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    Reinos medievais tinham lá suas vantagens, diz guru da direita dos EUA

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    Considerado uma espécie de ideólogo da nova direita dos Estados Unidos, o engenheiro de software Curtis Yarvin, de 52 anos, diz que os regimes pré-liberais — como as monarquias absolutistas da Europa medieval — têm algo de valioso a ensinar para os governos atuais.

    Amigo de magnatas do Vale do Silício como o fundador da Palantir, Peter Thiel, e do vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, Yarvin concedeu ao Metrópoles sua primeira entrevista a um veículo de imprensa brasileiro.

    “Muito da ideologia do Século XX é: ‘Nós vamos tornar todos os seres humanos em nobres, e vamos fazer isso tratando todos como nobres. E nós não acreditamos em distinções entre as pessoas (…)’. O resultado disso tem sido que nós (removemos) estruturas sociais que funcionavam muito bem para pessoas que não eram nobres, onde elas tinham um senso de liderança, de comunidade”, diz ele.

    “Havia uma razão para os países terem uma igreja estabelecida. Havia uma razão para você ter uma ligação entre igreja e Estado. Os papéis de ambos se misturavam em termos de funcionamento da sociedade”, diz Yarvin.

    Algumas das ideias de Yarvin são controversas mesmo dentro da direita. Em outros escritos, já defendeu que os Estados deveriam ser governados não por presidentes eleitos, mas por uma espécie de “rei-CEO”, submetido a um conselho.

    Yarvin tornou-se conhecido escrevendo sob o pseudônimo Mencius Moldbug. Entre outras coisas, foi o primeiro a usar o termo “red pill” como metáfora política, segundo o perfil dele na revista The New Yorker. Depois, o termo foi apropriado por comunidades misóginas na internet e virou lugar comum na gíria online da anglosfera.

    A coluna entrevistou Yarvin por cerca de quarenta minutos na tarde de 29 de novembro deste ano, em São Paulo (SP). Yarvin veio ao Brasil como convidado do congresso anual do Movimento Brasil Livre (MBL).

    Reinos medievais tinham lá suas vantagens, diz guru da direita dos EUA - destaque galeria7 imagensO escritor de direita norte-americano Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São PauloO escritor de direita Curtis Yarvin com o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), no Congresso do MBLO escritor de direita norte-americano Curtis YarvinO escritor de direita norte-americano Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São PauloO escritor de direita Curtis YarvinFechar modal.MetrópolesO escritor de direita Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São Paulo, em novembro de 20251 de 7

    O escritor de direita Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São Paulo, em novembro de 2025

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    O escritor de direita norte-americano Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São Paulo

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    O escritor de direita Curtis Yarvin com o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), no Congresso do MBL

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    O escritor de direita norte-americano Curtis Yarvin

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    O escritor de direita Curtis Yarvin

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    O escritor de direita norte-americano Curtis Yarvin no Congresso do MBL em São Paulo

    Metropoles

    (Leia ao fim a transcrição integral da conversa, na ordem cronológica em que ocorreu).

    Abaixo, alguns dos principais trechos da entrevista.

    Como seriam o Ocidente pós-liberal ou os Estados Unidos pós-liberais no seu modelo?

    Um dos motivos pelos quais eu me intitule um “neo-reacionário”, é que um reacionário é alguém que quer voltar ao passado. Alguém que diz: “Peraí, na verdade, nós estamos declinando e não avançando, vamos voltar o relógio.”  O verdadeiro reacionário é alguém que tem uma ligação direta, visceral com o passado. Por exemplo, alguém no Brasil em uma família católica tradicional, alguém que tem um conhecimento profundo de como o governo funcionava há 100, 200 anos atrás, passado pela família.

    Esse não é o meu caso. Você pode dizer que eu tenho um background de elite, mas eu não tenho nenhuma ligação com o mundo pré-liberal. Eu apenas acho que tem muitas coisas que eles, as pessoas que viviam num mundo pré-liberal, entendiam. E que nós não entendemos.

    Você conhece a pirâmide de Maslow? Deixa eu explicar muito rapidamente. A ideia é que, basicamente, os seres humanos têm várias necessidades, e a mais básica dessas necessidades é o oxigênio. Você precisa de ar. Uma vez que você tenha ar, você começa a pensar em água. Depois comida, depois sexo, depois conforto e assim por diante.

