencial com redução da dívida líquida nos “bons momentos” do ciclo econômico; manutenção da “meta de inflação” do Consenso de Washington; e ênfase do lado da oferta (“progressivismo” do lado da oferta, dizem os autores). Quer dizer, produzir e inovar. Desenvolvimento produtivo na indústria, nos serviços e no agronegócio.
Com capacidade estatal e do sistema político. Da ortodoxia e dos dogmas à flexibilidade de respostas às incertezas e volatilidades.
Boas referências para o debate político e econômico nas eleições gerais de 2026 no Brasil.
Um novo capitalismo em movimento.
Antônio Carlos de Medeiros é pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Poltical Science.
