O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), publicou nesta segunda-feira (22/12) um decreto no qual aplica pena de demissão ao tenente coronel da reserva da Polícia Militar (PM) Marcelo Ricardo Silva, de 52 anos, e determina a cassação da aposentadoria do oficial, cujo valor bruto é de R$ 25.972,17, segundo o Portal da Transparência do governo.
A decisão de Tarcísio decorre da condenação de Marcelo Ricardo Silva (foto em destaque) por pedofilia no Tribunal de Justiça Militar (TJM) de São Paulo. O Regulamento Disciplinar da PM prevê a demissão de integrantes da corporação condenados judicialmente por condutas consideradas moral ou profissionalmente incompatíveis com a função pública.
Procurada pelo Metrópoles, a defesa de Silva afirmou que irá recorrer da decisão administrativa. “Ele é uma pessoa doente. Na ocasião dos fatos, estava afastado para realização de um tratamento psiquiátrico”, disse o advogado Derly Silveira de Araújo.
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Marcelo Ricardo Silva foi demitido da PM após condenação judicial por pedofilia.
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Oficial recebia aposentadoria bruta de quase R$ 26 mil, segundo o Portal da Transparência.
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A decisão assinada por Tarcísio de Freitas também determinou a cassação da aposentadoria.
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Equipamentos de informática apreendidos armazenavam pornografia infantil, segundo a perícia.
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Arma apreendida durante operação, na qual conteúdo de pornografia infantil foi identificado
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Busca, apreensão e prisão em Bauru
Segundo o processo administrativo que embasou a demissão, o tenente da PM foi alvo de mandado de busca e apreensão em 17 de outubro de 2021, em sua residência, em Bauru, no interior paulista. A medida foi expedida pela 2ª Vara Criminal de Bauru, após investigação da Polícia Civil que identificou acessos e armazenamento de conteúdo de pornografia infantil vinculados ao endereço do PM.
Durante o cumprimento do mandado, policiais civis e peritos apreenderam um notebook pertencente à própria Polícia Militar, três telefones celulares e oito HDs externos. A perícia apontou a existência de “farto conteúdo digital de pornografia infantil, vídeos e fotografias”, o que levou Silva a ser preso em flagrante na mesma data.
Investigação federal
O caso passou a tramitar também na Justiça Federal. Conforme documentos judiciais, o material encontrado nos equipamentos motivou a abertura de processo pelos crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tratam da produção, posse e armazenamento de pornografia infantil.
A investigação teve origem em levantamentos feitos por um núcleo de inteligência policial que monitora equipamentos, logados na internet, associados à busca por esse tipo de conteúdo na web, inclusive em ambientes da chamada “deep web”, não indexada por mecanismos de busca. A partir desses dados, chegou-se à identificação do tenente da PM, culminando no pedido judicial de busca e apreensão.
Compulsão e tratamento psiquiátrico
Em interrogatório no âmbito do Conselho de Justificação do TJM, Marcelo Ricardo Silva afirmou que, à época, estava afastado do serviço por problemas psiquiátricos, diagnosticado com transtorno depressivo maior, e que desenvolveu uma “compulsão por baixar arquivos indiscriminadamente” da internet.
Segundo sua versão, ele fazia downloads em massa de filmes, séries e conteúdos pornográficos sem sequer visualizar os arquivos, e que o material ilegal teria sido baixado “sem intenção”.
“Eu baixava arquivo indiscriminadamente. A maioria nem via. Deve ter acabado vindo material ilícito junto, sem que eu quisesse”, afirmou Silva em depoimento.
A defesa sustentou ainda que o tenente nunca manteve contato com menores de idade, não utilizou aplicativos de conversa para esse fim e jamais compartilhou os arquivos armazenados.
Perícia rejeitou inimputabilidade
Os argumentos defensivos foram analisados em um exame de insanidade mental, instaurado durante o processo administrativo. O laudo pericial, contudo, concluiu que, apesar do diagnóstico de depressão, o transtorno não tinha relação causal com as condutas apuradas e não comprometia a capacidade de entendimento e autodeterminação do oficial à época do flagrante.
“Apesar de possuir transtorno mental à época, a sintomatologia deste não possui qualquer relação de causa e efeito com os fatos dos quais o periciando [PM] é imputado”, registraram os peritos. Em resposta objetiva aos quesitos, afirmaram que Silva tinha plena capacidade de compreender o caráter ilícito de suas ações.
O Conselho de Justificação considerou o laudo “claro e conclusivo” e rejeitou o pedido da defesa para nova complementação da perícia.
Defesa fala sobre “pré-julgamento”
Ao Metrópoles, a defesa questionou a rapidez com que foi realizado o exame de sanidade mental do oficial, no curso do processo administrativo. Segundo o advogado Derly Silveira de Araújo, o laudo teria sido produzido de forma apressada e insuficiente para captar a real condição psíquica do então tenente à época.
Ele sustenta que Marcelo Ricardo da Silva estava afastado da corporação, fazia uso de medicação controlada e enfrentava um quadro psiquiátrico grave, o que, na avaliação da defesa, exigiria uma apuração mais aprofundada antes de qualquer conclusão sobre sua imputabilidade.
Para o advogado, houve um equívoco que será alvo de recurso. “Trata-se de uma pessoa doente, que estava em tratamento psiquiátrico. Ele acessou sites proibidos, mas não houve contato com crianças, não houve estupro, não houve violência”, afirmou.
Derly diz ainda que o processo não transitou em julgado e critica o que chama de pré-julgamento em casos que envolvem crimes sexuais. “Quando aparece a palavra ‘criança’, há uma condenação automática. Mas o caso dele não é emblemático nesse sentido e precisa ser tratado com o devido cuidado”, declarou.
Conduta considerada incompatível com a farda
Ao concluir a análise do caso, o Conselho de Justificação entendeu que ficou comprovado que o oficial mantinha armazenado material de pornografia infantil, o que, segundo os conselheiros, configura uma transgressão disciplinar grave e incompatível com os princípios éticos exigidos de um policial militar.
A outra acusação examinada no processo — a de posse irregular de arma de fogo — acabou descartada, por falta de irregularidade comprovada.
No parecer que serviu de base para a decisão final, a Procuradoria-Geral do Estado afirmou que a conduta atribuída a Marcelo Ricardo Silva era “desonrosa” e atentava contra a própria PM, o Estado e direitos humanos fundamentais. Por esse motivo, recomendou a aplicação das punições mais severas previstas em lei (a perda do posto e da patente, seguida da demissão).
Com a publicação do ato no Diário Oficial, o agora ex-tenente-coronel perde definitivamente o vínculo com a corporação e deixa de receber a aposentadoria paga pela Polícia Militar. A defesa informou que ainda pretende recorrer da decisão nas instâncias judiciais e administrativas cabíveis.