    Lá no topo, você tem o que o psicólogo Maslow chamou de autorrealização. É o que os alemães chamam de “bildung” (“formação integral”), tornar-se uma pessoa. Tradicionalmente, esta é a missão dos nobres.

    Quando você olha para as pessoas no Vale do Silício, em São Francisco, na Califórnia, a maioria deles não é descendente de famílias nobres – alguns até são. Mas, independente disso, todos estão fazendo a mesma coisa. Quando você vai pro Burning Man, todo mundo lá está tentando se auto-realizar, se tornar a melhor pessoa que pode ser.

    Muito da ideologia do Século XX é: “Nós vamos tornar todos os seres humanos em nobres, e vamos fazer isso tratando todos como nobres. E nós não acreditamos em distinções entre as pessoas. Acreditamos que todos são criados iguais. São as estruturas sociais que nos impedem de atingir a igualdade”.

    O resultado disso tem sido que nós (removemos) estruturas sociais que funcionavam muito bem para pessoas que não eram nobres, onde elas tinham um senso de liderança, de comunidade.

    Uma coisa que eu fiquei chocado ao descobrir é que na Inglaterra vitoriana, sob o reinado da rainha Elizabeth, como um inglês comum, você era obrigado a ir à igreja. Não era opcional. Era obrigatório, você tinha que estar lá todo domingo. Eles tinham uma lista de presença.

    Um dos motivos pelos quais o movimento evangélico é tão forte em lugares como o Brasil é porque ele provê uma espécie de estrutura, Algo que o catolicismo costumava prover, mas que deixou de fazer à medida em que se tornou mais “protestante” a partir de meados do século XX (…).

    Os evangélicos, que são uma religião muito ritualística, muito mágica, num certo sentido, preencheram a lacuna que o catolicismo deixou. As pessoas se tornam evangélicas muito por sentirem que não têm propósito ou sentido na vida. Eles vivem numa sociedade que diz a eles que eles deveriam ser nobres, só que eles não são. E aí, o que eles vão fazer? E aí elas encontram Jesus Cristo e ficam tipo: “graças a Deus, finalmente”. Essa história se repetiu milhões e milhões de vezes neste país.

    Havia uma razão para os países terem uma igreja estabelecida. Havia uma razão para você ter uma ligação entre igreja e Estado. Os papéis de ambos se misturavam em termos de funcionamento da sociedade.

    Por exemplo: eu estou envolvido numa batalha jurídica muito difícil com a minha ex-mulher, na Califórnia (Yarvin disputa a guarda de um de seus filhos com a ex-noiva, Lydia Laurenson). Quando você olha o tipo de decisão que está sendo delegada ao Judiciário para resolver, é inevitável pensar que seriam muito melhor resolvidos por uma autoridade religiosa.

    Portanto, para ser concreto com a minha resposta: pense numa igreja evangélica no Brasil. É uma entidade privada, sem nenhuma conexão com o Estado. Ela não é parte do aparato estatal. Não existe um “ministro de assuntos religiosos” no governo para dirigi-la. É um elemento completamente espontâneo.

    E, por ser completamente espontâneo, há uma série de coisas que ela não pode fazer. Você não poderia, por exemplo, pegar os dependentes químicos da Cracolândia e submetê-los à autoridade de um pastor.

    Não poderíamos, por exemplo, chegar para os dependentes químicos da cracolândia e dizer “ok, agora você faz parte desta igreja e o seu pastor pode te mandar fazer um teste toxicológico; ele pode te dizer onde você vai trabalhar, e assim por diante. Ele tem poder secular sobre você, não apenas espiritual” (…).

    Isso basicamente mostra a falta de governança e estrutura nas vidas das pessoas. Esta seria uma perspectiva bastante pós-liberal. Certamente não é a perspectiva com a qual eu cresci, é o mesmo com o qual eu tenho tido contato nos meus vinte anos – eu costumava ser um libertário (na juventude).

    Só que eu percebi que não dá pra tratar todo mundo como se fossem nobres. E, ao mesmo tempo, os nobres deveriam ser tratados como se fossem nobres. Tipo, se você é um nobre, ninguém deveria te dizer quais drogas você pode ou não usar. Ao passo que, se você for um operário numa fábrica de automóveis, daí sim, (você precisa de orientação) para não estragar a sua vida. Esse tipo de entendimento era muito claro para os governos pré-liberais. Eles aceitavam isso por “default”. Consideravam isso parte da governança.

