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    STF tem 3 a 0 por inconstitucionalidade de Lei do Marco Temporal

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    O Supremo Tribunal Federal (STF) tem três votos pela inconstitucionalidade de trecho da Lei nº 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional, que trata do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. O primeiro a votar no caso foi o ministro Gilmar Mendes, relator das ações. O segundo voto foi do ministro Flávio Dino e Cristiano Zanin veio em sequência. Ambos seguiram o relator.

    O Congresso, após derrubar decisão do STF, estabeleceu como critério de demarcação das terras indígenas a presença deles nas terras na data da promulgação da Constituição, de 5 de outubro de 1988. O caso, no entanto, voltou à Corte.

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    Depois de ampla discussão sobre o tema, Gilmar, relator de quatro ações que tratam do tema, pediu que o julgamento fosse marcado em plenário virtual. A análise começou nesta segunda-feira (15/12), com o voto do decano da Corte, e vai até quinta-feira (18/12).

    Gilmar considerou inconstitucional o trecho da Lei nº 4.701/2023 que instituiu a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. Entre outros pontos, o ministro também propôs a fixação de prazo de 10 anos para que a União conclua todos os procedimentos demarcatórios pendentes, como forma de sanar omissão e mora inconstitucionais que perduram há mais de 30 anos.

    “Passados mais de 35 anos da promulgação da Constituição Federal, parece-me que já transcorreu lapso suficiente para amadurecimento definitivo da questão, de modo que não há mais como remediar a solução desse problema, cabendo, dessa forma, ao Poder Executivo o devido equacionamento da matéria e finalização dos procedimentos demarcatórios em prazo razoável, porém peremptório”, afirmou o ministro.

    Marco Temporal

    • A chamada “Tese do Marco Temporal” estabelece que povos indígenas só poderiam reivindicar territórios que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição.
    • Em setembro de 2023, o STF julgou inconstitucional a aplicação dessa tese para a demarcação de terras indígenas, em decisão com repercussão geral.
    • No voto desta segunda, Gilmar reafirma o entendimento.
    • O relator ressaltou que a lei é desproporcional e não assegura segurança jurídica ao impor um marco temporal de forma retroativa, atingindo comunidades que não dispõem de documentação formal de ocupação e impondo uma prova praticamente impossível à população indígena.

    Segundo Gilmar no voto, a sociedade “não pode conviver com chagas abertas séculos atrás que ainda dependem de solução nos dias de hoje, demandando espírito público, republicano e humano de todos os cidadãos brasileiros (indígenas e não indígenas) e principalmente de todos os Poderes para compreender que precisamos escolher outras salvaguardas mínimas para conduzir o debate sobre o conflito no campo, sem que haja a necessidade de fixação de marco temporal em 5 de outubro de 1988, situação de difícil comprovação para comunidades indígenas que foram historicamente desumanizadas com práticas estatais ou privadas de retirada forçada, mortes e perseguições”.

    Os ministros analisam em plenário virtual as ADCs 87, ADI 7.582, ADI 7.583 e ADI 7.586. Dino, ao votar, considerou que “propostas de emenda constitucional que pretendam introduzir tal limitação são materialmente inconstitucionais, pois atingem o núcleo essencial dos direitos fundamentais, o que é vedado pelo constituinte originário”, afirmou.

    Dino ainda ressaltou que “o Poder Legislativo não pode, sob qualquer pretexto, suprimir ou reduzir direitos assegurados aos povos indígenas, sob pena de ofensa aos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito”.

    Discussão do Marco Temporal

    A discussão sobre o Marco Temporal teve início no STF em 2009, no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

    O debate voltou a ganhar força em 2019, quando uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama Laklãnõ — onde também vivem povos Guarani e Kaingang —, recebeu repercussão geral.

    Gilmar Mendes passou o último ano concentrado na realização de audiências de conciliação para tentar um acordo sobre o tema. O ministro liberou os processos para julgamento na semana retrasada.