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    Veto a celular pegou? Escolas avaliam primeiro ano de proibição

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    O ano letivo nas escolas públicas e privadas de São Paulo chega ao fim neste mês de dezembro com um marco histórico: pela primeira vez, crianças e adolescentes não puderam usar o celular dentro dos colégios.

    A medida, imposta por meio da lei estadual nº 18.058, de 2024, e da lei federal nº 15.100, de 2025, começou a valer no início deste ano e cobrou uma mudança nos hábitos dos estudantes e das escolas.

    Em São Paulo, como no resto do país, colégios precisaram criar regras para fiscalizar a restrição e, em alguns casos, enfrentaram a resistência de estudantes à novidade. Em geral, o balanço dos profissionais da educação é de que a medida gerou resultado em boa parte das escolas e teve impacto direto na socialização e na aprendizagem dos alunos.

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    Sem celular, alunos aumentaram as brincadeiras no intervalo de escola municipal de SP

    Jessica Bernardo / Metrópoles

    Na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Meire de Jesus Ribeiro, na Cidade Tiradentes, zona leste da capital paulista, a novidade foi melhor recebida pelos alunos mais novos do que pelos mais velhos.

    Por lá, a diretora Cristiane dos Santos diz que a escola criou um protocolo: sempre que um aluno é pego com o celular, vai para a diretoria. O aparelho só é devolvido quando um responsável vai até a unidade.

    “Já teve resistência, de aluno que não queria entregar”, lembra ela. A equipe, então, ligou para o pai do menino que não só autorizou a escola a recolher o aparelho, como deixou o filho três dias sem celular depois do episódio.

    O apoio dos pais à proibição, segundo a diretora, tem sido fundamental para que a restrição funcione. Mas há quem diga que as próprias crianças e adolescentes também têm ajudado a fazer a regra ser cumprida.

    “Eles mesmos avisam se tem professores usando [o celular]”, diz o coordenador pedagógico da escola, João dos Santos, lembrando que a medida também vale para os adultos.

    Para ele, um dos resultados mais positivos desde que a restrição ao celular foi implementada foi a redução do cyberbullying – o bullying feito no meio digital, como redes sociais e plataformas de jogos.

    “Diminuiu bastante. Eles tiravam fotos dos outros sem autorização”, conta o coordenador, explicando que depois as imagens eram publicadas pelos alunos nas redes, muitas vezes de forma distorcida.

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    Escolas privadas

    Nas escolas particulares, a percepção sobre o primeiro ano de veto aos celulares é parecida. Coordenador de Departamento Pedagógico do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp), entidade que representa o setor privado, Edson Pequeno diz que várias unidades também comemoraram o impacto no cyberbullying: “Diminuiu consideravelmente”, conta.

    Edson afirma que agora as escolas já relatam uma maior adaptação dos estudantes à medida. “O início foi a fase mais turbulenta”, diz. Segundo o coordenador, episódios de ansiedade e até agressividade dos alunos marcaram os primeiros meses da proibição em vários colégios.

    As escolas passaram a debater mais profundamente a dependência dos estudantes aos aparelhos e a chamada nomofobia – transtorno reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e caracterizado pelo medo irracional de estar sem celular.

    No Colégio Dante Alighieri, no Jardim Paulista, centro da cidade, as conversas sobre a dependência dos aparelhos acontecem tanto com as famílias quanto com os próprios alunos.

    “Há uma dor para fazer esse desapego. Com certeza, todo adicto sofre para poder deixar esse vício. Nós entendemos isso e fizemos rodas de conversa com os alunos”, diz Valdenice Minatel, diretora institucional e de tecnologia da escola.

    Na unidade, a restrição ao uso dos celulares nos intervalos começou antes mesmo da determinação da lei, em setembro de 2024. Para preencher o espaço deixado pela falta do celular no intervalo, a escola investiu em iniciativas como jogos de tabuleiro, disponibilização de instrumentos musicais, e práticas esportivas.

    “Foi maravilhoso. Nós retomamos a visão do recreio que já era saudosista e, ainda bem, não é mais. As pessoas conversando, interagindo, brincando”.

    Uso escondido

    Mesmo com a proibição, no entanto, há quem continue trazendo o celular pra escola e usando escondido. “No banheiro ontem e hoje eu vi [gente com o celular na mão]”, conta o aluno da Emef Meire de Jesus Ribeiro, Matheus Henrique, de 11 anos.

    Ele diz que alguns colegas são “viciados” no aparelho e mexem até mesmo dentro da sala de aula, escondendo quando a professora está olhando. Por dia, a escola registra de dois a três casos de estudantes com celular.

    O que dizem as leis que vetam celular nas escolas?

    • Alunos ficam impedidos de utilizar celulares e outros aparelhos eletrônicos, inclusive no recreio.
    • Há exceções, como uso em atividades pedagógicas.
    • Também fica permitido celular para acessibilidade, inclusão e atendimento às condições de saúde dos alunos.
    • A lei estadual prevê que as escolas criem mecanismos para guardar o celular longe das crianças, caso elas tragam.

    Na Etec Takashi Morita, em Santo Amaro, na zona sul, onde há apenas estudantes de ensino médio, o Metrópoles conversou com alunos que continuam levando o aparelho normalmente. “Pra mim é mais difícil [ficar sem] porque eu sempre usei”, afirmou um estudante do 3º ano.

    Em geral, os ouvidos pela reportagem dizem que a restrição é mais fácil para os mais novos.

    Desconectados

    Para Antônia Brandão Teixeira, co-fundadora do Movimento Desconecta, que defende celulares somente a partir dos 14 anos, a chegada da lei que restringe o aparelho nas escolas foi crucial para ampliar o debate sobre os impactos dos celulares nas crianças e adolescentes.

    “De alguma forma, a lei trouxe esse diálogo para as casas, para as famílias”, afirma ela.

    A ativista defende, no entanto, que as famílias tragam essa restrição também para dentro de casa. “O celular foi proibido dentro da escola, já é um grande avanço, mas ele também está presente dentro das casas por mais tantas horas”.

    O movimento se apoia em pesquisas que alertam para os riscos do uso excessivo de telas e redes sociais entre crianças, e se inspira em recomendações do psicólogo social Jonathan Haidt, autor do livro “A geração ansiosa”.

    Haidt estudou o impacto dos smartphones na vida de crianças e adolescentes, e disse que o uso excessivo de telas aumentou os casos de depressão e ansiedade na infância.

    Outros estudos também mostram que smartphones podem prejudicar o desenvolvimento de crianças, afetar a aprendizagem e a socialização delas.