    Um outro exemplo seria o seguinte. Em meados do século XX, o Brasil fez todo tipo de experimento com protecionismo econômico.

    Nos anos 1980, aparecem economistas liberais no Brasil dizendo “Bom, na verdade vocês não sabem como a economia funciona. Vocês precisam de carros mais baratos, por isso é melhor vocês importarem os seus carros do que ficar tentando fazer carros no meio da floresta amazônica”. E é claro que esses experimentos protecionistas no Brasil redundaram em todo tipo de distorções e de insanidades.

    Por outro lado, quando você olha a China hoje, eles claramente não estão seguindo o manual liberal. Eles estão seguindo um manual mercantilista. Então, talvez exista alguma coisa boa ali. A gente ainda precisa entender melhor a razão deste mesmo manual mercantilista não ter funcionado para o Brasil ou para a Argentina. Mas, apenas talvez, exista alguma resposta que não seja o Consenso de Washington.

    Porque no fundo, um Estado precisa ser um Estado. E se você está apenas sobrevivendo com base em porcaria chinesa barata que você importa com dinheiro ganho da venda de soja… bom…

    Talvez você esteja prestes a enfrentar tempos difíceis.

    Você enfrentará tempos difíceis! Esse é um tipo de colonialismo econômico. A China, mesmo, não quis isso para si própria e foi muito rápida em sair desse tipo de situação. Se você for a Papua Nova Guiné, dificilmente você fará computadores. Mas, se você for o Brasil, é possível.

    É como o caso da Austrália. Nos anos 1980, a Austrália chegou a fabricar os próprios semicondutores. Eles fabricavam microchips 100% australianos. Eles tinham carros 100% australianos. Tudo isso acabou! É impossível não ver esse tipo de coisa como uma perda para o Estado.

    Existe essa teoria mais antiga para o Estado, uma espécie de teoria medieval do Estado, na qual o monarca é como se fosse o pai da nação, e o responsável pelo florescimento do país. Note que dizer que o país está florescendo não é o mesmo que dizer que ele tem o PIB mais alto possível. As duas coisas são diferentes.

    Na verdade, você precisa olhar para a vida das pessoas. O que é que eu vejo quando eu olho para o lugar? Eu vejo moradores de rua, lixo, imundície?

    Na sua opinião, o que há de errado com as democracias liberais?

    Você tem essa contradição, porque as pessoas usam a palavra democracia de duas formas muito diferentes. Elas usam a palavra democracia no sentido do (bilionário e filantropo) George Soros, da sociedade civil, talvez da mesma forma que (o ministro) Alexandre de Moraes (STF) use o termo.

    O que seria (essa) democracia? Seriam as nossas instituições, as nossas universidades, a nossa imprensa, os servidores públicos. Meu amigo, tem uma palavra para isso, e não é democracia, é oligarquia.

    As pessoas usam palavras como meritocracia, que significa, no fundo, algo como o  “governo dos guardiões” de Platão (a ideia presente em A República de que o governo deveria ser exercido por reis-filósofos). Para esses guardiões platônicos, democracia significa “nós dizemos ao povo o que pensar, e como votar, e tudo dará certo.”

    Isso até funcionou por boa parte do século XX. Eu chamo esse modelo de “catedral”, que é composta basicamente pelas universidades e pela imprensa.

    Tem um livro muito influente do jornalista americano Walter Lippmann de 1922, intitulado Public Opinion (“Opinião Pública”), em que ele diz que a mente do público é maluca, e que não dá para esperar que (boas) ideias saiam dessa sopa. E que, na verdade, para que a democracia possa funcionar, você precisa dizer para as pessoas o que pensar.

    Antes, você tinha a chamada imprensa marrom (“yellow press”, nos EUA), que costumava apenas publicar qualquer coisa que fosse sensacional, que fosse vender. Estavam apenas tentando ganhar dinheiro.

    Este tipo de imprensa saiu de cena e foi sucedido por um tipo de “governo soft” da mente do público. E isso funcionou muito bem enquanto estava funcionando. Como qualquer tipo de estrutura de liderança.

    É o que Gaetano Mosca (cientista político italiano, 1858-1941) chamou de “fórmula política”. Por que nós obedecemos o rei? Bom, nós obedecemos o rei porque ele é o filho do deus Sol. Se o rei morrer, o Sol se apagará. E meio que todo mundo sabe que isso não é literalmente verdade, é apenas uma mentira nobre. Mas, se o rei for um bom rei, se ele estiver indo bem, bom, quem se importa?

