“Ser mulher no mercado musical é lutar constantemente”, opina Dani Ribas, coordenadora da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), quando questionada sobre a ausência de mulheres no ranking de artistas mais ouvidos do Spotify Wrapped, retrospectiva anual feita pela plataforma de música que apresenta os hábitos de consumo de ouvintes no Brasil e no mundo.
Esta é a primeira vez em oito anos, desde 2016, que nenhuma mulher elenca o ranking de cinco artistas mais ouvidos no Brasil durante o ano. Isso inclui as cantoras sertanejas, que dominam o rol desde 2017 e tomam para si um espaço antes majoritariamente masculino, com destaque para Marília Mendonça e Ana Castela.
Leia também
-
Retrospectiva Spotify: os artistas e as músicas mais ouvidas em 2025
-
Spotify Wrapped: os artistas mais ouvidos do ano são os mais ricos?
-
Pedro Bial divulga ranking do Spotify e 3º lugar surpreende
-
Spotify Wrapped: pais e mães compartilham frustração com retrospectiva
O Top 10 de 2025
- Henrique & Juliano
- Grupo Menos é Mais
- MC Ryan SP
- Jorge & Mateus
- MC IG
- Zé Neto & Cristiano
- Matheus & Kauan
- MC Tuto
- Natanzinho Lima
- Filipe Ret
Como base de comparação, Marília Mendonça elencou o primeiro lugar da lista por dois anos consecutivos. Ana Castela, por sua vez, desbancou Henrique & Juliano, MC Ryan SP e Jorge & Mateus no rol de 2023.
Há uma clara predominância masculina. Se nos outros anos a gente viu mulheres no Top 10, neste ano o Top 10 foi dominado por homens. Ana Castela ficou em 11º lugar, Simone Mendes em 12º lugar e Marília Mendonça em 13º lugar.
Carolina Alzuguir, head de música do Spotify
Veja o Top 5 dos últimos 11 anos:



Arte/ Metrópoles
Arte/ Metrópoles
Arte/ Metrópoles

Arte/ Metrópoles
Arte/ Metrópoles
Arte/ Metrópoles
Arte/ Metrópoles
Arte/ Metrópoles
Arte/ Metrópoles
Mas afinal, por que as mulheres estão de fora?
Para especialistas no mundo da música, a ausência de mulheres na listagem deste ano se dá por uma série de fatores, incluindo questões históricas de uma sociedade machista que ainda minimiza o trabalho feminino.
“Os dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] de 2022 mostram que mulheres dedicam 10 horas a mais de cuidados domésticos com pessoas e casa do que os homens. Isso já retira as mulheres do mercado de trabalho em termos de possibilidade. Historicamente, isso sempre foi uma barreira de entrada no mercado de trabalho. Na música não é diferente”, afirma Dani Ribas.
Especialista em tendências da indústria musical, Ribas explica que a recomendação do algoritmo de plataformas também pode influenciar na listagem final.
“Os algoritmos coletam dados para entender o gosto musical de cada ouvinte. Os algoritmos recomendam sempre o catálogo mais popular dentro do seu padrão de gosto. Se aquilo que tem disponível nas plataformas — a gente sabe que há um conteúdo maior masculino justamente porque, historicamente, as mulheres nunca tiveram nessa posição de predominância —, estatisticamente o que vai ser recomendado como mais popular são músicas compostas por homens”, explica.
“Mesmo com mulheres muito populares, como Marília Mendonça, a tendência natural é que ela seja cada vez mais empurrada para baixo nesse ranking devido aos vieses algorítmicos das plataformas”, completa.
“Além de todos os fatores culturais e sociais em que a mulher é colocada, a questão financeira de autonomia enquanto artista, enquanto compositora, a ausência de autonomia, também impacta na sua aparição, na sua forma de se comunicar no seu trabalho”, finaliza Fernanda Audi, diretora de operações da Abramus.
O mundo para além do sertanejo e do funk
A produtora musical Maboh, por sua vez, indica que o mercado do sertanejo, quando pensado no âmbito feminino, pode estar sentindo os impactos do falecimento de Marília Mendonça. A eterna “rainha da sofrência” morreu em 5 de novembro de 2021, aos 26 anos.
“A Marília Mendonça era a maior compositora do sertanejo feminino. Ela compunha não só para ela, mas também para outras artistas, e a falta que a produção de obra dela faz pode ser um desses fatores que está fazendo o nome das mulheres do sertanejo desaparecer da lista”, alega.
Ela ainda lembra que, para além do sertanejo e do funk, a indústria musical vem valorizando mulheres de outros gêneros. É o caso de Liniker, por exemplo, vencedora de três prêmios do Grammy Latino deste ano.
Liniker: universo estético, afetivo e sonoro do álbum “Caju” chega a Brasília
“A lista está muito centrada no sertanejo e no funk. E são dois gêneros em que, acho que não coincidentemente, tem muitas letras que degradam a figura feminina. A gente está num ano em que Liniker e Luedji Luna acabaram de ganhar Grammys Latinos, que também são prêmios da indústria. No ano passado a gente teve Iza no Grammy Latino. Esses nomes que estão em alta na indústria não figurarem na lista. É bastante chocante”, finaliza.






