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    Segurança jurídica: o alicerce da inovação e da saúde no Brasil

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    O Brasil é reconhecido pela excelência de seus pesquisadores e pela criatividade de seu povo. Mas transformar ciência em inovação exige mais do que talento: requer segurança jurídica. Sem previsibilidade nas regras que protegem a propriedade intelectual, nenhum país consegue sustentar um ambiente propício à pesquisa, ao desenvolvimento e à geração de novas tecnologias. E é essa base de inovação e estabilidade que também sustenta o SUS, um orgulho nacional, uma referência global de política pública bem-sucedida e onde atuo como médico há anos. Nenhum outro país com mais de 200 milhões de habitantes oferece cobertura universal e gratuita como o Brasil. Preservar esse modelo exige investir em inovação, em previsibilidade e em um ambiente seguro para que novas tecnologias continuem fortalecendo o sistema que salva vidas todos os dias.

    No Brasil, o marco legal para novas tecnologias é a Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996). É ela que estabelece o equilíbrio entre a proteção temporária de uma invenção e o acesso público ao conhecimento

    Como pesquisador, proprietário de patentes registradas no Brasil e parlamentar, eu já experimentei na pele o cenário de Propriedade intelectual do país. No meu caso, infelizmente, o processo de aprovação da minha descoberta junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) levou mais de 15 anos. Além dessa demora, fui gravemente prejudicado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, sem considerar os impactos para o pesquisador brasileiro, seja ele professor, pesquisador independente ou integrante de uma grande empresa, alterou de forma abrupta o critério de contagem do prazo de vigência das patentes no país.

    O mais preocupante é que a decisão produziu efeitos imediatos apenas para o setor farmacêutico, fazendo com que eu perdesse a minha propriedade intelectual da noite para o dia. Em outras palavras, além de enfrentar uma longa espera, ainda tive o prazo da minha patente reduzido de forma drástica.

    Minha pesquisa e minha patente referem-se a um tratamento inovador para tumores em recém-nascidos, como hemangiomas e linfo-hemangiomas, que apresentou resultados expressivos na redução das lesões, permitindo a regressão de tumores e evitando procedimentos cirúrgicos invasivos. Trata-se de uma tecnologia desenvolvida a partir de anos de estudo e prática clínica, com potencial real de transformar vidas e ampliar as possibilidades terapêuticas na medicina pediátrica.

    Agora, diante desse contexto, é impossível ignorar o impacto de uma decisão judicial que, ao reduzir abruptamente o prazo de vigência das patentes, retira dos pesquisadores a segurança jurídica necessária para continuar investindo em inovação. Se uma descoberta capaz de mudar o destino de crianças com tumores raros pode perder sua proteção da noite para o dia, imagine o desestímulo que isso causa em toda a comunidade científica e empreendedora do país. É uma medida que não apenas compromete avanços individuais, mas enfraquece o próprio ambiente de inovação no Brasil.

    Como parlamentar me preocupo e busco uma solução para esse tipo de problema na legislação brasileira. Nesse sentido, buscando a experiência internacional e a melhor prática, recentemente participei de uma Missão Internacional que visitou o maior Hub de inovação dos Estados Unidos: a Califórnia e o Vale do Silício. Ali ficou claro: inovação floresce num ambiente de segurança patentária e jurídica, duas coisas que não temos no Brasil no que diz respeito às inovações.

    Voltando ao Brasil identifiquei que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.210/2022, que propõe modernizar essa legislação, introduzindo o pedido provisório de patente — um instrumento que busca acelerar o processo de registro e aproximar o Brasil das práticas adotadas em países líderes em inovação. O texto também amplia de 12 para 36 meses o prazo para conversão desse pedido em definitivo e permite ajustes no documento até o início do exame técnico pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

    Diversas Frentes Parlamentares e Associações produtivas defendem a inclusão da Emenda n° 4 ao PL 2210/2022, que introduz no Brasil o termo de ajuste do prazo de patente, o Patent Term Adjustment (PTA), o instrumento que permite o ajuste proporcional e limitado — de até cinco anos — no prazo de vigência de patentes, exclusivamente nos casos em que houver atraso atribuível ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A emenda do PTA resolveria, em grande medida, vários dos efeitos negativos que eu senti e que também são sentidas constantemente por diversos cientistas no Brasil.

    Enquanto o Congresso Nacional não aprova essa emenda, os dados do INPI indicam que o número de pedidos de patentes no Brasil caiu cerca de 20% entre 2013 e 2023, enquanto o volume global cresceu 34% no mesmo período, segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).

    Ainda, em 2023, foram protocolados 27.918 pedidos de patentes no Brasil — número modesto para uma nação que ocupa a 10ª posição mundial em produção científica, mas apenas a 58ª posição em segurança de propriedade industrial segundo o Índice Internacional de Direitos de Propriedade. Isso revela um descompasso entre a geração de conhecimento e a sua conversão em inovação, o que me leva a considerar que os inventores brasileiros estão levando suas descobertas para outros países.

    A causa está na instabilidade regulatória atual. Quando as regras mudam constantemente ou são passíveis de interpretações divergentes, universidades, institutos de pesquisa e empresas se retraem. A pesquisa científica é cara e demorada. Sem garantias de que o esforço será protegido, o incentivo desaparece — e com ele, a inovação e a possibilidade de acesso a medicamentos inéditos para doenças que já são velhas conhecidas da população.

    Defender a segurança jurídica patentária é proteger a ciência, o paciente e o SUS. Cada novo medicamento, vacina ou tecnologia médica representa décadas de estudo e bilhões de reais em investimento. É essa proteção que garante a continuidade do ciclo virtuoso da inovação, viabilizando, no futuro, a produção de genéricos e biossimilares.

    O Congresso Nacional tem a responsabilidade de assegurar um ambiente estável e previsível, capaz de estimular a inovação sem perder de vista o interesse público. A segurança jurídica não é um detalhe técnico, mas o próprio alicerce do desenvolvimento nacional. Valorizar e proteger a inovação significa, em última instância, garantir o futuro da saúde, do progresso econômico e do bem-estar do cidadão brasileiro.

    Fontes:
    • INPI – Indicadores de Propriedade Industrial 2023.
    • OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual / WIPO) – World Intellectual Property Indicators 2023.
    • ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual) – Nota Técnica sobre o PL 2.210/2022. Abril/2024.
    • ABAPI (Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial) – Posicionamento conjunto sobre o PL 2.210/2022. Maio/2024.
    • Senado Federal – Relatório da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) sobre o PL 2.210/2022. Abril/2024.
    • Scimago Institutions Rankings – World Science Production Ranking 2023.

    Zacharias Calil é médico e Deputado Federal pelo estado de Goiás, Presidente da Frente Parlamentar Mista da Saúde, dedica-se a temas relacionados à saúde, defendendo melhorias no sistema público de saúde e promovendo ações para o avanço na área médica.