    Pela maior parte do século XX, você tinha essa elite dirigente que tinha uma visão de para onde ela queria que a sociedade fosse. Em meados do século, na era do “New Deal”, a sociedade estava florescendo, havia crescimento econômico, as coisas estavam avançando em alta velocidade. E é claro que todo mundo acreditava e amava essa elite.

    Para começo de conversa, eles não tinham mais nada para acreditar. Era isso que estava nas telas das TVs. Pensem em americanos normais, que não eram da elite, em 1965. Eles estavam lá vendo Walter Cronkite na CBS. Walter Cronkite está dizendo a eles como as coisas são. Ele soa como o seu pai, muito convincente, muito plausível. Essa foi como uma era dourada, num certo sentido.

    No entanto, no mundo moderno, as pessoas estão lá ouvindo essa mesma voz paterna, que parece com o pai delas, bastante articulada, e no entanto ela diz coisas malucas. Tipo, como foi que o mundo ficou obcecado com George Floyd (homem negro americano morto pela polícia em Minneapolis em maio de 2020)? Por que vocês estavam se importando com o George Floyd no Brasil?

    Na sua opinião, a “Catedral” ficou maluca?

    Sabe, a coisa que mais chama a atenção a respeito da “Catedral”, para um americano, é: por que será que esses poderes sempre concordam um com o outro?

    Por que será que o New York Times sempre concorda com o Washington Post? Por que será que Harvard sempre concorda com o Yale? Note que eles concordam um com o outro ao longo do tempo. Harvard nos anos 1960 sempre concordava com Yale nos anos 1960. Mas o que eles pensavam naquela época é bem diferente do que Harvard pensa em 2025, e do que Yale pensa em 2025. Eles estão se movendo juntos, eles são sinópticos, como diriam os estudiosos da Bíblia.

    Mas na verdade, não há ninguém no comando.

    Digamos que você esteja em um estado totalitário, Como a Alemanha Nazista de Joseph Goebbels. Goebbels é o papa nazista. Tudo que é escrito na Alemanha precisa passar pelo Joseph Goebbels em algum nível. Portanto, ele garante que todos os jornais da Alemanha sigam a linha do partido nazista. E aí, todos esses jornais concordam uns com os outros. Muito fácil de entender.

    Mas quando você tenta entender por que o New York Times concorda com o Washington Post, é bem diferente. Portanto, entender de onde essas ideias vêm e, especialmente, como elas ficaram tão estranhas, é a tarefa fundamental para entender qual é o problema com as nossas elites atuais.

    Você tem essas pessoas na classe média baixa, pessoas que no Brasil seriam eleitores do Bolsonaro, evangélicos. Eles olham para essas elites e pensam, “Isso é loucura, essas pessoas estão jogando o país do abismo”. E geralmente as teorias dessas pessoas sobre o porquê o país estar caminhando na direção do abismo não são muito boas. E o resultado é que isso torna muito difícil para elas impedir que o país vá para o abismo.

    É por isso que, quando você olha para o populismo em geral… e esse é o outro significado de democracia, na prática: populismo. Democracia significa ou meritocracia, que seria o governo do Alexandre de Moraes e do George Soros; ou populismo,  que é o governo das mães do Facebook (no Brasil, geralmente diríamos “as tias do zap”).  E as mães no Facebook estão tipo, “Bill Gates está injetando microchips no meu corpo”.

    Nós temos esse conceito do “livre mercado de ideias”.  É um conceito-chave não só da democracia, mas do liberalismo. O conceito diz que as boas ideias vão vencer as más ideias (…). Mas simplesmente não é assim. Quando você olha para o livre mercado de ideias dentro do movimento populista, você percebe que há alguns elementos em comum nas ideias que triunfam. Geralmente elas partem de um senso comum, só que misturado a maluquices que não funcionam.

    O problema não é só que seria difícil se basear nessas forças populistas para dirigir um país. É que nós não estamos tratando de um país em condições normais. Estamos tratando de um país que está numa crise em câmera lenta. Se você olhar para o Brasil, se você olhar para os Estados Unidos, estes não são países saudáveis, em muitos sentidos. Não só os países estão doentes, como as nossas elites ficaram malucas. Como é que você conserta isso?