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Transtorno do jogo: 80% dos viciados em bets têm ideias suicidas

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Transtorno do jogo: 80% dos viciados em bets têm ideias suicidas

O número de pessoas em busca de ajuda para o vício em jogos de azar foi multiplicado significativamente em São Paulo. Além de complicações financeiras e problemas familiares, a relação do transtorno do jogo com comorbidades mentais é motivo de preocupação.

Cerca de 80% das pessoas que procuram tratamento no Programa Ambulatorial do Jogo (PRO-AMJO), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP), têm ideação suicida, segundo dados da instituição estadual.

“Como com qualquer outra dependência, as pessoas têm resistência para falar, acham que não estão com problemas e que conseguem parar. No caso do jogo, é mais difícil ainda enxergar aquilo como uma dependência. As pessoas que desenvolveram transtorno demoram, em média, 8 anos para procurar ajuda. Quando elas chegam aqui, provavelmente já perderam tudo. Chegam sem ver luz no fim do túnel, já querendo tirar a própria vida”, afirmou o psicólogo do PRO-AMJO, Edilson Braga.

Desde 2023, o Programa iniciou o tratamento de 66 pacientes. As triagens foram suspensas em 2024 por causa da alta procura e continuam suspensas em 2025. Atualmente, a fila de espera tem 285 pessoas.

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Número de atendimentos para vício em apostas triplicou na cidade de São Paulo entre 2023 e 2025

Rodrigo Freitas/Metrópoles2 de 2

Transtorno do Jogo está associado a problemas financeiros e familiares, além de quadros de ansiedade, depressão e ideações suicidas

Rodrigo Freitas/Metrópoles

Em entrevista ao Metrópoles, Braga contou que o Programa iniciou uma força-tarefa para acolher toda a demanda e acolher as pessoas da fila de espera. Segundo conta, o paciente passa por um atendimento psicoeducacional com o objetivo de orientar sobre os problemas relacionados ao transtorno do jogo, bem como identificar casos mais graves, incluindo aqueles com ideações suicidas.

Além da associação do vício com comorbidades, como ansiedade e depressão, o transtorno do jogo dobra o uso de álcool ou nicotina entre os dependentes.

Tratamento por etapas

No Ambulatório, a primeira etapa de atendimento tem como objetivos fornecer informações e acolhimento para quem fica na fila de espera. A etapa consiste em quatro encontros online. Em seguida, os pacientes passam por um protocolo com psicodiagnóstico até serem admitidos para tratamento efetivo.

“Ele vai passar com um psiquiatra, que vai prescrever o melhor tratamento, principalmente para as comorbidades. Vamos tratar a impulsividade, a ansiedade e a depressão. Concomitantemente, o paciente vai para a psicoterapia em grupo ou individual, o que dura em torno de seis meses. Depois, continua com os médicos e vai para outros tipos de grupo, como qualidade de vida e educação física, para continuar o suporte”, explicou o pesquisador.

Em caso de recaída, os pacientes vão para o grupo dos reincidentes, podendo voltar para a psicoterapia, a depender da necessidade.

Saga de 30 km

Apesar do tratamento de referência no Pro-Amjo, o Metrópoles enfrentou dificuldades para encontrar atendimento em outras instituições de saúde pública, ainda que São Paulo tenha se tornado o primeiro estado do país com um programa para capacitação profissional e tratamento em centros apropriados.

A reportagem visitou sete unidades de saúde, incluindo quatro Centros de Atenção Psicossocial (Caps), uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Após uma sequência de direcionamentos sem sucesso e mais de 30 km percorridos, informações concretas e a possibilidade de iniciar o tratamento foram fornecidas apenas no sétimo endereço.

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O Metrópoles visitou sete unidades de saúde pública em busca de informações sobre tratamento para vício em jogos. Apenas na última a reportagem conseguiu orientações concretas e possibilidade de tratamento

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Caps AD Pinheiros

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Caps Adulto Butantã

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Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental Vila Mariana

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UPA Vergueiro

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UBS Humaitá

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Caps Itapeva

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Caps Vila Monumento

Acervo Pessoal

“Bomba-relógio”

A alta demanda por tratamento para dependência em jogos seria uma “bomba-relógio” prestes a explodir, alerta Braga. Na avaliação dele, o SUS não vai dar conta de atender a todos os dependentes e sequer tem profissionais para isso.

“Infelizmente, não há especialistas sobre o transtorno do jogo no Brasil. Um programa especializado, como o do Ambulatório do Jogo Patológico só existe no HC (Hospital das Clínicas)”, aponta Braga. “É bem complicado para a atenção do SUS, faltam profissionais. Muitas vezes, eles não sabem o que fazer e encaminham para nós. Os profissionais não estão preparados, tanto do ponto de vista da conduta medicamentosa, quanto do ponto de vista psicoterapêutico”, diz.

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No entendimento dele, é urgente rediscutir as regras sobre propagandas de apostas, apontadas como um dos principais gatilhos para recaídas de dependentes. E vai além, com a defesa de que seja vedada a participação de influenciadores e famosos, conforme proposta aprovada no Senado e enviada à Câmara dos Deputados.

Vício em jogos de azar

O Ambulatório do Transtorno do Jogo do Hospital das Clínicas elaborou 12 questões sobre a dependência em jogos de azar. Caso a resposta seja afirmativa em cinco ou mais questões, é recomendável procurar ajuda.

Outra necessidade é o investimento em saúde. Conforme a lei que regulamentou as apostas em 2023, apenas 1% do total arrecadado é destinado para medidas de prevenção, controle e mitigação de danos sociais dos jogos de azar. Braga argumenta que as campanhas de prevenção são essenciais para desmistificar o transtorno e incentivar a busca por tratamento.

“As pessoas deveriam realmente procurar ajuda, não ter vergonha, não achar que os dependentes são pilantras ou burros. As campanhas ajudam muito em mostrar que não se trata de burrice ou qualquer outra coisa, mas sim de uma dependência, porque as pessoas têm muita dificuldade em aceitar a dependência em jogos como doença. Tanto os familiares quanto os jogadores.”

O que dizem os envolvidos

O Metrópoles procurou a Secretaria Municipal da Saúde sobre o tratamento para transtorno do jogo na rede pública. A pasta informou que promove a qualificação contínua das equipes da Atenção Primária e dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) por meio de ações de educação permanente, que incluem discussões de casos, acompanhamentos conjuntos e capacitações, conforme as diretrizes do Ministério da Saúde.

“Em São Paulo, as 479 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) funcionam como portas de entrada para acolhimento, avaliação da equipe multiprofissional e encaminhamento dos pacientes, quando necessário, para um projeto terapêutico. A Rede de Atenção Psicossocial (Raps) conta com 103 Caps, que fazem o atendimento inicial sem necessidade de agendamento ou encaminhamento prévio.”

Já a Secretaria de Estado da Saúde (SES) afirmou que “apoia a implementação da política voltada à abordagem terapêutica da dependência em jogos de azar, oferecendo capacitação e suporte às equipes de saúde mental da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e da Atenção Básica em todo o estado de São Paulo”. Segundo a pasta, “nos próximos meses serão promovidas ações voltadas à formação de profissionais e ao fortalecimento de parcerias”.

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