Se há lugar para o inconfessável é nesta ilha entre feriados, sabendo que as confissões serão brevemente levadas com o resto do lixo de 2025.
Confesso que tenho uma certa inveja dos psicopatas. Digo certa por se referir a apenas uma característica da maneira que têm de ver o mundo: a indiferença ao sofrimento dos seres vivos.
Se houvesse no mundo pouco sofrimento alheio, tudo bem. Mas há tanto que nem a alma mais condoída chega para tanta dor. Para mais, grande parte dessa dor é inevitável, ou não tem remédio, levando-nos a acumular a frustração com a empatia, e muitas vezes a raiva da impotência, da injustiça e da aleatoriedade do azar.
E não é como se cada um não tivesse já um conjunto de bons motivos para sofrer com a sua própria sorte. Já há muita competição no sofrimento humano. Não é como se nos sobrasse preocupação, ou vontade de entristecer. Proponho, por isso, que se deem aulas de psicopatia. As crianças, sobretudo, ganhariam em aprender a ser menos empáticas.
Não aprendem elas artes marciais? Porque não as artes psicopáticas? Aprenderiam a não se ralar, a encolher os ombros, a aproveitar melhor o tempo. No mínimo, aprenderiam a concentrar a compaixão nos casos em que podem ajudar a minimizar o sofrimento alheio.
Com os animais, por exemplo. E a família mais próxima. Às vezes basta uma palavrinha, uma lágrima, um momento de companhia e de compreensão, um gesto de solidariedade, um sinal que seja de misericórdia.
Sem aulas de psicopatia — separando habilmente a insensibilidade ao sofrimento alheio do desejo de fazer sofrer os outros — a pena que temos do mundo vai-se dispersando, diluindo, até perder toda a força e toda a utilidade.
A psicopatia parcial ajudaria a concentrá-la, tornando-a terapêutica — e satisfatória. Quem sabe se adiaria a chamada fadiga da compaixão, em que a nossa alma se cansa de chorar tanta desgraça junta ao longo de tanto tempo?
Ou não?
Pensando melhor, mais vale deixar tudo como está.
(Transcrito do PÚBLICO)
