Uma ONG contratada para realizar um evento da Prefeitura de São Paulo subcontratou fornecedores ligados à sua própria direção em meio a uma série de outras irregularidades detectadas pela Controladoria-Geral da União (CGU). A apuração do órgão também constatou que não houve disputa para a escolha da entidade pela administração municipal.
A contratação do Instituto Vincere se deu por meio de uma emenda Pix enviada pela deputada federal Renata Abreu (Podemos).
A parlamentar encaminhou R$ 2 milhões para a capital paulista, dos quais 1,6 milhão foi destinado à Secretaria Municipal de Esportes e Lazer para bancar a realização do evento esportivo Festival de Verão Praia São Paulo – os outros R$ 400 mil custearam a cobertura da quadra esportiva de uma creche em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo.
A Prefeitura e a entidade negaram irregularidades. Procurada, a parlamentar não se manifestou.
No mês passado, as emendas viraram alvo do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que mandou a Polícia Federal (PF) averiguar possíveis crimes no uso do dinheiro público.
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Pagamento em cheque
A CGU examinou a contratação do instituto para atividades da primeira edição do evento em 2023 nos Parque Ceret, na Zona Leste da capital, e no Parque da Juventude, na Zona Norte.
O relatório da investigação afirma que a entidade não possuía funcionários e contratou terceirizadas para a programação.
Os fornecedores foram pagos em cheque, o que contraria a exigência legal que estabelece regras de parcerias entre administração pública e organizações da sociedade civil.
Princípio da impessoalidade
A CGU também alerta para uma possível irregularidade nas empresas contratadas pela ONG para o festival, a Goolaço e a Tie Break. Conforme a investigação, as firmas são controladas pela mesma família, compartilham o mesmo endereço e têm um diretor da ONG como contador.
Além disso, a CGU ainda apontou que a sócia da Tie Break teria sociedade com a filha de um dos diretores da entidade em outra empresa, Ribeirão Sports Beach Tennis.
“A mesma empresa Ribeirão Sports Beach Tennis Ltda. é uma das sócias da empresa Bar e Restaurante Arena Beach Ltda., cujo sócio é também o cônjuge da Presidente do Instituto Vincere”, diz o relatório.
Para os auditores da CGU, as contratações não seguem a regra do edital que prevê o princípio da impessoalidade.
“No tocante às contratações realizadas pela citada OSC para consecução dos objetos da parceria, constatou-se que tais contratações não atenderam aos princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, na medida em que foram realizadas pesquisas de preço, mas posterior contratação de empresas relacionadas entre si e com ligação com os dirigentes da OSC”.
Sem concorrente
O chamamento público para a contratação das instituições que iriam realizar o festival foi dividido em cinco lotes, divididos por atividades realizadas.
Apenas três organizações apresentaram propostas e , portanto, não houve disputa, segundo a CGU. O Instituto Vincere concorreu sozinho nos lotes 4 e 5 para a instalação de “arenas praia”.
Em 2024, o instituto foi contratado novamente pela Prefeitura de São Paulo para realizar o mesmo evento. Novamente, as mesmas empresas com ligação com a entidade foram contratadas, segundo a prestação de contas da ONG.
De acordo com o site da entidade, também há uma série de eventos realizados junto ao governo do estado de São Paulo.
Origem do recurso
A CGU chama atenção para um ofício enviado pela deputada Renata Abreu à Prefeitura paulistana. O documento obtido pelo Metrópoles, enviado em 15 de março de 2022 ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), diz que “o recurso se destina à execução de objeto específico”.
No entanto, o objeto é descrito, de forma genérica, como “programas continuados da secretaria”.
O ofício pede, porém, que “tão logo seja realizado o cadastramento da(s) proposta(s), este Gabinete seja informado imediatamente do número do processo do plano de ação e dos dados da conta bancária cadastrada”.
Por outro lado, o ofício que trata da cobertura da quadra esportiva em Paraisópolis é bastante detalhado. A carta assinada pela presidente nacional do Podemos especifica qual escola seria beneficiada, quantas crianças seriam atendidas na creche, o valor total da obra, o montante que seria bancado pelo município e relata que engenheiros da Prefeitura já estiveram no local e orçaram o custo da obra.
A reportagem questionou a deputada, por meio de seu gabinete e assessoria, se ela estava ciente de que a verba seria usada no festival e se tomou alguma providência após as suspeitas serem apontadas. O Metrópoles não obteve resposta e o espaço segue aberto para manifestação.
O que diz a prefeitura
A Secretaria de Esportes afirmou que encaminhou à CGU a documentação solicitada e prestou esclarecimentos cabíveis.
“Em relação aos apontamentos da reportagem, a SEME ressalta que a legislação não exige que organizações da sociedade civil mantenham equipe própria, permitindo a contratação de empresas especializadas para a execução das atividades”, diz a prefeitura.
A administração ainda afirma que pagamentos em espécie “são permitidos por lei quando devidamente justificados, conforme o Art. 51, §2º da Lei 13.019/2014”.
A prefeitura afirmou que os gastos “seguiram os trâmites administrativos regulares e foram analisados segundo a legislação”.
“Por fim, o Instituto Vincere apresentou toda a documentação exigida e comprovou capacidade técnica e operacional nos termos exigido no edital. A entidade também encaminhou declaração formal atestando a inexistência de parentesco ou conflito de interesses entre sua diretoria e os fornecedores, assumindo responsabilidade legal pela veracidade das informações”, diz a administração.
A reportagem procurou o instituto por email, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço está aberto.
